São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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JANIO DE FREITAS

A defesa que acusa


A composição do Senado é capaz de levar a alguma coisa séria, se não a preocupa nem a reputação de cada um?

OS DERROTADOS pelas reses de Renan Calheiros receberam do próprio vencedor o necessário para reverter o resultado: o inocente Renan Calheiros mentiu ao Senado e ao Congresso, na condição de presidente de ambos, e nesse método de defesa caracterizou falta de decoro para o cargo e para o mandato.
A inocentação de Renan Calheiros se deu por não ter o Conselho de Ética comprovado a acusação, ou seja, favorecimentos financeiros antiéticos para quitar obrigações com sua então ou ex-amante. A finalidade restrita da acusação permitiu desconsiderar, no julgamento, o que a ela se seguiu. Mas bastaram olhares ligeiros aos argumentos e documentos apresentados por Renan Calheiros, para a fácil constatação, inclusive por exame preliminar da Polícia Federal, de que nada ali se sustentava e tudo levava a indícios de novas e numerosas ilegalidades.
Só para ilustrar a fartura do material proporcionado por Renan Calheiros para a contestação de seu decoro -e, além dele, da idoneidade-, há recibos tidos como falsos, notas fiscais frias, alegadas transações pecuárias com empresas incomprovadas; supostos negócios com valores desconhecidos nos mercados de gado e de carne, patrimônio estranho em gado e em imóveis; e, para abreviar, um tal empréstimo de R$ 178,1 mil (atenção para o quebrado de R$ 100) tomado não a uma empresa financeira, mas a uma locadora de veículos, em 2005 e sem quitação (locadora, como previsível, sem clareza sobre seus reais donos, mas proporcionando-lhes lucros reais).
Dois problemas se antepõem ao exame do decoro de Renan Calheiros a partir de sua comprometedora defesa. Para começar, é necessária uma representação competente ao Conselho de Ética do Senado, o tipo de ação para a qual, até agora, só o PSOL teve disposição confirmada, mas competência duvidosa. Depois, seria preciso que os integrantes do Conselho de Ética demonstrassem mais disposição de trabalhar, na busca de verificações e comprovações, do que o fizeram no caso anterior. Ou do que é habitual no espírito de clube inglês do Senado.
Aí, portanto, está a dúvida: a atual composição do Senado é capaz de levar a alguma coisa séria, se não a preocupa nem a reputação da Casa ou de cada um? Dúvida assim, senão certeza, trouxe de volta, com origem na intelectualidade paulista, a defesa de extinção do Senado por decrepitude e imoralidade, e adoção do sistema unicameral. De fato, há pouco ou nada a dizer em defesa do Senado que temos visto nas últimas legislaturas, cada vez piores.
Mas o que há a dizer em favor da Câmara com seus renanzados severinos cavalcantis, o presidente tomador de R$ 7.000 de um restaurante; os tantos mensaleiros e caixistas, a inocentação de quase todos, a volta dos não inocentados; Antonio Palocci relatando nada menos do que a CPMF, depois das imoralidades e ilegalidades que o derrubaram da Fazenda? E muito mais.
Só de fora do Senado, da Câmara, do governo e das Forças Armadas poderia e deveria sair alguma coisa capaz de melhorar o que vai degradação abaixo. Até lá, o que talvez signifique até jamais, ocupemo-nos com os renans e suas reses de fora e de dentro do Senado.


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