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Lula e FHC se acomodaram com o patrimonialismo
Presidenciável diz faltar "projeto" a petista, admite voto em Aécio e critica Serra
Lula Marques/Folha Imagem
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Ciro Gomes concede entrevista na quinta-feira em seu gabinete, em Brasília |
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
PRESIDENCIÁVEL DO campo governista
mais forte nas pesquisas sobre a sucessão
de 2010, Ciro Gomes, 50, diz que falta "projeto estratégico" a Luiz Inácio Lula da Silva,
mas que "o Brasil melhorou" na gestão do petista. Ciro
(PSB-CE) afirma que Lula e o antecessor, Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), contemporizaram com o
patrimonialismo. "Tive uma conversa explícita com
FHC, reclamando do excesso de concessões e da frouxidão moral a pretexto da sustentação no Congresso.
Ele disse: "Você é muito jovem e um dia vai se sentar
aqui. Verá que caiu o presidente que não contemporizou com o patrimonialismo". Fiquei chocado. No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa."
FOLHA - FHC estabilizou a economia e deu início a uma rede de proteção social. Lula manteve a estabilidade, ampliou os gastos com os
mais pobres e lançou plano de investimentos em infra-estrutura que
ainda é incógnita. Quais seriam as
prioridades do próximo governo?
CIRO GOMES - Discordo da formulação da pergunta. Houve
uma lavagem cerebral no Brasil
protagonizada pelo Fernando
Henrique. O governo Itamar
Franco fez a estabilização com
a fundação do real. Itamar foi
jogado na lata do lixo, como se
tivesse sido um presidente exótico, quando foi uma passagem
benfazeja pela Presidência.
FOLHA - FHC não teve méritos?
CIRO - Sem FHC não teria havido o real, como também sem
o Itamar não teria havido. As
pessoas acham que tenho animosidade particular. Nenhuma. Quando FHC tomou posse,
havia uma dívida pública equivalente a cerca de 38% do PIB.
Ele deixou essa relação em 58%
do PIB. Explodiu a dívida, aumentou muito a carga tributária, deprimiu a taxa de investimento aos menores valores
desde a 2ª Guerra Mundial e levou o país ao colapso, inclusive
na caricatura trágica do apagão.
FOLHA - O governo dele tem saldo
positivo na história?
CIRO - Ele pessoalmente tem.
O governo é um desastre sem
precedente na história.
FOLHA - Quais devem ser os próximos passos do país?
CIRO - Falta ao Brasil um projeto estratégico. Percebo avanços importantes, conceituais
com Lula. Por isso, o apóio.
FOLHA - Falta ao governo Lula um
projeto estratégico?
CIRO - Ao Brasil.
FOLHA - Ao Brasil ou a Lula?
CIRO - Ao Brasil e ao governo
Lula, evidentemente. Temos
um privilégio hoje: a intuição
de Lula, o compromisso verdadeiro com a causa nacional,
com a causa dos mais pobres.
Esses dois valores, que parecem uma abstração, embrionam um conjunto de valores
coerente com o projeto nacional com o qual sonho. O Brasil
melhorou com Lula, mas há
muita debilidade institucional.
Há dependência da vontade do
Lula, da presença pessoal dele.
FOLHA - Resuma esse projeto.
CIRO - Construir com começo,
meio e fim uma economia política que tenha algumas clarezas. A produção brasileira não
dispõe, mesmo no melhor momento dos últimos 20 anos, de
condições simétricas às do empreendedor global para competir no mundo e no Brasil. A taxa
de juros é global? Não estou falando que devemos revogar o
capitalismo. Mas não tem conversa, o Brasil não superará o
hiato tecnológico sem intervenção direta do Estado.
No macro, a meta estratégica
é liderar um esforço de elevação do nível interno de poupança. No micro, recuperar o Estado nas suas funcionalidades vitais. Isso foi satanizado.
Nossas estradas e nossos
portos estão arrebentados. O
Brasil tem uma das mais agudas concentrações de renda do
mundo organizado. Vai se resolver pelo espontaneísmo das
forças de mercado?
FOLHA - É possível formar uma
maioria no Congresso para implementar esse projeto?
CIRO - Possível, sim. Vejo interlocução no PSDB e em parte
do DEM, sendo eu do campo
hostil a eles na política. Tive
uma conversa explícita com
FHC, reclamando do excesso
de concessões e da frouxidão
moral a pretexto da sustentação no Congresso. Lá pelas tantas, ele me disse: "Você é muito
jovem e um dia vai se sentar
aqui. Verá que caiu o presidente que não contemporizou com
o patrimonialismo". Ele usou
essa expressão. Fiquei muito
chocado. No governo Lula, vi
um pouco de novo a mesma
coisa. Me incomodei muito.
FOLHA - Lula também contemporizou com o patrimonialismo?
CIRO - É o que estou lhe dizendo. Não deveríamos aceitá-lo,
deveríamos manter sempre
disciplina crítica contra isso,
mas devemos reconhecer que é
um traço da realidade. Como
atenuar? Governo vai ter sempre corrupção. Vai ter sempre
oposição pedindo uma CPI
com a perspectiva de desmoralizar o governo para obter efeitos eleitorais. Isso tudo é normal. Não acho normal isso dominar 100% as energias do país,
especialmente da imprensa.
A responsável não é a imprensa. A responsabilidade é
dos políticos. Porém, a imprensa ajuda ao espetacularizar o
escândalo, ao novelizar o escândalo. Não estou dizendo que
o escândalo não deva ser tratado. Deve ser tratado duramente, mas não pode monopolizar
as atenções da sociedade brasileira se temos tais e tantas
questões graves.
Advogo que o modelo tributário, o modelo previdenciário,
o marco central de economia
política e a questão da institucionalidade política devam ser
temas que fiquem fora do mundanismo do dia-a-dia do governo governando e oposição oposicionando. Em certos momentos, é profundamente democrático e não significa enquadramento do Congresso, convocar a população para mediar
determinadas questões, com
plebiscitos e referendos.
FOLHA - Qual dos três pré-candidatos à presidência dos EUA seria melhor para o Brasil, os democratas Barack Obama e Hillary Clinton ou o republicano John McCain?
CIRO - Há contradição entre a
minha simpatia e o que a tradição histórica demonstra. Para a
economia brasileira, os republicanos têm sido menos hostis, um pouco menos protecionistas. O padrão de consumo
que os EUA têm está matando o
planeta. Uma lógica assentada
no combustível fóssil e no automóvel não é sustentável. A idéia
de uma ação unilateral de guerras preventivas choca-se com a
busca de uma ordem mundial
amparada na paz. Os dois democratas estão mais comprometidos com essa visão, melhor
para o planeta. Não disfarço
minha simpatia pelos dois, mas
McCain é figura bastante interessante. A ultradireita americana, neopentecostal e belicista, está meio sem representação nessas eleições.
FOLHA - Tem simpatia por um?
CIRO - Tenho, mas não digo. Vá
que eu me eleja um dia presidente, tenho de tratar com um
deles com o maior respeito.
FOLHA - O sr. é favorável ao fim da
reeleição e a um mandato presidencial de cinco anos?
CIRO - Seria melhor para o Brasil. Há tendência de abuso por
quem está no poder.
FOLHA - Lula prega que a aliança
dos partidos da base com candidatura única em 2010 seria mais eficaz
para derrotar a oposição. Concorda?
CIRO - Concordo.
FOLHA - É viável uma coalizão com
PT, PMDB e PSB?
CIRO - Muito improvável.
FOLHA - Serão lançados dois ou
mais nomes do campo hoje lulista?
CIRO - Muito provável.
FOLHA - O sr. hoje é o nome do
campo governista que está mais
bem posicionado. Quais os critérios
para definir os candidatos?
CIRO - Pesquisa hoje é muito
mais uma forma de notoriedade do que voto sedimentado.
Mesmo na data, quando pesquisa tem tendência mais reveladora, é um critério despolitizado. Os critérios devem ser
quem tem mais clareza da tarefa que se impõe ao sucessor de
Lula e quem é mais viável.
FOLHA - Admite ser vice?
CIRO - Admito ser qualquer
coisa. Não fui ministro do Lula
com a maior honra?
FOLHA - Na hipótese de Aécio Neves ingressar no PMDB e de o partido integrar uma coalizão governista
em 2010 com apoio de Lula e do PT,
ele poderia ser o cabeça de chapa?
CIRO - Aécio é uma das grandes
e boas novidades que a democracia brasileira está produzindo. Falta a ele uma vivência nacional. Nada que o talento, o espírito público e o carisma dele
não supram rapidamente. Votaria nele em uma certa circunstância tranqüilamente.
FOLHA - Comporia chapa com ele?
CIRO - Não é provável. Ele é do
PSDB. Pertenço comovidamente ao arco de sustentação
do governo Lula.
FOLHA - Se ele fosse para o PMDB?
CIRO - Não acredito.
FOLHA - No caso dos cartões corporativos, o governo diz que a oposição faz luta política. Já a oposição vê
um novo escândalo de corrupção.
CIRO - É um tema vulgar, desagradável. Há erros que devem
ser pesquisados pelos órgãos
institucionais que já estão fazendo o seu trabalho. É um caso que terá menos peso na vida
do país. É tão fortemente artificial que não vai colar. Não se
acha todo dia um mensalão.
FOLHA - A oposição está tentando
achar um mensalão?
CIRO - Claro. Setores da oposição adoram isso, porque simplifica o debate. O PSDB aqui
na Câmara começou o debate
da CPMF indo para a tribuna
defender a contribuição, falando de coerência. E terminou o
debate no Senado com o PSDB
inteiro votando contra. Estão
desarvorados, perdidos, num
mato sem cachorro. Parte dos
defeitos graves do governo Lula
são similitudes com eles. Os tucanos dizem: vamos examinar
os cartões. Então o governo diz:
desde 1998. Acabou a CPI.
FOLHA - Por que o sr. não gosta de
José Serra e vice-versa?
CIRO - É um homem de valor,
porém sem escrúpulos. Eu era
muito amigo dele. Quando eu
governava o Ceará, ele era o cara de maior mérito na bancada
do PSDB. Por excesso de méritos, porque ele é muito qualificado intelectualmente, ninguém tolerava a idéia de o Serra
ser líder da bancada. Porque
não conversava com ninguém,
não cumprimentava ninguém.
É arrogante, prepotente, só ele
sabe a verdade. FHC vivia esculhambando o Serra. O esporte
preferido de FHC ainda é falar
mal do Serra na intimidade.
Outro dia soube que um jornal distribuído gratuitamente
no metrô de São Paulo pôs lá
entre aspas que eu achava que o
Serra não gostava de pobre. E,
se fosse negro e nordestino,
pior. Resultado: processo.
FOLHA - O sr. disse isso?
CIRO - Que eu me lembre, não.
Que ele não gosta de pobre, eu
sei. Posso responder a 50 processos, mas isso é uma opinião
política. Ele pode dizer: o Ciro é
feio. Qual o problema? Nunca
processei ele. Mas processa para me constranger, obrigar a
contratar advogado, perder dinheiro, penhorar meu salário,
como ele fez. Ele penhorou
agora o meu salário, mas a Justiça mandou devolver. Passei
um mês sem dinheiro para pagar as contas, porque só tenho
essa fonte de renda.
FOLHA - Por que o sr. não tem boa
relação com a imprensa, sobretudo
a escrita?
CIRO - Minha relação é boa.
Como acho que a imprensa
presta grande serviço ao criticar, a imprensa também tem de
ter tolerância ao ser criticada.
FOLHA - Quais suas críticas?
CIRO - Primeiro, é nepotista.
Lamento, mas são cinco famílias que controlam a grande imprensa do país. Isso não quer
dizer que não tenho apreço e
respeito por pessoas dessas famílias. Muitos têm espírito público. Tenho saudade do sr.
Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, morto
em 29 de abril do ano passado].
Eu ia almoçar com ele duas,
três vezes por ano. Ele adorava
minhas maluquices. Ele perguntava, eu respondia. Ríamos
para caramba. Tenho respeito
e boa relação com outras pessoas da imprensa, mas a imprensa brasileira não é neutra.
É conservadora. Vamos tratar
isso como? Mais imprensa,
mais liberdade de imprensa.
FOLHA - Em 2002, o sr. chegou a liderar as pesquisas. Dois episódios
simbólicos, quando chamou de burro um ouvinte de uma rádio e afirmou que a função de sua mulher,
Patrícia Pillar, na campanha era dormir com o sr., foram determinantes
para não ir ao segundo turno?
CIRO - Foram duas das maiores
besteiras das muitas que eu já
fiz na vida. Nenhuma delas alcançou um centavo do dinheiro
público. Me arrependo muito,
mas aprendi amargamente.
Não me perdôo. Mereci a repulsa dos eleitores porque não é
sintoma de bom presidente.
FOLHA - Considera-se preparado
hoje para ser presidente?
CIRO - Estou muito mais maduro do que jamais estive.
FOLHA - Um temperamento difícil
não é um obstáculo para chegar à
Presidência e, uma vez lá, não poderá estimular crises?
CIRO - Pode ser. Já disse e vou
repetir, agora com muita mais
serenidade e moderação. Não
quero vender a alma para ser
presidente. Sou uma pessoa indignada e quero morrer assim.
FOLHA - O sr. falou que temperança é boa para um presidente.
CIRO - Mais do que boa, é necessária. Aprendi com Lula.
FOLHA - Terá temperança?
CIRO - Só o tempo vai dizer.
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