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HISTÓRIAS DA CRISE
Em outubro, técnicos traçaram para o candidato Itamar Franco quadro sombrio das finanças de MG
Idéia de moratória surgiu na campanha
PATRÍCIA ANDRADE
enviada especial a Belo Horizonte
A moratória decretada pelo governador de Minas, Itamar Franco
(PMDB), no dia 6 de janeiro, foi
uma idéia que começou a tomar
forma ainda durante a campanha
eleitoral e até influenciou na formação do secretariado do ex-presidente.
Em outubro, antes do segundo
turno, técnicos encarregados de levantar dados sobre a situação financeira do Estado traçaram para
Itamar um quadro sombrio das
contas estaduais e apontaram como uma das saídas a suspensão do
pagamento da dívida por 90 dias,
período em que o governo de Minas tentaria uma renegociação
com a União.
Na hora de escolher seu secretário da Fazenda, Itamar levou em
conta a capacidade que o auxiliar
teria de bancar medidas duras, entre elas, a própria moratória. O primeiro nome cotado para assumir a
Fazenda era o do técnico José Augusto Trópia Reis, que acabou indo para a Presidência do BDMG
(Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais).
Mas, segundo políticos próximos
ao governador, Itamar mudou de
idéia e nomeou Alexandre Dupeyrat, que tinha sido seu ministro da
Justiça, por achar que Trópia não
abraçaria as propostas elaboradas
pelos técnicos que incluíam, além
da suspensão do pagamento da dívida, a revisão da política de incentivos fiscais às empresas.
Gota D'água
A gota d'água para a decretação
da moratória só ocorreu, porém,
nos primeiros dias de janeiro. No
dia 4, o secretário da Fazenda do
Estado, Alexandre Dupeyrat, ligou
para o ministro Pedro Malan para
pedir uma audiência. Não obteve
retorno.
A resposta veio 48 horas depois
com a nota oficial do ministério
condenando a ameaça feita por
Itamar de suspender o pagamento
da dívida. Estava aberto o confronto entre o governador mineiro e o
presidente Fernando Henrique
Cardoso. Itamar partiu para o ataque, decretou moratória e foi o estopim da maior crise do Real.
Na semana passada, quando era
apontado como um dos responsáveis pela bancarrota da moeda, o
ex-presidente agia com uma surpreendente tranquilidade. Na "República do Pão de Queijo", grupo
de amigos que acompanham Itamar desde o início de sua carreira,
comentava-se que o governador
havia colhido uma vitória política.
Gargalhada
Na tarde da quinta-feira 14, o
prefeito de Betim, Jésus Lima (PT),
teve uma audiência com Itamar e
brincou com ele: "Na reunião da
oposição em Brasília, na terça-feira, o senhor foi super elogiado.
Mais parecia um rei". Homem de
sorriso comedido, Itamar não escondeu a satisfação: deu uma gargalhada.
Aos 68 anos, o governador de
Minas é considerado por seus adversários um político ranzinza.
Tornou-se famosa uma frase de
Tancredo Neves sobre ele: "Itamar
guarda os rancores na geladeira".
Para os aliados do ex-presidente,
ele apenas tem "memória" e "personalidade". "Como todo homem
público, ele tem seu cemitério particular", diz o ex-embaixador do
Brasil em Portugal e um dos amigos mais próximos de Itamar, José
Aparecido.
No episódio da moratória, segundo avaliação de vários amigos
do ex-presidente, Itamar agiu, sobretudo, por motivação política.
Entre outras coisas, queria mostrar a FHC que não se submetia à
sua política econômica e que o
aliado de Fernando Henrique, o
ex-governador de Minas Eduardo
Azeredo, tinha deixado o Estado
em uma situação complicada.
Com a queda do presidente do
Banco Central, Gustavo Franco, e
as mudanças na economia, Itamar
sentiu sim um gostinho de vingança na boca, segundo alguns de seus
interlocutores. "O Brasil já estava
falido e o Itamar só colocou o dedo
na ferida. Politicamente, ele ganhou com essa mudança no câmbio", disse o deputado Israel Pinheiro Filho (PTB-MG).
Entre os integrantes da "República do Pão de Queijo", até circulava uma piadinha sobre a crise do
Real: "Quem está mandando neste
país é o Itamar, que derrubou até o
Gustavo Franco".
Para o ex-presidente, o troco está
dado. Ele não esquece as cenas da
convenção do PMDB, realizada em
março do ano passado, que virou
uma praça de guerra entre os governistas do partido, que apoiavam a reeleição de FHC, e os partidários da candidatura própria, que
queriam Itamar candidato à Presidência.
Rancor
Até hoje, o ex-presidente guarda
uma foto dos líderes governistas
do PMDB com Fernando Henrique, que saiu nos principais jornais do país dois dias depois da
convenção. De vez em quando, ele
olha para a fotografia e xinga todos
os personagens da cena.
Além do carimbo de rancoroso,
o ex-presidente recebeu o rótulo
de impetuoso. Na campanha de
1986, quando se candidatou ao governo de Minas pelo PL, durante
visita à cidade de Governador Valadares, Itamar deixou seus correligionários boquiabertos. Ao chegar à cidade, foi recebido pelo então prefeito Ronaldo Perim. Perim
o avisou que, como o comício iria
demorar, antes Itamar daria uma
entrevista coletiva e depois participaria da inauguração de uma escola. "Eu sou candidato ao governo
de Minas. Vim aqui para fazer comício. Não para dar entrevistas e
inaugurar escolas", disse ele, que
virou as costas e foi embora.
Outra marca do ex-presidente é a
indecisão. Os amigos dizem que,
na verdade, ele toma suas decisões,
mas espera o momento ideal para
revelá-las. Em 85, dois dias antes
da realização do Colégio Eleitoral,
que escolheria o presidente da República entre Tancredo Neves e
Paulo Maluf, Itamar, então senador, era um dos únicos parlamentares que se revelavam indecisos.
Tancredo foi a Belo Horizonte e
ofereceu um jantar a Itamar, um
dia antes da eleição indireta.
Desde o início de sua carreira política nos anos 60, o governador
mantém hábitos. Ouve o que as
pessoas comuns estão pensando,
tem um seleto grupo de conselheiros e detesta formalidades.
Gafe
Quando era presidente da República e FHC, ministro das Relações
Exteriores, Itamar não se incomodava de sair no meio dos encontros
diplomáticos. Certa vez, recusou-se a participar de um jantar em
Buenos Aires que reunia os principais chefes latino-americanos.
FHC tentou convencê-lo a ir ao
evento. Itamar topou, mas disse
que sairia depois da sobremesa.
Era um jantar sofisticadíssimo, de
seis talheres. Serviram a salada e
depois um sorbet (sorvete sem leite servido entre a entrada e o prato
principal). Achando que aquilo era
a sobremesa, Itamar levantou-se e
foi embora.
Tonificado pela moratória que o
aproximou da oposição, Itamar
Franco está de volta à cena política
brasileira com seu característico
topete. E é candidatíssimo à Presidência da República em 2002.
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