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Por "sobrevivência", MST decide elevar o tom contra Lula
Sem-terra avaliam que só cresce a desproporção entre o poder do agronegócio no governo e as intenções do petista para reforma agrária
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma soma de fatores pesou
para o comando do MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) decidir focar
seus ataques no presidente
Luiz Inácio Lula da Silva a partir de agora. Entre eles, o incentivo do governo à expansão da
cultura da cana-de-açúcar e a
tentativa de o movimento recuperar parte de seu referencial
crítico esvaziado no primeiro
mandato do petista.
A gota d'água da decisão, segundo a Folha apurou com líderes do movimento, foi a declaração de Lula de que os usineiros brasileiros, antes considerados "bandidos", estão virando "heróis mundiais".
Os usineiros, alguns ligados a
denúncias de trabalho escravo,
são considerados inimigos pelos sem-terra. Soma-se a isso a
avaliação do movimento de
que, ao incentivar a produção
do álcool, o governo ajuda a inflar o número de bóia-frias.
O MST teme que o avanço
desse tipo de trabalho agrícola,
alinhado à consolidação do
Bolsa Família, desmobilize
parte da base do movimento.
Mudança
Conforme a Folha antecipou
na edição da última quarta-feira, a direção nacional do MST
decidiu, por unanimidade, mirar em Lula suas críticas e pressões a partir de agora. Cartazes
com a foto de Lula serão espalhados pelos sem-terra com o
seguinte título: "Por que não
sai reforma agrária?"
Trata-se de uma mudança
brusca em relação ao posicionamento político do movimento no primeiro mandato, quando preferiu poupar o petista
das críticas e mirar seus ataques no modelo de política econômica e na estrutura do Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
No primeiro mandato, o
MST teve importante participação pró-Lula durante a crise
do mensalão, quando saiu às
ruas para defendê-lo diante da
idéia de impeachment lançada
pela oposição.
Respaldada pela maioria de
sua base de acampados (falam
em cerca de 140 mil famílias) e
por intelectuais e integrantes
de pastorais ligados ao movimento, a decisão unânime de
mirar em Lula, agora, traz alguns riscos ao MST.
O governo, por exemplo, pode fechar a torneira de repasses
de verbas ao movimento, assim
como ocorreu com o MLST
(Movimento de Libertação dos
Sem Terra) após a invasão do
Congresso, no ano passado.
Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que três das
principais entidades ligadas ao
movimento (Anca, Concrab e
Iterra) receberam, do governo
federal, cerca de R$ 39 milhões
no primeiro mandato petista,
um avanço de 315% em relação
ao segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Com dinheiro em caixa para
manter sua estrutura e tocar
programas de capacitação, alfabetização e cursos de formação
política, o MST manteve em alta o ritmo de invasões de terra.
Na primeira gestão de Lula, o
MST foi responsável por 67%
das 1.036 invasões registradas
pela Ouvidoria Agrária Nacional de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Na prática,
sob Lula, o movimento invadiu
uma fazenda a cada dois dias
-691 ações em quatro anos.
Outro risco ao MST, ao tensionar sua histórica relação
com Lula e PT, é ficar isolado
politicamente. Ou seja, sem o
respaldo partidário que o auxilia em casos de violação dos direitos humanos, por exemplo.
O clima entre os líderes sem-terra ainda não é o de rompimento com o governo. A realidade, além de uma absoluta
descrença no atual governo, é
de buscar mais ousadia e novo
rumo político, numa admissão
de que o período do primeiro
mandato foi perdido numa
aposta que deu errado.
Para os sem-terra, é cada vez
maior a assimetria entre o poder do agronegócio no governo
petista e as intenções de Lula
para a reforma agrária. "É evidente que as forças conservadoras têm mais espaço agora
do que antes", disse João Pedro
Stedile, da direção do MST.
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