São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Fontes de violência

A mais recente comprovação estatística da correlação entre pobreza e violência urbana -onde cai ou sobe uma, cai ou sobe a outra- vai além, embora talvez inutilmente, de encontrar também na cidade de São Paulo o que já se demonstrara por estudos semelhantes em Nova York, Los Angeles, Londres. A pesquisa, orientada na prefeitura paulistana por Márcio Pochmann, propõe uma reflexão que vai à essência mesma do problema brasileiro da criminalidade e, sobretudo, do problema em São Paulo.
A progressão da violência que atordoa os paulistas ocorre em uma sociedade cujas forças influentes são refratárias a investimentos sociais e encabeçam, no país, o movimento em tal sentido. No caso da capital, a expansão da violência ocorre na cidade que hoje já deve ser, no mundo, a de mais acentuado e mais volumoso contraste entre os níveis de riqueza e de pobreza da população. As favelas na orla da capital, onde ainda se vêem as palafitas sobre lodo que nem no Nordeste triste existem mais, emolduram a cidade que detém a maior massa de riqueza privada em toda a América Latina.
As áreas em que o empobrecimento diminuiu ou cresceu tornaram-se, simetricamente, fontes de menor ou maior proporção da violência que transborda para o restante da cidade. E então, pode-se esperar que a indiferença diante das misérias alheias e a recusa histórica ao investimento social verdadeiro cedam, enfim, ainda que só por interesse próprio?
Os raros governantes que pensam em dar prioridade a investimentos sociais passam, no Brasil, por situações impiedosas. Luiza Erundina sofreu campanha sem interrupção e até, em várias ocasiões, sem escrúpulo, pela disposição de atentar sobretudo para áreas desassistidas e não, como é da tradição administrativa, para as áreas de moradia ou trânsito da classe média para cima. Roberto Saturnino na Prefeitura do Rio e Leonel Brizola, no seu primeiro governo fluminense, viveram experiências semelhantes, embora em menor grau, à de Luiza Erundina.
Mal completado um ano de sua administração, duas enchentes em São Paulo bastaram para encerrar o prazo de carência concedido a Marta Suplicy. Já saiu ela com apressadas explicações, provável ponto de partida da série que conduz, em tantas administrações, as boas intenções iniciais aos fins mais lamentáveis. Entre eles, a crescente degradação que se transforma em fonte de violência. A pressão sobre os governantes, para não fugirem à tradição de destinar o dinheiro público a privilegiar os já privilegiados, é maior do que os propósitos e a determinação da maioria dos que têm percepção dos problemas sociais e seus múltiplos sentidos.

Sem genérico
Ah, que carnificina política, com os punhais da mídia, se Roseana Sarney ou Luiz Inácio Lula tivesse alguma dose de responsabilidade pelas centenas de milhares de casos de dengue, pelo Brasil afora e, horror dos horrores, já matando até em São Paulo.
Sob seus excelentes resguardos, José Serra deveria oferecer melhor explicação, para o surto alarmante da doença, do que "nós repassamos as verbas para os Estados combaterem a dengue". Se mero repassador de verbas, o cargo de ministro da Saúde deveria estar, cumulativamente, com o diretor do Tesouro Nacional. O que José Serra fez no surto de dengue em 98, com o bom resultado que se mostrou no verão de 99, não fez mais em 99, 2000 e 2001. Em 2002 o que há é o aumento lógico, nos últimos verões, do número de casos em consequência da menor ou nenhuma prevenção, pela qual é responsável o Ministério da Saúde, com sua Fundação Nacional de Saúde. Serra pode colher os seus frutos genéricos, mas não há genérico contra a dengue.



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