São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 1999

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JANIO DE FREITAS
Quem são eles

Nas mãos deles, 169 milhões de vidas, o destino de um país gigante e uma crise brutal, com risco até de congestões capazes de ferimentos profundos no regime constitucional e na tranquilidade relativa dos brasileiros.
Tudo foi dado a eles: o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do Congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição. E eles quebraram o país.
Quem são eles? Um presidente abúlico, alheio a todas as realidades desprovidas de pompas e reverências e que só reconhece um ser humano, por acaso ele próprio; avesso a administrar, por desconhecimento agravado pela indecisão, e que se ocupa tanto de bater papo quanto não se ocupa de trabalhar.
Como complemento, um ministério apenas pró-forma, desautorizado pela evidência de que não foi montado para ser competente, mas por negócio político. E, nele, uma equipe econômica dividida entre os inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audácia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes.
Em 36 horas, entre quarta e sexta-feira, o presidente e seus orientadores econômicos submeteram o Brasil a três sistemas cambiais. O dos últimos anos; o da repentina desvalorização do real, na quarta- feira; e o recomendado na noite de quinta pelo governo americano e o FMI (como relatou "The New York Times"), liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real. Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez.
Não é necessário, portanto, considerar o que eles fizeram em quatro anos para saber do que são capazes contra a crise perigosa. Bastam as 36 horas de obtusidade e de leviandade, com o presidente insistindo duas vezes em sair de férias a meio do turbilhão que angustiava o país.
Não se trata agora, porém, da mesma angústia causada pelas crises anteriores. Há mais do que perplexidade, mais do que temor do futuro. É um cansaço raivoso que se pode perceber por toda parte. Tão bem simbolizado na impetuosidade dos operários da Ford, a ponto de invadirem uma fábrica, não para fazer greve, mas para exigir trabalho. Ou expresso nas manifestações que em Minas adotaram, sugestivamente, o slogan de Nova Inconfidência Mineira.
As crises anteriores não recaíram sobre a multidão de desempregados que há hoje. Não atingiram segmentos enormes há quatro anos sem reajuste nos salários diminuídos em 40%. Não vieram ameaçar ainda mais os milhões já indignados com a perda de velhos direitos e na iminência de novas perdas que alcancem também os idosos e inválidos. As crises anteriores não encontraram a violência incorporada aos hábitos da vida urbana, como está hoje, capaz de tudo por nada.
Os economistas respeitáveis previnem para as consequências imediatas das alterações, ou da maneira como foram feitas, na política econômico-financeira. Juros altos, desemprego, certa inflação, aumento do custo de vida, mais arrocho. Mas a intensidade desses efeitos ninguém pode prever. Esse é o problema maior.
O Brasil não podia estar em mãos mais comprovadamente incompetentes e irresponsáveis, e logo em circunstâncias tão complexas e perigosas.



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