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ELIO GASPARI
O apagão das empreiteiras
O descaso com os familiares dos mortos não teve nada a ver com a chuva. Sem informação, eles viam as viaturas do IML
DEPOIS DO apagão das companhias aéreas, veio o apagão
das empreiteiras. As cinco
maiores construtoras de obras públicas do país desmoronaram às
margens do rio Pinheiros, em São
Paulo. Como no caso dos aeroportos, desmoronou a capacidade das
empresas de falar sério e de manter
uma relação respeitosa com a população.
O consórcio da obra do metrô paulista é formado por cinco empresas
de engenharia que juntas faturam
anualmente US$ 3,5 bilhões. São
gente grande: Odebrecht, Queiroz
Galvão, Camargo Corrêa, Andrade
Gutierrez e OAS. Demoraram um
dia inteiro para falar do desastre e,
quando o fizeram, passaram a responsabilidade às chuvas do Padre
Eterno.
Ofendendo a inteligência alheia,
disseram também o seguinte:
"O Consórcio Via Amarela lembra
que, apesar da qualidade do projeto
e dos cuidados na execução da obra,
trata-se de atividade classificada no
grau de risco 4, o mais alto na escala
de risco do Ministério do Trabalho".
Só um dos mortos no desmoronamento tinha relações trabalhistas
com as empreiteiras. Os demais
eram transeuntes que, de acordo
com qualquer escala de perigo, deveriam correr risco zero ao andar
numa rua da cidade. Se um diretor
da Odebrecht (líder do consórcio)
estivesse a caminho do psiquiatra na
rua Capri e terminasse seus dias na
cratera da Via Amarela, ele não estaria numa área de grau 4. Assim como
não estava a aposentada Abigail
Rossi de Azevedo, que ia ao médico.
O tom pedagógico da nota é impertinente. Poderia ser refraseado
assim: "O Consórcio Via Amarela
deveria ter lembrado que sua obra
colocara no nível 4 de risco as pessoas que passavam por perto". Eram
cidadãos que não faziam a menor
idéia do perigo que corriam. Se fizessem, tomariam outro caminho.
A primeira informação de que havia uma van no escombros surgiu
três horas depois do desabamento. A
cooperativa de transportes que perdera o rastro do seu veículo informou que um sinal de rádio localizava-o naquela cratera, a 28 metros de
profundidade. Durante cerca de seis
horas, tanto o consórcio como os poderes do Estado e do município fizeram acrobacias para soterrar o tamanho do desastre, como se tivessem poderes para isso. Preferiam
discutir o cumprimento do prazo da
obra. Do lado do consórcio, nenhum
grão-empreiteiro, daqueles que jantam no Alvorada e almoçam no
BNDES, botou o rosto na vitrine.
É possível que nada houvesse a fazer para salvar as vítimas. Apesar
disso, muito poderia ter sido feito
para amparar suas famílias. Esse
descaso não teve nada a ver com a
chuva ou com a geologia.
Durante todo o fim de semana, a
principal assistência a essas pessoas
veio da cooperativa cuja van estava
perdida. Ela mandou para o local um
microônibus, refeições e 20 funcionários. Havia parentes desesperados e é natural que, nessa situação,
as pessoas se descontrolem. Não é
natural que sejam tratados como
descontrolados.
Dormiram num estacionamento
próximo e em colchonetes colocados na calçada. Usaram os banheiros
dos bares da vizinhança. Vagavam
sem informações, mas viam a circulação de viaturas do Instituto Médico Legal. Na segunda-feira os empreiteiros voltaram a se pronunciar,
informando que montaram um
acampamento e colocaram uma
equipe de assistentes sociais para
assistir as famílias dos mortos. Fizeram pouco, tarde.
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