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CELSO PINTO
O desconto invisível da privatização
Entre 97 e 98, o governo privatizou empresas de energia elétrica e
de telecomunicações embolsando
US$ 41 bilhões. A rigor, contudo,
os compradores não pagarão tudo isso pelas empresas.
Uma parte significativa vai retornar para o bolso dos compradores sob a forma de reduções nos
pagamentos de Imposto de Renda. Foi, portanto, apenas uma
forma de o governo tomar uma
espécie de "adiantamento" dos
compradores, para ajudar suas
contas fiscais internas e externas,
e de inchar o preço de venda divulgado no momento da compra.
Esse lado pouco transparente
da privatização só passou a ser
discutido quando os compradores
de duas empresas, CPFL e Telesp,
resolveram transferir esse benefício para as empresas, trocando
por mais ações -gerando, com
isso, uma polêmica com os acionistas minoritários.
O tamanho da redução no preço da privatização pode ser muito
significativo, como mostra o
exemplo da Telesp. O benefício é
calculado pelo ágio pago na compra em relação ao valor patrimonial da empresa (diferente, portanto, do ágio em relação ao preço mínimo da privatização).
Um relatório do Deustche Bank
lembra que o consórcio que comprou a Telesp, liderado pela Telefónica de España, pagou R$ 5,783
bilhões pelo controle. Naquele
momento, o valor patrimonial do
que foi comprado era de R$ 1,585
bilhão. O ágio, portanto, foi de R$
4,198 bilhões. Esse ágio pode ser
amortizado em cinco anos, como
despesa, gerando um benefício
fiscal equivalente ao Imposto de
Renda a ser pago.
A Telefônica e os sócios controladores, reunidos numa holding
(SPT), estão transferindo esse
ágio para a futura Telesp (que será formada pela atual holding,
Telesp Par, que incorporará a Telesp, que, por sua vez, incorporará
a CTBC). Em troca, estão recebendo ações da futura Telesp.
Para calcular por quanto o ágio
será absorvido, explica o vice-presidente da Telefônica, Pedro Anton, considera-se que o IR será de
37% até o final do próximo ano,
34% até o final de 2002 e 33% daí
por diante. O benefício fiscal ficaria em torno de R$ 1,5 bilhão, portanto bastante significativo em
relação ao preço de venda da Telesp.
Para saber por quantas ações
esse futuro benefício seria "comprado" pela Telesp, calcula-se seu
valor presente. (As aspas se explicam porque a Telesp não terá a
opção de recusar a compra do
ágio em troca de ações.)
Anton diz que a taxa de desconto para chegar ao valor presente
foi conservadora: partiu do juro
pago por um bônus da República
de cinco anos, mais a diferença
entre as inflações brasileira e
americana, mais um prêmio de
risco Brasil. No final, o valor presente ficará em torno de R$ 1 bilhão.
Hoje, a SPT tem 19,26% do capital total da Telesp. Com as sucessivas incorporações da CTBC
pela Telesp e da Telesp pela Telesp
Par, essa participação cairia para
14,21% do capital total da Telesp.
Ao trocar o ágio por ações, contudo, a SPT aumentará sua fatia
para 20,6% do capital total da Telesp. A Telefônica calcula que a
nova Telesp terá um valor de
mercado de R$ 10 bilhões e será a
provável ação líder na Bolsa.
Existem duas discussões relevantes: se é justo transformar ágio
em benefício fiscal e se é correto,
do ponto de vista dos minoritários, o controlador transferi-lo para a empresa.
O benefício fiscal é legal e um
direito adquirido. No entanto,
Francisco Petrus, vice-presidente
da Associação Brasileira de Analistas de Mercado de Capitais de
São Paulo, acha que ele é injusto:
o ágio deveria ser o produto social
da venda de um ativo público.
Fernando Xavier da Silveira,
presidente da Telefônica, argumenta que, pela lei, o ágio é um
ativo do controlador e não faz
sentido dividi-lo com minoritários. Anton lembra que tanto a
taxa de IR quanto a taxa de desconto, bases para o cálculo do valor do ágio, foram feitos de maneira conservadora e por uma assessoria independente. Na operação de incorporação, um dos consultores é o banco Salomon Smith
Barney.
Na Telesp, o ágio beneficiará todos os acionistas. A Telefônica
criou uma provisão reversível para evitar que o uso do benefício
futuro afete o lucro e, portanto, os
dividendos. Finalmente, a Telefônica calcula que os lucros futuros
deverão ser pelo menos o dobro
do benefício fiscal -portanto,
eles serão, de fato, usados.
Petrus, contudo, questiona vários pontos. O ágio é um benefício
do controlador. Como a SPT não
tem lucro, ele é inútil, daí a razão
da transferência para a Telesp. A
transferência, contudo, é forçada
e gera um aumento da participação do controlador à custa da diluição da participação dos outros.
Aumentos de capital que implicam diluição deveriam dar aos
minoritários a opção de adesão, e
não ser compulsórios, diz.
Além disso, se o controlador é
quem calcula (ainda que usando
um consultor independente) por
quanto seu ágio será absorvido,
existe um conflito de interesses
que seria inaceitável, por exemplo, nos Estados Unidos. Por mais
prudente que seja o cálculo, é algo
que pode ficar irrealista no futuro, afetando os minoritários. Se
fosse vender o ágio no mercado, a
Telefônica conseguiria o mesmo
valor?, questiona.
A rigor, diz Anton, a Telefônica
pode sair perdendo se, por exemplo, o IR futuro ficar em 37% ou
subir (o benefício fiscal seria
maior e, portanto, valeria mais
hoje). Petrus questiona, contudo,
o princípio da transferência compulsória.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um sinal positivo a uma operação semelhante
da CPFL. A polêmica, contudo,
deve continuar, já que existe uma
fila de empresas privatizadas que
devem seguir o mesmo caminho
no futuro.
e-mail: CelPinto@uol.com.br
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