São Paulo, Terça-feira, 16 de Novembro de 1999
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CELSO PINTO

O desconto invisível da privatização

Entre 97 e 98, o governo privatizou empresas de energia elétrica e de telecomunicações embolsando US$ 41 bilhões. A rigor, contudo, os compradores não pagarão tudo isso pelas empresas.
Uma parte significativa vai retornar para o bolso dos compradores sob a forma de reduções nos pagamentos de Imposto de Renda. Foi, portanto, apenas uma forma de o governo tomar uma espécie de "adiantamento" dos compradores, para ajudar suas contas fiscais internas e externas, e de inchar o preço de venda divulgado no momento da compra.
Esse lado pouco transparente da privatização só passou a ser discutido quando os compradores de duas empresas, CPFL e Telesp, resolveram transferir esse benefício para as empresas, trocando por mais ações -gerando, com isso, uma polêmica com os acionistas minoritários.
O tamanho da redução no preço da privatização pode ser muito significativo, como mostra o exemplo da Telesp. O benefício é calculado pelo ágio pago na compra em relação ao valor patrimonial da empresa (diferente, portanto, do ágio em relação ao preço mínimo da privatização).
Um relatório do Deustche Bank lembra que o consórcio que comprou a Telesp, liderado pela Telefónica de España, pagou R$ 5,783 bilhões pelo controle. Naquele momento, o valor patrimonial do que foi comprado era de R$ 1,585 bilhão. O ágio, portanto, foi de R$ 4,198 bilhões. Esse ágio pode ser amortizado em cinco anos, como despesa, gerando um benefício fiscal equivalente ao Imposto de Renda a ser pago.
A Telefônica e os sócios controladores, reunidos numa holding (SPT), estão transferindo esse ágio para a futura Telesp (que será formada pela atual holding, Telesp Par, que incorporará a Telesp, que, por sua vez, incorporará a CTBC). Em troca, estão recebendo ações da futura Telesp.
Para calcular por quanto o ágio será absorvido, explica o vice-presidente da Telefônica, Pedro Anton, considera-se que o IR será de 37% até o final do próximo ano, 34% até o final de 2002 e 33% daí por diante. O benefício fiscal ficaria em torno de R$ 1,5 bilhão, portanto bastante significativo em relação ao preço de venda da Telesp.
Para saber por quantas ações esse futuro benefício seria "comprado" pela Telesp, calcula-se seu valor presente. (As aspas se explicam porque a Telesp não terá a opção de recusar a compra do ágio em troca de ações.)
Anton diz que a taxa de desconto para chegar ao valor presente foi conservadora: partiu do juro pago por um bônus da República de cinco anos, mais a diferença entre as inflações brasileira e americana, mais um prêmio de risco Brasil. No final, o valor presente ficará em torno de R$ 1 bilhão.
Hoje, a SPT tem 19,26% do capital total da Telesp. Com as sucessivas incorporações da CTBC pela Telesp e da Telesp pela Telesp Par, essa participação cairia para 14,21% do capital total da Telesp. Ao trocar o ágio por ações, contudo, a SPT aumentará sua fatia para 20,6% do capital total da Telesp. A Telefônica calcula que a nova Telesp terá um valor de mercado de R$ 10 bilhões e será a provável ação líder na Bolsa.
Existem duas discussões relevantes: se é justo transformar ágio em benefício fiscal e se é correto, do ponto de vista dos minoritários, o controlador transferi-lo para a empresa.
O benefício fiscal é legal e um direito adquirido. No entanto, Francisco Petrus, vice-presidente da Associação Brasileira de Analistas de Mercado de Capitais de São Paulo, acha que ele é injusto: o ágio deveria ser o produto social da venda de um ativo público.
Fernando Xavier da Silveira, presidente da Telefônica, argumenta que, pela lei, o ágio é um ativo do controlador e não faz sentido dividi-lo com minoritários. Anton lembra que tanto a taxa de IR quanto a taxa de desconto, bases para o cálculo do valor do ágio, foram feitos de maneira conservadora e por uma assessoria independente. Na operação de incorporação, um dos consultores é o banco Salomon Smith Barney.
Na Telesp, o ágio beneficiará todos os acionistas. A Telefônica criou uma provisão reversível para evitar que o uso do benefício futuro afete o lucro e, portanto, os dividendos. Finalmente, a Telefônica calcula que os lucros futuros deverão ser pelo menos o dobro do benefício fiscal -portanto, eles serão, de fato, usados.
Petrus, contudo, questiona vários pontos. O ágio é um benefício do controlador. Como a SPT não tem lucro, ele é inútil, daí a razão da transferência para a Telesp. A transferência, contudo, é forçada e gera um aumento da participação do controlador à custa da diluição da participação dos outros. Aumentos de capital que implicam diluição deveriam dar aos minoritários a opção de adesão, e não ser compulsórios, diz.
Além disso, se o controlador é quem calcula (ainda que usando um consultor independente) por quanto seu ágio será absorvido, existe um conflito de interesses que seria inaceitável, por exemplo, nos Estados Unidos. Por mais prudente que seja o cálculo, é algo que pode ficar irrealista no futuro, afetando os minoritários. Se fosse vender o ágio no mercado, a Telefônica conseguiria o mesmo valor?, questiona.
A rigor, diz Anton, a Telefônica pode sair perdendo se, por exemplo, o IR futuro ficar em 37% ou subir (o benefício fiscal seria maior e, portanto, valeria mais hoje). Petrus questiona, contudo, o princípio da transferência compulsória.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um sinal positivo a uma operação semelhante da CPFL. A polêmica, contudo, deve continuar, já que existe uma fila de empresas privatizadas que devem seguir o mesmo caminho no futuro.

e-mail: CelPinto@uol.com.br



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