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JANIO DE FREITAS
A defesa que acusa
A composição do Senado é capaz de levar a alguma coisa séria, se não a preocupa nem a reputação de cada um?
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OS DERROTADOS pelas reses
de Renan Calheiros receberam do próprio vencedor o
necessário para reverter o resultado:
o inocente Renan Calheiros mentiu
ao Senado e ao Congresso, na condição de presidente de ambos, e nesse
método de defesa caracterizou falta
de decoro para o cargo e para o
mandato.
A inocentação de Renan Calheiros
se deu por não ter o Conselho de Ética comprovado a acusação, ou seja,
favorecimentos financeiros antiéticos para quitar obrigações com sua
então ou ex-amante. A finalidade
restrita da acusação permitiu desconsiderar, no julgamento, o que a
ela se seguiu. Mas bastaram olhares
ligeiros aos argumentos e documentos apresentados por Renan Calheiros, para a fácil constatação, inclusive por exame preliminar da Polícia
Federal, de que nada ali se sustentava e tudo levava a indícios de novas e
numerosas ilegalidades.
Só para ilustrar a fartura do material proporcionado por Renan Calheiros para a contestação de seu decoro -e, além dele, da idoneidade-,
há recibos tidos como falsos, notas
fiscais frias, alegadas transações pecuárias com empresas incomprovadas; supostos negócios com valores
desconhecidos nos mercados de gado e de carne, patrimônio estranho
em gado e em imóveis; e, para abreviar, um tal empréstimo de R$ 178,1
mil (atenção para o quebrado de
R$ 100) tomado não a uma empresa
financeira, mas a uma locadora de
veículos, em 2005 e sem quitação
(locadora, como previsível, sem clareza sobre seus reais donos, mas
proporcionando-lhes lucros reais).
Dois problemas se antepõem ao
exame do decoro de Renan Calheiros a partir de sua comprometedora
defesa. Para começar, é necessária
uma representação competente ao
Conselho de Ética do Senado, o tipo
de ação para a qual, até agora, só o
PSOL teve disposição confirmada,
mas competência duvidosa. Depois,
seria preciso que os integrantes do
Conselho de Ética demonstrassem
mais disposição de trabalhar, na
busca de verificações e comprovações, do que o fizeram no caso anterior. Ou do que é habitual no espírito de clube inglês do Senado.
Aí, portanto, está a dúvida: a atual
composição do Senado é capaz de levar a alguma coisa séria, se não a
preocupa nem a reputação da Casa
ou de cada um? Dúvida assim, senão
certeza, trouxe de volta, com origem
na intelectualidade paulista, a defesa de extinção do Senado por decrepitude e imoralidade, e adoção do
sistema unicameral. De fato, há pouco ou nada a dizer em defesa do Senado que temos visto nas últimas legislaturas, cada vez piores.
Mas o que há a dizer em favor da
Câmara com seus renanzados severinos cavalcantis, o presidente tomador de R$ 7.000 de um restaurante; os tantos mensaleiros e caixistas, a inocentação de quase todos,
a volta dos não inocentados; Antonio Palocci relatando nada menos
do que a CPMF, depois das imoralidades e ilegalidades que o derrubaram da Fazenda? E muito mais.
Só de fora do Senado, da Câmara,
do governo e das Forças Armadas
poderia e deveria sair alguma coisa
capaz de melhorar o que vai degradação abaixo. Até lá, o que talvez signifique até jamais, ocupemo-nos
com os renans e suas reses de fora e
de dentro do Senado.
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