São Paulo, segunda-feira, 16 de abril de 2007

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Por "sobrevivência", MST decide elevar o tom contra Lula

Sem-terra avaliam que só cresce a desproporção entre o poder do agronegócio no governo e as intenções do petista para reforma agrária

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma soma de fatores pesou para o comando do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) decidir focar seus ataques no presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de agora. Entre eles, o incentivo do governo à expansão da cultura da cana-de-açúcar e a tentativa de o movimento recuperar parte de seu referencial crítico esvaziado no primeiro mandato do petista.
A gota d'água da decisão, segundo a Folha apurou com líderes do movimento, foi a declaração de Lula de que os usineiros brasileiros, antes considerados "bandidos", estão virando "heróis mundiais".
Os usineiros, alguns ligados a denúncias de trabalho escravo, são considerados inimigos pelos sem-terra. Soma-se a isso a avaliação do movimento de que, ao incentivar a produção do álcool, o governo ajuda a inflar o número de bóia-frias.
O MST teme que o avanço desse tipo de trabalho agrícola, alinhado à consolidação do Bolsa Família, desmobilize parte da base do movimento.

Mudança
Conforme a Folha antecipou na edição da última quarta-feira, a direção nacional do MST decidiu, por unanimidade, mirar em Lula suas críticas e pressões a partir de agora. Cartazes com a foto de Lula serão espalhados pelos sem-terra com o seguinte título: "Por que não sai reforma agrária?"
Trata-se de uma mudança brusca em relação ao posicionamento político do movimento no primeiro mandato, quando preferiu poupar o petista das críticas e mirar seus ataques no modelo de política econômica e na estrutura do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
No primeiro mandato, o MST teve importante participação pró-Lula durante a crise do mensalão, quando saiu às ruas para defendê-lo diante da idéia de impeachment lançada pela oposição.
Respaldada pela maioria de sua base de acampados (falam em cerca de 140 mil famílias) e por intelectuais e integrantes de pastorais ligados ao movimento, a decisão unânime de mirar em Lula, agora, traz alguns riscos ao MST.
O governo, por exemplo, pode fechar a torneira de repasses de verbas ao movimento, assim como ocorreu com o MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) após a invasão do Congresso, no ano passado.
Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que três das principais entidades ligadas ao movimento (Anca, Concrab e Iterra) receberam, do governo federal, cerca de R$ 39 milhões no primeiro mandato petista, um avanço de 315% em relação ao segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Com dinheiro em caixa para manter sua estrutura e tocar programas de capacitação, alfabetização e cursos de formação política, o MST manteve em alta o ritmo de invasões de terra.
Na primeira gestão de Lula, o MST foi responsável por 67% das 1.036 invasões registradas pela Ouvidoria Agrária Nacional de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Na prática, sob Lula, o movimento invadiu uma fazenda a cada dois dias -691 ações em quatro anos.
Outro risco ao MST, ao tensionar sua histórica relação com Lula e PT, é ficar isolado politicamente. Ou seja, sem o respaldo partidário que o auxilia em casos de violação dos direitos humanos, por exemplo.
O clima entre os líderes sem-terra ainda não é o de rompimento com o governo. A realidade, além de uma absoluta descrença no atual governo, é de buscar mais ousadia e novo rumo político, numa admissão de que o período do primeiro mandato foi perdido numa aposta que deu errado.
Para os sem-terra, é cada vez maior a assimetria entre o poder do agronegócio no governo petista e as intenções de Lula para a reforma agrária. "É evidente que as forças conservadoras têm mais espaço agora do que antes", disse João Pedro Stedile, da direção do MST.


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