São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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CANDIDATOS NA FOLHA/ GAROTINHO

Garotinho diz que, se eleito, bancos perdem

Juca Varella/Folha Imagem
Vista do auditório do Teatro Folha durante a sabatina com o presidenciável Anthony Garotinho, do PSB; nem todos os lugares foram preenchidos



Candidato do PSB faz restrições a acordo com FMI, vê orquestração a favor de Serra e boa vontade da mídia com Lula e nega ser populista


DA REPORTAGEM LOCAL

Elegendo o sistema financeiro como um dos maiores alvos de seu discurso, o candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, 42, disse que, caso seja eleito, "quem vai perder são os bancos, porque já ganharam muito. Não tenha a menor dúvida. Vão ser taxados".
O ex-governador do Rio de Janeiro, terceiro presidenciável a participar da série "Candidatos na Folha", ontem à tarde no teatro Folha, fez restrições a pontos do acordo negociado entre o Brasil e o FMI (Fundo Monetário Internacional), sustentou que o modelo do governo Fernando Henrique Cardoso foi "baseado na instabilidade econômica" e atacou diversas vezes a mídia por suposta ação coordenada em favor da candidatura presidencial do tucano José Serra.
O presidenciável do PSB afirmou que a mídia, além de fazer "campanha aberta" para Serra, tem "boa vontade com a candidatura Lula" e faria "uma nítida tentativa de prejudicar a minha candidatura e a do Ciro".
Garotinho foi entrevistado por Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, Clóvis Rossi e Gilberto Dimenstein, colunistas e membros do Conselho Editorial da Folha, e Marcelo Beraba, diretor da Sucursal do Rio do jornal. Da platéia, leitores participaram com perguntas. Diferentemente das entrevistas anteriores, com Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Ciro Gomes, do PPS, que lotaram a sala, havia 75 poltronas vazias, das 312 que compõem a platéia do teatro. O encontro durou duas horas e dez minutos, e Garotinho foi aplaudido em diversos momentos.
A série de sabatinas com os presidenciáveis se encerra hoje, com José Serra. Leia a seguir trechos da entrevista com Garotinho.

O candidato do PSB, Anthony Garotinho, iniciou sua participação criticando a "falta de projeto de desenvolvimento" do governo Fernando Henrique Cardoso. O candidato elencou cinco pontos que considera essenciais em seu projeto para o país.
"O primeiro é a mudança do paradigma do sistema financeiro para o sistema produtivo. Nossa principal medida nessa área é uma reforma tributária que desonere as exportações e o setor produtivo e desloque o eixo da cobrança do imposto para o consumo como se dá na maioria dos países desenvolvidos", declarou.
O candidato afirmou que a falta de um modelo de desenvolvimento levou à concentração de renda e citou o segundo ponto dos cinco que tidos como essenciais.
"É preciso distribuir melhor a riqueza nacional e isso não é simplesmente crescimento. A medida prioritária será a elevação do poder de compra do salário mínimo", reafirmando sua proposta de aumentar o mínimo para R$ 280 em 1º de maio de 2003, se eleito.
O terceiro ponto apontado por ele foi a estabilidade econômica. "É uma palavra muito mais ampla do que somente o controle de preços, que é o que o país tem hoje. Estabilidade econômica pressupõe um país que tenha capacidade de exportação, controle de câmbio, não controle de controlar, mas que o câmbio não fique com essas variações", disse.
O candidato defendeu que haja, além de metas de inflação, metas de crescimento, de exportação e de políticas sociais. "O quarto ponto então é o planejamento estratégico do desenvolvimento."
O último item levantado pelo candidato foi o modo de inserção do país no mundo globalizado. "O Brasil não pode se fechar, porém a sua forma de inserção no mundo globalizado tem que se dar de forma soberana e não dependente da forma como o Brasil está se inserindo hoje."

ACORDO COM O FMI
O jornalista Clóvis Rossi, como mediador do debate, fez a primeira pergunta, citando declaração de Garotinho de que renunciaria se fosse apontado um único país que tivesse feito um acordo bem-sucedido com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Dado o exemplo, Rossi perguntou se o pessebista renunciaria naquele instante.
"Disse que gostaria que me apresentassem um país que tivesse seguido o receituário integral do FMI e tenha sido bem-sucedido. Pelo que conversei com as autoridades coreanas, eles jamais seguiram integralmente o receituário do FMI, pelo contrário. Tanto é que a Coréia hoje é um país que tem 43 milhões de habitantes e consegue exportar US$ 154 bilhões por ano. Enquanto o Brasil, um país de 170 milhões de habitantes, exporta pouco mais de US$ 50 bilhões."
O ex-governador do Rio foi questionado por que definiu o acordo com o Fundo como "espúrio". Disse que levará um documento ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em encontro marcado para segunda-feira, criticando a redução do piso das reservas cambiais brasileiras de US$ 15 bilhões para US$ 5 bilhões, dinheiro que poderia ser usado para controlar a flutuação do câmbio.
"Ora, todo mundo sabe que, para o Brasil fechar as contas neste ano, precisa de US$ 18 bilhões. Se o dinheiro das reservas for gasto nesse patamar, o próximo presidente da República já entra pressionado por uma crise cambial. Então, não terá outra saída a não ser recorrer aos outros recursos que vão estar disponíveis pelo FMI a partir de revisão de metas."

CONTROLE DO CÂMBIO
A editora-executiva Eleonora de Lucena pediu que o candidato explicasse sua afirmação inicial de maior "controle do câmbio". Garotinho negou que a medida pudesse vir a ser tomada pelo fim da livre flutuação da moeda, mas sim por meio de políticas que levem o país a uma "economia sólida", sem instabilidades cambiais. "A economia brasileira tem apresentado graves problemas porque ela foi direcionada a um único setor da economia, o grande beneficiado do governo Fernando Henrique, o setor financeiro", declarou.

BANCOS E O MÍNIMO
Eleonora de Lucena perguntou se o candidato tomaria alguma medida para reduzir o ganho dos bancos. "Não tenha a menor dúvida. Com certeza vão ser taxados. Vão ter que pagar mais imposto. Hoje os bancos brasileiros têm lucros exorbitantes."
O colunista Gilberto Dimenstein inquiriu se a promessa de elevação do salário mínimo em maio, em um momento de crise e com a consequente elevação do déficit público, não seria uma "ilusão" do candidato.
"Absolutamente. Isso faz parte do nosso plano estratégico. Por quê? Quanto o país gastou no ano passado com pagamento de juros e amortização da dívida ao sistema financeiro? R$ 108 bilhões. O aumento do salário mínimo, a incidência dele sobre a Previdência e sobre os ganhos indiretos é de R$ 21 bilhões. Cada pontinho que você desce na taxa de juros, o país economiza R$ 5 bilhões. Então você pode perfeitamente adotar essa medida", declarou.
Dimenstein afirmou que não há recursos para tal. "Há recursos. Reduz a taxa de juros e o lucro do sistema financeiro e você tem recurso. Acontece que isso é uma decisão política. Quando foi feita a abolição da escravidão se dizia que ela não poderia ser feita porque aumentaria o custo da agricultura brasileira. Por essa visão conservadora, o Brasil tem hoje um salário mínimo menor do que o Paraguai. Isso é conversa. Não podemos cair nessa armadilha", rebateu o ex-governador.

TAXA DE JUROS
Garotinho citou que a média das taxas de juros reais de países emergentes é de 3%, menor do que os 10% do Brasil. "É que nós precisamos de mais capital externo do que os outros países emergentes para cobrir o buraco das contas externas", disse Rossi. "Que o capital venha, eles só vão ganhar menos", afirmou Garotinho.
Eleonora perguntou se ele temia uma fuga de dinheiro por causa da redução dos juros. "Não, com certeza. Hoje o capital não está buscando apenas lucro fácil. Está buscando segurança. O que faz aumentar o risco-país e a fuga do capital é a insegurança porque os fundamentos da economia brasileira não são sólidos", disse o ex-governador, recomendando a leitura de jornais estrangeiros. Rossi afirmou que os jornais atribuem parte da insegurança às posições dos candidatos de oposição. "Então faz o seguinte: suspende a eleição e coloca o Serra lá. É o único jeito de [o mercado] continuar tranquilo", ironizou Garotinho.
Dimenstein voltou a pedir ao candidato que explicite sua posição sobre o acordo com o FMI. "O FMI não é lugar bom para ninguém. O FMI é um banco. Você não deve ficar satisfeito, comemorar, quando recorre ao banco. Vai a banco quando está mal, em dificuldades. Havia outra alternativa diante do colapso? Não havia. Havia como negociar melhor esse acordo? Há, porque ainda não foi assinado", disse.

SEGURANÇA PÚBLICA
Dimenstein perguntou se era mais fácil enfrentar a crise de capitais ou a crise de segurança. "A crise de segurança decorre, em grande parte, da fuga de capitais e do modelo econômico equivocado do Brasil. Um modelo perverso de concentração de riqueza."
O diretor da Sucursal da Folha no Rio, Marcelo Beraba, contestou afirmação de Garotinho de que foi eficiente no combate à criminalidade, lembrando que o índice de homicídios no Estado ficou em torno de 40 pessoas a cada 100 mil habitantes, uma taxa alta.
"Qual é o problema hoje da violência no Brasil? 75% dos crimes estão ligados a tráfico de drogas e tráfico de armas. De quem é a responsabilidade constitucional pelo combate a esses crimes? Do governo federal, que é omisso. Não cumpriu seu papel, não guardou as fronteiras brasileiras. Permitiu que entrasse armas e drogas à vontade dentro do país", afirmou.

POPULISMO
Eleonora de Lucena perguntou se Garotinho se considerava populista. "Depende. O que é populismo?", perguntou. "Prometer subir o salário mínimo sem ter recursos, po exemplo", respondeu Dimenstein. "Não sou um político populista. Sou popular. Subir o salário mínimo não é uma medida populista. Subir o salário mínimo é uma necessidade para se combater a explosão no país."
Eleonora perguntou se o ex-governador, que é evangélico da Igreja Presbiteriana do Brasil, usava a religião para se alavancar na política. "Sou uma pessoa religiosa, não vou abrir mão da minha fé. Eu podia ser hipócrita como muitos são", respondeu.
A jornalista lembrou o programa assistencial que Garotinho implantou no Rio, que distribui cheques mensais de R$ 100 a famílias cadastradas em entidades religiosas. "Se eu fosse montar uma estrutura para controlar a emissão e a distribuição dos 65 mil cheques e a seleção das famílias, gastaria mais com isso do que com o programa em si", disse.
Beraba perguntou como o ex-governador lida com a religiosidade no cotidiano. Lembrou que Garotinho já pediu em um culto que os fiéis rezassem para amolecer o coração do ministro da Fazenda, Pedro Malan, durante a negociação da dívida do Estado com a União. Perguntou se já havia mudado uma decisão orando.
"Os leitores da Folha não merecem a sua pergunta", disse o ex-governador. Por que não?, retrucou o jornalista. "Porque nós estamos tratando de um assunto sério. Não tenho vergonha da minha fé. Pior são certos candidatos, como vi agora há pouco tempo, que só comparecem a igreja para pedir voto", declarou. Quem?, perguntou Dimenstein: "Você não viu? Vocês publicaram na Primeira Página a foto do Serra na Assembléia de Deus, ajoelhado com aquele monte de pastor com a mão em cima da cabeça dele", citou Garotinho, causando risos.
Rossi lembrou frase do candidato, que se disse predestinado a chegar à Presidência, como exemplo de mistura de política e fé. A predestinação é um conceito religioso pelo qual os acontecimentos seguem determinação de Deus, estando determinados em quantidade, significado e proporção, conforme a vontade divina.
"Você sabe muito bem que qualquer texto retirado do seu contexto original é um....", titubeou o ex-governador. "Pretexto", completou Clarissa, filha de Garotinho que estava sentada na primeira fila da platéia. "Então isso é pretexto para a discriminação religiosa e eu não admito", concluiu o candidato.

SEGUNDO TURNO
Dimenstein perguntou qual seria o pretexto de frase atribuída a Garotinho, de que apoiaria Lula no segundo turno. "O que eu disse foi que não há por que o PT desconfiar, pois já votei no Lula duas vezes. Eu quero saber se eles vão votar em mim, porque acredito que vou para o segundo turno."

PARCIALIDADE
A leitora Carla Benitez Martins perguntou se a imprensa é tendenciosa na cobertura das eleições. "Total. Todos [os grandes veículos] governistas, todos abraçando a candidatura do senhor José Serra." Rossi protestou contra a generalização da declaração. "Perdoe, mas é a minha opinião. Há uma campanha aberta dos veículos de comunicação em favor da candidatura Serra. Há um cerceamento em torno de duas candidaturas e há uma boa vontade com o Lula impressionante. Há uma nítida tentativa de prejudicar a minha candidatura e a de Ciro."

BELO x MOREIRA SALLES
Garotinho citou como exemplo o comportamento da mídia, quando a polícia do Rio divulgou gravações de telefonemas entre o traficante Marcinho VP e o cineasta e videoprodutor João Moreira Salles, da família que controla o Unibanco. Salles foi acusado de dar dinheiro ao traficante.
O candidato reclamou que a mídia começou atacá-lo por determinar que a polícia o investigasse. "Foi condenado e qual foi a pena dele? Ensinar cinema na favela", disse, contrariado. "E não é uma boa essa pena?", questionou Dimenstein. " Então dê essa pena para todos. Não só para o filho do banqueiro. Qual a diferença dele para o cantor Belo. Por que prenderam o Belo? Por que é cantor de música popular e não é filho do banqueiro que é a quarta fortuna pessoal do país?", perguntou Garotinho.



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