São Paulo, quarta-feira, 16 de agosto de 2006

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Marcos Nobre

As caras dos conservadores

O CONSERVADORISMO tem muitas caras. O cinismo dos bem-postos na vida é só uma dessas caras. Em geral, é máscara que se exige em situações sociais. Nessas situações, o cinismo bem informado lamenta a pobreza brasileira e explica, com a máscara mal colocada da consternação, que, infelizmente, a relação dívida/PIB ainda vai exigir por muitas décadas que tenhamos pobres. E passa ao próximo assunto. Porque, nesses ambientes, não falar da pobreza seria não ter coração. Mas continuar nesse assunto, francamente, não seria de bom-tom. Com suas diversas caras, o conservadorismo brasileiro deixou há já algum tempo os salões e se espalhou pelas páginas dos jornais, das revistas, da internet. O ex-ministro Pedro Malan adota tom triunfalista sobre seus críticos e pontifica que a chamada "questão social" (falando claro: 90 milhões de brasileiros, por baixo) é assunto para ser resolvido em décadas. É autor da profecia que ele mesmo realizou: foi Malan quem aumentou alucinadamente o endividamento público e engessou o orçamento por décadas. O cientista político Leôncio Martins Rodrigues insiste em que não se poderia mesmo esperar muito do governo Lula: sendo pouco sofisticados e não tendo nunca chegado ao governo federal, foram com muita sede ao pote do poder. Falta classe a esse governo. Ou tem "classe" demais, talvez. E o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o secunda nesse preconceito de classe desbragado sempre que lhe convém. Claro e direto foi Olavo Setubal. Tendo servido à ditadura militar sempre que pôde e foi chamado, Setubal diz que tanto faz Lula como Alckmin porque os dois são conservadores. A lição implícita é: o conservadorismo venceu, a política já não tem nenhuma importância, é um espetáculo irrelevante. Difícil mesmo de entender é o que está acontecendo do lado oposto do espectro político. Que não paire qualquer dúvida: as análises de Francisco de Oliveira em nada e nem de longe podem ser aproximadas desse novo conservadorismo. O espanto provocado por sua posição é político: diante dessa vitória esmagadora de uma direita brasileira de nova cara, como é possível defender que, para a esquerda, a política se tornou irrelevante? Porque a autêntica vitória do conservadorismo é sempre essa: tornar a política irrelevante, tornar a própria democracia irrelevante e decorativa. Não se trata de ignorar os estreitos limites impostos pela vitória conservadora atual. Trata-se de agir dentro desses limites para alargá-los, para mostrar que não são naturais, que são limites estabelecidos na e pela luta política. É sim de política que se trata, mesmo que esse debate crucial ainda esteja ausente desta eleição.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap


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