São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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Assentados não querem saber de novos conflitos

DOS ENVIADOS A ELDORADO DO CARAJÁS

Dez anos atrás, então com 43 anos, Andrelina Souza de Araújo apareceu na capa de jornais e revistas de todo o mundo como o símbolo das viúvas do massacre de Eldorado do Carajás. Com o filho Róbson de três anos no colo, ela chorava desesperada ao lado do caixão do marido, João Rodrigues de Araújo.
"Hoje eu vejo como foi difícil cuidar sozinha desses sete filhos. Eu ganhei um pedaço de terra, mas não tenho meu marido ao meu lado. Eu acho que não foi feita Justiça", afirma Andrelina, 53. Hoje, além de uma pensão do governo do Estado, é beneficiária do Bolsa-Família.
"Eu nunca mais vou pra estrada [para marchas]. Depois daquele dia, não quero mais saber disso. Lembro daquela correria, o tiroteio, a camisa de meu marido jogada no chão da rodovia. Hoje tenho minha casa, minha terra e não preciso trabalhar pra fazendeiro nenhum", diz a agricultora. Seus filhos vão na mesma linha: "Não quero nem saber disso. Eu quero trabalhar só com a caneta", diz Róbson, 13, que cursa a 5ª série. "Eu quero ser advogada", afirma Aucilene, 14.
Após o massacre, a maioria dos sem-terra se refugiou no acampamento Formosa, no município vizinho de Curionópolis. Lá um grupo de crianças organizou um cordão de isolamento na entrada da fazenda para proteger seus pais de uma invasão de PMs. Entre elas estava Francisco Souza dos Santos, então com 9 anos. De calção, ele pedia Justiça e reforma agrária ao lado de colegas com facões e bandeiras.
Hoje com 19 anos, Francisco se lembra com exatidão do conflito com os policiais militares na PA-150. "Eu estava com meu pai, meu irmão e meu avô. Mas na hora do tiroteio, quando vi uma caminhonete de policiais se aproximando, saí correndo pro meio do mato. Junto comigo passava um monte de gente rasgada de bala. Só encontrei o meu pai no dia seguinte, no acampamento."
Ele não quer mais saber de conflitos: "Eu sou um cara tranqüilo, sossegado, só penso em ir tocando a minha vida por aqui". Ele vive com a mulher numa casa no assentamento 17 de Abril.
Rondinele Nero Lima, que na época ajudava a mãe a lavar as roupas da família num igarapé, hoje está assentada no 17 de Abril. Na época do massacre, então com 10 anos, Rondinele vivia com a família no acampamento Formosa, em Curionópolis: "Meu pai e meu irmão estavam lá [no conflito], mas não aconteceu nada com eles". Hoje, aos 20 anos, está casada e tem quatro filhos.


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