São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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NOVA DIREÇÃO

Presidente da Câmara critica nova alta dos juros e pede que Palocci pare de "castigar a população", os "miseráveis"

BC precisa de um cabresto, afirma Severino

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Em sua primeira entrevista exclusiva depois de eleito presidente da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), 74, disse que o Banco Central precisa de "um cabresto", criticou a nova alta dos juros em 0,5% e ainda clamou para que Antonio Palocci (Fazenda) "pare de castigar a população, principalmente os miseráveis".
Previu reforma ministerial ampla, criticando a equipe de Lula. Disse que Aldo Rebelo (Coordenação Política) é "o melhorzinho, mas nunca resolve nada" e que, para falar com José Dirceu (Casa Civil), "só com um exército".
Ontem, a assessoria de Severino informou que ele foi chamado por Dirceu às 22h (teve que interromper a entrevista) para uma conversa. Assessores não souberam dizer, mas ontem mesmo ele pode ter se encontrado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
 

Folha - Qual sua opinião sobre o aumento de juros justamente hoje, primeiro dia de sua gestão?
Severino Cavalcanti -
O ministro Palocci não deveria castigar mais a população, principalmente os miseráveis. Ele não pensa que isso vai refletir exatamente sobre os assalariados? Que essa taxa de juros é contraproducente? Que prejudica a produção?

Folha - Essa decisão não é exclusiva do Palocci, mas de um governo cujo presidente é Lula. O que o sr. tem a dizer a ele?
Severino -
Olha, presidente, nós precisamos fazer com que o povo, o pobre, o miserável não pague, não satisfaça a fome do mercado internacional. Se for pelo povo, estaremos juntos. Eu estarei de braços abertos para ajudar o seu governo, mas tenho satisfação a dar ao nosso povo, à nossa região lá no Nordeste, que está sofrendo, com o desemprego campeando.

Folha - É difícil apoiar o presidente com esta política de juros e superávits altíssimos?
Severino -
É muito sofrido, mas temos de separar uma coisa da outra. O presidente está fazendo tudo isso por que a economia exige? Ele não pode esquecer as pequenas e micro empresas que são tão penalizadas, que dão empregos. Veja o exemplo da Itália, que saiu da Segunda Guerra e hoje é uma grande economia porque investiu na sua pequena empresa. Elas é que dão emprego. Muitas vezes, o assaltante não é culpado. É a sociedade, é o governo.

Folha - Por que o sr. é contra a autonomia do Banco Central?
Severino -
Porque o Banco Central precisa de um cabresto.

Folha - O que a sua vitória significa?
Severino -
Minha vitória mostrou para o governo Lula que a Câmara não está satisfeita. Eu fui o candidato do protesto, para renovar o tratamento entre o governo e a Câmara. Não aceitamos ser subservientes. Seus ministros têm de ter consideração com os nossos parlamentares, que não podem ficar três, quatro, cinco horas nas ante-salas, depois de passar 20 dias mendigando audiências.

Folha - Quem são os piores ministros?
Severino -
Acho que ele tem que fazer reformulação quase que total, porque eles são ruins demais para os deputados. Eu fui o candidato dessa Câmara silenciosa, que fica sofrendo. Isso não pode. Tanto que o deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL) acaba de derrotar o César Bandeira (PFL-MA) num cargo aqui na Mesa. Foi outra derrota fragorosa do governo.

Folha - E o ministro Aldo Rebelo? Ele não é o coordenador político?
Severino -
É o que te atende melhorzinho, mas nunca resolve.

Folha - E o José Dirceu?
Severino -
É preciso um exército para falar com ele. Mas eu estou te dizendo aqui: o atendimento vai melhorar, porque eu vou conversar com o presidente e vou pedir diretamente a ele. O Lula sabe que teve uma derrota fragorosa.

Folha - Uma outra derrota também é no PMDB, que passou hoje o PT em número de deputados.
Severino -
Um entra de manhã, sai de tarde, volta de noite. Depois outro, mais outro. Tem que acabar com isso. Isso é uma excrescência, uma indecência. Temos de fazer projeto aqui na Câmara para acabar com isso. Um recebe dez, outro recebe 15, outro recebe 20...

Folha - 20 o quê, reais?
Severino -
20 mil, 30 mil... Mas eu não tenho provas. Se tiver, vou fazer um inquérito e mandar cassar o mandato. E pegar quem compra e quem vende.

Folha - E se o PMDB ficar maior do que o PT na Câmara?
Severino -
Acho que não vai ficar. O governo vem aqui, pega um, depois pega outro...

Folha - Na semana passada, a Polícia Federal prendeu sete pessoas em Roraima porque havia um esquema de desvio de parte dos salários de funcionários de gabinete para mulheres e mães de desembargadores. Aqui também acontece isso. A Folha até já fez reportagem. Como coibir?
Severino -
Tenho de encontrar meios de provar isso, porque não posso lançar suspeitas sobre todo mundo. Vou fazer uma Mesa moralizadora. Aqui, nunca devolveram dinheiro. Eu devolvi mais de R$ 90 mil em dois mandatos na 2ª Secretaria.

Folha - E por que o sr. guarda dinheiro vivo em casa?
Severino -
Eu? Porque eu tenho pouco dinheiro.

Folha - A Folha publica hoje [ontem] que é mais de R$ 200 mil. Isso é pouco?
Severino -
É o que está na minha declaração do Imposto de Renda.

Folha - Por que guardar em casa?
Severino -
Porque posso dar a qualquer hora para alguém da minha família, para meus filhos. Para que guardar em banco? Para encher os banqueiros de lucro?

Folha - A ministra Nilcéia Freire, dos Direitos da Mulher, vem aqui amanhã [hoje] para discutir os direitos reprodutivos da mulher, os limites do aborto. Vai ser o primeiro choque direto entre o governo e a sua gestão?
Severino -
Vamos ver. Vamos esperar para ver o que ela vai dizer, vai defender. Não quero fazer um pré-julgamento. Eu só lhe garanto o seguinte: eu não escondo meus pensamentos.

Folha - O sr. vai sugerir ao Lula uma reforma ministerial ampla?
Severino -
Ah, vou, vou aconselhar. Senão, a Câmara vai ter de dar o mesmo tratamento aos ministros dele que eles dão aos nossos parlamentares daqui.

Folha - E como seria esse tratamento? Não vota nada?
Severino -
Ora! Não recebe, não ouve, não vota nada. Porque eu já disse que aqui nós vamos ter independência.

Folha - Vou insistir: cita uns dois ou três.
Severino -
Não precisa. Você vai saber depois, quando ele demitir [rindo]. E ele vai demitir.

Folha - Quem o sr. apóia do PP para ministro?
Severino -
Isso é decisão do partido, que é o mais democrático que tem por aqui. Ao contrário do PT. Um dos motivos da minha vitória é que eles quiseram impor um candidato que não é aceito aqui na Câmara. Perderam. Eu entrei, enfrentei e ganhei. E não tive nenhum só partido me apoiando, nem o meu. Quer dizer, a cúpula partidária.


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