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MÁFIA DOS SANGUESSUGAS
Entidades serviam para burlar Lei de Licitações
Quadrilha usava ONGs de
fachada para desviar verbas
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Destino de milhões de reais
anualmente do Orçamento da
União, entidades privadas sem
fins lucrativos chamadas Oscips
eram usadas regularmente pela
quadrilha investigada na Operação Sanguessuga para burlar a Lei
de Licitações e desviar dinheiro
público a partir de emendas parlamentares, segundo documentos
dos inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre o caso.
A organização criminosa atuava
com a colaboração de assessores
parlamentares, dirigentes das Oscips e até mesmo com a ajuda de
funcionários públicos cooptados
para facilitar a liberação de recursos que irrigavam o esquema.
De acordo com conversas captadas pela PF e entrevistas dadas à
Folha, deputados como Nilton
Capixaba (PTB-RO), Paulo Baltazar (PSB-RJ) e João Mendes (PSB-RJ) direcionaram emendas a Oscips com as quais integrantes das
empresas do grupo Planam faziam negócios. Os deputados negam ligação com irregularidades.
A PF não afirma que os deputados tenham participado do esquema, mas suspeita que assessores ou os próprios parlamentares
tenham sido beneficiados pela
quadrilha. O esquema pressupunha também pagamentos (ou
"comissões") a dirigentes das Oscips e propinas a servidores.
O foco principal da quadrilha
era a venda superfaturada de ambulâncias a prefeituras. Mas o
grupo fazia negócios também na
esfera do Ministério de Ciência e
Tecnologia, como nos projetos financiados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
As Oscips
Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público)
são uma espécie de ONG voltadas
para a prestação de serviços públicos. Em tese, não têm fins lucrativos nem poderiam gerar "comissões" para seus dirigentes.
Apesar de poder captar recursos
da iniciativa privada, a maioria
sobrevive de verbas do Estado.
A PF identificou pelo menos sete Oscips usadas pelos donos da
Planam para fraudar licitações de
bens ou serviços prestados a prefeituras. Entre os casos mais graves estão Ibrae (Instituto Brasileiro de Cultura e Educação), Intedeq (Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento de Qualidade) e
Associação Rural Canaã.
De acordo com a PF, em muitos
casos, os próprios integrantes da
quadrilha quem bolavam os projetos a serem financiados com dinheiro público para beneficiar as
empresas do esquema.
Segundo informações levantadas pelo site Contas Abertas
(www.contasabertas.com), em
2005 Paulo Baltazar foi autor de
emendas para projetos a serem
realizados pelo Ibrae no valor de
R$ 1,31 milhão. R$ 1,08 milhão foi
liberado e já pago pela Finep para
um projeto de ônibus para levar
conhecimentos de informática à
população. Uma empresa ligada à
Planam ganhou a concorrência
para a entrega de cinco ônibus.
O próprio Ibrae informou que o
idealizador dos projetos agraciados com emendas de Baltazar foi
Ivo Marcelo Spínola, genro de
Darci Vedoin, dono da Planam e
apontado pela PF como o chefe da
quadrilha. A informação foi dada
à Folha pela advogada do Ibrae.
A quadrilha
Segundo a PF, Spínola tinha papel central na relação com as Oscips. Articulou negócios relacionados a programas de inclusão
digital com diversas entidades no
Estado do Rio. Projetos com o
Ibrae e o Intedeq foram citados
nas interceptações telefônicas.
Spínola fala abertamente com
Vedoin em pagamentos ao diretor do Ibrae Nilton Simões. O próprio Nilton cobrou de Spínola
"comissões" referentes a uma série de projetos do Ibrae em que a
Planam teria vencido as licitações.
Spínola teria falado sobre pagamentos também com o presidente do Intedeq. Assim como no caso do Ibrae, a Planam venceu uma
licitação para o fornecimento de
ônibus num projeto do Intedeq
de unidades móveis de inclusão
digital. O deputado João Mendes
destinou emenda, já paga, de
R$ 700 mil ao projeto do Intedeq.
Ao que indicam as interceptações, dirigentes das duas Oscips
receberam dinheiro da quadrilha.
Num dos diálogos, Luiz Antônio
Vedoin (filho de Darci) conversa
com o empresário Ronildo Pereira Medeiros, que reclama que Nilton o estava pressionando para
receber suas "comissões". Ronildo diz que Nilton é um "vagabundo" e que não iria ligar para ele.
Luiz Antônio adverte: "Não, mas
tem um negócio grande lá, né,
meu amigo", referindo-se a
emendas ao Ibrae. Luiz Antônio
ressalta que se Ronildo não "acertar" o que deve a Nilton, não vai
mais conseguir vender ao Ibrae.
A PF captou também uma conversa de Spínola com Edson Albuquerque dos Santos, o presidente do Intedeq. Spínola pergunta se "a documentação" havia
sido entregue. Num primeiro momento Edson estranha, mas,
quando se dá conta do que se trata, confirma que havia recebido.
A PF deduziu que fosse dinheiro.
Numa outra conversa, Spínola
fala com Darci sobre um pagamento a uma pessoa chamada Regina, que a PF suspeita ser funcionária da Finep. Segundo as conversas, ela teria agilizado o financiamento dos projetos direcionados ao Ibrae e ao Intedeq. Num
diálogo, Regina agradece a Darci
pelo recebimento de R$ 500.
Numa conversa, Francisco Machado, assessor de Nilton Capixaba, fala com Luiz Antônio sobre o
empenho de R$ 4 milhões. Machado diz que seriam empenhados R$ 300 mil para a Associação
Rural Canaã, controlada por Capixaba. Segundo o Contas Abertas, ele direcionou R$ 1 milhão em
emendas a projetos agropecuários, área de atuação da Canaã.
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