São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 1999

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HISTÓRIAS DA CRISE
Em outubro, técnicos traçaram para o candidato Itamar Franco quadro sombrio das finanças de MG
Idéia de moratória surgiu na campanha


PATRÍCIA ANDRADE
enviada especial a Belo Horizonte

A moratória decretada pelo governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), no dia 6 de janeiro, foi uma idéia que começou a tomar forma ainda durante a campanha eleitoral e até influenciou na formação do secretariado do ex-presidente.
Em outubro, antes do segundo turno, técnicos encarregados de levantar dados sobre a situação financeira do Estado traçaram para Itamar um quadro sombrio das contas estaduais e apontaram como uma das saídas a suspensão do pagamento da dívida por 90 dias, período em que o governo de Minas tentaria uma renegociação com a União.
Na hora de escolher seu secretário da Fazenda, Itamar levou em conta a capacidade que o auxiliar teria de bancar medidas duras, entre elas, a própria moratória. O primeiro nome cotado para assumir a Fazenda era o do técnico José Augusto Trópia Reis, que acabou indo para a Presidência do BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais).
Mas, segundo políticos próximos ao governador, Itamar mudou de idéia e nomeou Alexandre Dupeyrat, que tinha sido seu ministro da Justiça, por achar que Trópia não abraçaria as propostas elaboradas pelos técnicos que incluíam, além da suspensão do pagamento da dívida, a revisão da política de incentivos fiscais às empresas.

Gota D'água
A gota d'água para a decretação da moratória só ocorreu, porém, nos primeiros dias de janeiro. No dia 4, o secretário da Fazenda do Estado, Alexandre Dupeyrat, ligou para o ministro Pedro Malan para pedir uma audiência. Não obteve retorno.
A resposta veio 48 horas depois com a nota oficial do ministério condenando a ameaça feita por Itamar de suspender o pagamento da dívida. Estava aberto o confronto entre o governador mineiro e o presidente Fernando Henrique Cardoso. Itamar partiu para o ataque, decretou moratória e foi o estopim da maior crise do Real.
Na semana passada, quando era apontado como um dos responsáveis pela bancarrota da moeda, o ex-presidente agia com uma surpreendente tranquilidade. Na "República do Pão de Queijo", grupo de amigos que acompanham Itamar desde o início de sua carreira, comentava-se que o governador havia colhido uma vitória política.

Gargalhada
Na tarde da quinta-feira 14, o prefeito de Betim, Jésus Lima (PT), teve uma audiência com Itamar e brincou com ele: "Na reunião da oposição em Brasília, na terça-feira, o senhor foi super elogiado. Mais parecia um rei". Homem de sorriso comedido, Itamar não escondeu a satisfação: deu uma gargalhada.
Aos 68 anos, o governador de Minas é considerado por seus adversários um político ranzinza. Tornou-se famosa uma frase de Tancredo Neves sobre ele: "Itamar guarda os rancores na geladeira".
Para os aliados do ex-presidente, ele apenas tem "memória" e "personalidade". "Como todo homem público, ele tem seu cemitério particular", diz o ex-embaixador do Brasil em Portugal e um dos amigos mais próximos de Itamar, José Aparecido.
No episódio da moratória, segundo avaliação de vários amigos do ex-presidente, Itamar agiu, sobretudo, por motivação política. Entre outras coisas, queria mostrar a FHC que não se submetia à sua política econômica e que o aliado de Fernando Henrique, o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, tinha deixado o Estado em uma situação complicada.
Com a queda do presidente do Banco Central, Gustavo Franco, e as mudanças na economia, Itamar sentiu sim um gostinho de vingança na boca, segundo alguns de seus interlocutores. "O Brasil já estava falido e o Itamar só colocou o dedo na ferida. Politicamente, ele ganhou com essa mudança no câmbio", disse o deputado Israel Pinheiro Filho (PTB-MG).
Entre os integrantes da "República do Pão de Queijo", até circulava uma piadinha sobre a crise do Real: "Quem está mandando neste país é o Itamar, que derrubou até o Gustavo Franco".
Para o ex-presidente, o troco está dado. Ele não esquece as cenas da convenção do PMDB, realizada em março do ano passado, que virou uma praça de guerra entre os governistas do partido, que apoiavam a reeleição de FHC, e os partidários da candidatura própria, que queriam Itamar candidato à Presidência.

Rancor
Até hoje, o ex-presidente guarda uma foto dos líderes governistas do PMDB com Fernando Henrique, que saiu nos principais jornais do país dois dias depois da convenção. De vez em quando, ele olha para a fotografia e xinga todos os personagens da cena.
Além do carimbo de rancoroso, o ex-presidente recebeu o rótulo de impetuoso. Na campanha de 1986, quando se candidatou ao governo de Minas pelo PL, durante visita à cidade de Governador Valadares, Itamar deixou seus correligionários boquiabertos. Ao chegar à cidade, foi recebido pelo então prefeito Ronaldo Perim. Perim o avisou que, como o comício iria demorar, antes Itamar daria uma entrevista coletiva e depois participaria da inauguração de uma escola. "Eu sou candidato ao governo de Minas. Vim aqui para fazer comício. Não para dar entrevistas e inaugurar escolas", disse ele, que virou as costas e foi embora.
Outra marca do ex-presidente é a indecisão. Os amigos dizem que, na verdade, ele toma suas decisões, mas espera o momento ideal para revelá-las. Em 85, dois dias antes da realização do Colégio Eleitoral, que escolheria o presidente da República entre Tancredo Neves e Paulo Maluf, Itamar, então senador, era um dos únicos parlamentares que se revelavam indecisos. Tancredo foi a Belo Horizonte e ofereceu um jantar a Itamar, um dia antes da eleição indireta.
Desde o início de sua carreira política nos anos 60, o governador mantém hábitos. Ouve o que as pessoas comuns estão pensando, tem um seleto grupo de conselheiros e detesta formalidades.

Gafe
Quando era presidente da República e FHC, ministro das Relações Exteriores, Itamar não se incomodava de sair no meio dos encontros diplomáticos. Certa vez, recusou-se a participar de um jantar em Buenos Aires que reunia os principais chefes latino-americanos.
FHC tentou convencê-lo a ir ao evento. Itamar topou, mas disse que sairia depois da sobremesa. Era um jantar sofisticadíssimo, de seis talheres. Serviram a salada e depois um sorbet (sorvete sem leite servido entre a entrada e o prato principal). Achando que aquilo era a sobremesa, Itamar levantou-se e foi embora.
Tonificado pela moratória que o aproximou da oposição, Itamar Franco está de volta à cena política brasileira com seu característico topete. E é candidatíssimo à Presidência da República em 2002.



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