São Paulo, domingo, 16 de abril de 2006

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TERRA SEM LEI

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, apenas 7% dos casos chegaram a julgamento entre 1985 e 2004; no período houve 1.399 assassinatos

Para Igreja, 93% dos crimes no campo não são julgados

DO ENVIADO A ELDORADO DO CARAJÁS

Pelo número de mortes e pela ampla repercussão tanto no Brasil quanto no exterior, o massacre de Eldorado do Carajás, que completa dez anos em 2006, tornou-se um símbolo de impunidade. Esse caso, porém, é apenas mais um exemplo do que ocorre sistematicamente no país.
Segundo dados da Igreja Católica, apenas 7% dos crimes ocorridos no campo entre 1985 e 2004 foram a julgamento.
Nesse período, ocorreram 1.043 crimes motivados por conflitos fundiários, com um saldo de 1.399 assassinatos -a maioria deles de trabalhadores rurais. De acordo com um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), apenas 77 desses casos foram julgados até hoje.
"O que temos, principalmente no Pará, é a constatação de que a impunidade tem sido a regra. A área de segurança pública no Pará tem uma ligação muito próxima com setores ligados ao latifúndio. Por isso, nunca teve interesse de investigar e muitas vezes atua só por pressão", afirma José Batista Afonso, da coordenação nacional da CPT no Pará.
Segundo ele, a atuação do Poder Judiciário fica ainda mais prejudicada pela falta de investigação da polícia. "Um levantamento que fizemos mostrou que apenas 28% dos assassinatos no campo no Pará tiveram algum tipo de investigação policial", afirma Batista Afonso.
O estudo da CPT, braço agrário da Igreja Católica, mostra também que, nesses 77 julgamentos, 15 pessoas apontadas como mandantes foram condenadas, enquanto outras seis foram absolvidas. O balanço mostra ainda 65 executores que receberam condenação pela Justiça e outros 45 que receberam absolvição.

Eldorado dos Carajás
No caso de Eldorado do Carajás, por exemplo, dos 155 policiais militares que participaram da ação, apenas dois deles (coronel Mário Pantoja e major José Maria de Oliveira) foram condenados. Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), porém, ambos permanecem em liberdade.
"Toda a montagem do processo [de Eldorado dos Carajás] e as idas e vindas nos tribunais demonstraram nesse caso como o Poder Judiciário e o Estado brasileiro estão permeados pelo poder e pelas influências do latifúndio, que usa a Polícia Militar como mera defensora de seus interesses econômicos. São os capitães-do-mato modernos, no caso do Pará", declara João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
De acordo com o líder dos trabalhadores sem-terra, a lei no Brasil foi feita para proteger os ricos e condenar os pobres. "A impunidade dos policiais e dos verdadeiros mandantes do caso de Eldorado dos Carajás é assombrosa e comprova mais uma vez que, no Brasil, a lei protege os ricos. Apenas os pobres, pretos e sem-terra vão pra cadeia."
(Eduardo Scolese)


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