São Paulo, segunda, 16 de novembro de 1998

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MASSACRE NO PARÁ
Presidente da Câmara solicitará ao Ministério da Justiça proteção para jornalista ameaçada de morte
Temer pedirá proteção para testemunha

MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), pedirá nesta semana ao Ministério da Justiça proteção para que a jornalista Marisa Romão possa depor como testemunha no julgamento do massacre de Eldorado do Carajás (PA).
A interferência de Temer foi solicitada pelos deputados Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e Paulo Rocha (PT-PA).
Em dezembro de 1997, Romão foi embora de Marabá (PA), local onde está prevista a realização do julgamento, depois de registrar na Polícia Civil ameaças de morte recebidas por telefone. Nos últimos dias na cidade, teve proteção da Polícia Federal.
Marisa Romão é uma das poucas testemunhas do confronto entre policiais militares e trabalhadores rurais que não pertence a nenhuma das duas partes.
O incidente ocorreu em 17 de abril de 1996, quando 19 sem-terra foram mortos numa operação da Polícia Militar para desobstruir a rodovia PA-150, na altura de Eldorado do Carajás (PA), 754 km a sudoeste da capital, Belém.
A jornalista estava no local cobrindo manifestação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para a TV Liberal, afiliada da TV Globo no Pará.
Em março de 98, pediu garantia de vida à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. De dezembro de 97 a março deste ano, morou na casa do governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT).
O julgamento não tem data marcada. O juiz responsável pelo caso, Otávio Marcelino Maciel, vai esperar que o Superior Tribunal de Justiça se pronuncie sobre pedido do Ministério Público para transferir o julgamento de Marabá (a 100 km de Eldorado) para Belém.
Serão julgados PMs (acusados de homicídio duplamente qualificado) e sem-terra (lesões corporais).
"Eu não tenho posição nenhuma a favor ou contra qualquer lado da história", disse ela à Folha. "Como jornalista, tenho a obrigação ética de ser imparcial. Mantive a imparcialidade em todos os depoimentos." Ela comandava a equipe da TV Liberal que gravou imagens do massacre exibidas em todo o mundo. Seu testemunho, em tese, pode ajudar e prejudicar tanto os PMs como os sem-terra.
A jornalista conta que, antes do início do tiroteio, ouviu um conselho do major José Maria Pereira de Oliveira, que comandou o batalhão de Parauapebas (PA) -o coronel Mário Colares Pantoja, do batalhão de Marabá, dirigiu a operação. "Oliveira me disse: "Só te dou um conselho. Sai daqui que eu não te dou garantia de vida"', teria dito o oficial, segundo relato dela.
Oliveira negou ter feito essa afirmação. Se verdadeira, ela indicaria que as mortes foram consequência de um confronto planejado.
Por outro lado, a jornalista disse que não viu nenhum sem-terra morto antes de os manifestantes partirem em direção a policiais, jogando paus e pedras.
Os PMs disseram ter atirado para se defender. Os sem-terra dizem que agrediram para buscar o corpo do agricultor Amâncio dos Santos Rodrigues, que teria sido atingido.
Ao abandonar Marabá, onde viveu 15 anos, a mineira Marisa Romão deixou o emprego de jornalista e uma casa de chá, da qual era sócia. "A pessoa que fazia as ameaças falava em colegas de farda", contou a testemunha.
Dias depois, a casa de chá foi assaltada por cinco homens. Logo viria a fechar. "A voz anônima ao telefone era masculina", conta a jornalista. "Dizia: "Se você denunciar, você está ferrada. Eles acham que você falou demais'."
Mesmo com proteção, Marisa Romão não sabe se irá ao julgamento, seja em Belém ou Marabá.
"Já perdi muito, estou tentando refazer a minha vida, fora do que eu mais gosto de fazer, que é jornalismo." Com medo, parentes têm pedido que ela não compareça ao tribunal. Na cidade onde vive, Romão, temerosa, evita sair à noite.
"Estou há um ano exilada no meu próprio país, tudo é muito difícil. Não há lei de proteção a testemunhas, nem orçamento para dar a elas condições de vida."
A Folha, embora saiba, decide não publicar em que lugar Romão hoje mora e onde trabalha. Segundo o "Novo Manual da Redação", "em regra, a Folha publica tudo o que sabe. Mas pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em risco a segurança pública, de pessoa ou de empresa".
Em Marabá, o coronel Faustino Neto, comandante do 4º Batalhão da PM, disse que a corporação pode garantir a segurança do julgamento, inclusive das testemunhas.
Alegando medo de perseguição de fazendeiros, militantes do MST da região usam codinomes, como "Miguel", agricultor que presenciou o massacre de Eldorado, vai depor no julgamento, mas não disse seu nome verdadeiro à Folha.



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