São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÁFIA DOS SANGUESSUGAS

Entidades serviam para burlar Lei de Licitações

Quadrilha usava ONGs de fachada para desviar verbas

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Destino de milhões de reais anualmente do Orçamento da União, entidades privadas sem fins lucrativos chamadas Oscips eram usadas regularmente pela quadrilha investigada na Operação Sanguessuga para burlar a Lei de Licitações e desviar dinheiro público a partir de emendas parlamentares, segundo documentos dos inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre o caso.
A organização criminosa atuava com a colaboração de assessores parlamentares, dirigentes das Oscips e até mesmo com a ajuda de funcionários públicos cooptados para facilitar a liberação de recursos que irrigavam o esquema.
De acordo com conversas captadas pela PF e entrevistas dadas à Folha, deputados como Nilton Capixaba (PTB-RO), Paulo Baltazar (PSB-RJ) e João Mendes (PSB-RJ) direcionaram emendas a Oscips com as quais integrantes das empresas do grupo Planam faziam negócios. Os deputados negam ligação com irregularidades.
A PF não afirma que os deputados tenham participado do esquema, mas suspeita que assessores ou os próprios parlamentares tenham sido beneficiados pela quadrilha. O esquema pressupunha também pagamentos (ou "comissões") a dirigentes das Oscips e propinas a servidores.
O foco principal da quadrilha era a venda superfaturada de ambulâncias a prefeituras. Mas o grupo fazia negócios também na esfera do Ministério de Ciência e Tecnologia, como nos projetos financiados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).

As Oscips
Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) são uma espécie de ONG voltadas para a prestação de serviços públicos. Em tese, não têm fins lucrativos nem poderiam gerar "comissões" para seus dirigentes. Apesar de poder captar recursos da iniciativa privada, a maioria sobrevive de verbas do Estado.
A PF identificou pelo menos sete Oscips usadas pelos donos da Planam para fraudar licitações de bens ou serviços prestados a prefeituras. Entre os casos mais graves estão Ibrae (Instituto Brasileiro de Cultura e Educação), Intedeq (Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento de Qualidade) e Associação Rural Canaã.
De acordo com a PF, em muitos casos, os próprios integrantes da quadrilha quem bolavam os projetos a serem financiados com dinheiro público para beneficiar as empresas do esquema.
Segundo informações levantadas pelo site Contas Abertas (www.contasabertas.com), em 2005 Paulo Baltazar foi autor de emendas para projetos a serem realizados pelo Ibrae no valor de R$ 1,31 milhão. R$ 1,08 milhão foi liberado e já pago pela Finep para um projeto de ônibus para levar conhecimentos de informática à população. Uma empresa ligada à Planam ganhou a concorrência para a entrega de cinco ônibus.
O próprio Ibrae informou que o idealizador dos projetos agraciados com emendas de Baltazar foi Ivo Marcelo Spínola, genro de Darci Vedoin, dono da Planam e apontado pela PF como o chefe da quadrilha. A informação foi dada à Folha pela advogada do Ibrae.

A quadrilha
Segundo a PF, Spínola tinha papel central na relação com as Oscips. Articulou negócios relacionados a programas de inclusão digital com diversas entidades no Estado do Rio. Projetos com o Ibrae e o Intedeq foram citados nas interceptações telefônicas.
Spínola fala abertamente com Vedoin em pagamentos ao diretor do Ibrae Nilton Simões. O próprio Nilton cobrou de Spínola "comissões" referentes a uma série de projetos do Ibrae em que a Planam teria vencido as licitações.
Spínola teria falado sobre pagamentos também com o presidente do Intedeq. Assim como no caso do Ibrae, a Planam venceu uma licitação para o fornecimento de ônibus num projeto do Intedeq de unidades móveis de inclusão digital. O deputado João Mendes destinou emenda, já paga, de R$ 700 mil ao projeto do Intedeq.
Ao que indicam as interceptações, dirigentes das duas Oscips receberam dinheiro da quadrilha. Num dos diálogos, Luiz Antônio Vedoin (filho de Darci) conversa com o empresário Ronildo Pereira Medeiros, que reclama que Nilton o estava pressionando para receber suas "comissões". Ronildo diz que Nilton é um "vagabundo" e que não iria ligar para ele. Luiz Antônio adverte: "Não, mas tem um negócio grande lá, né, meu amigo", referindo-se a emendas ao Ibrae. Luiz Antônio ressalta que se Ronildo não "acertar" o que deve a Nilton, não vai mais conseguir vender ao Ibrae.
A PF captou também uma conversa de Spínola com Edson Albuquerque dos Santos, o presidente do Intedeq. Spínola pergunta se "a documentação" havia sido entregue. Num primeiro momento Edson estranha, mas, quando se dá conta do que se trata, confirma que havia recebido. A PF deduziu que fosse dinheiro.
Numa outra conversa, Spínola fala com Darci sobre um pagamento a uma pessoa chamada Regina, que a PF suspeita ser funcionária da Finep. Segundo as conversas, ela teria agilizado o financiamento dos projetos direcionados ao Ibrae e ao Intedeq. Num diálogo, Regina agradece a Darci pelo recebimento de R$ 500.
Numa conversa, Francisco Machado, assessor de Nilton Capixaba, fala com Luiz Antônio sobre o empenho de R$ 4 milhões. Machado diz que seriam empenhados R$ 300 mil para a Associação Rural Canaã, controlada por Capixaba. Segundo o Contas Abertas, ele direcionou R$ 1 milhão em emendas a projetos agropecuários, área de atuação da Canaã.


Texto Anterior: Juiz relata tentativa de suborno no Supremo
Próximo Texto: Saiba mais: Oscips têm de prestar serviço de interesse público
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.