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REVIRAVOLTA NA SUCESSÃO
Secretário acha natural, pois "o suco é o mesmo"
Era FHC e programa de Serra se misturam na publicidade
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo de Fernando Henrique Cardoso e a candidatura do
ex-ministro José Serra à Presidência misturam-se na campanha
"Brasil, oito anos construindo o
futuro", deflagrada há uma semana pelo Palácio do Planalto.
O mote das peças publicitárias e
do programa eleitoral exibido em
6 de março é o mesmo: o país
"mudou", "muito ainda precisa
ser feito", mas "um rumo foi traçado" nos dois mandatos de FHC.
No programa, o candidato e
apresentadores secundários
transmitem a mensagem. "Se o
Fernando Henrique me apóia, é
porque sabe que vou manter as
coisas boas. Sabe também que
vou promover correções e mudanças no que for necessário",
afirma Serra.
Na campanha, que tem como
anunciante declarado o Banco do
Brasil, a tarefa cabe a um punhado de personalidades.
Em uma das peças, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do
setor de siderurgia, elogia o "controle da inflação, a abertura da
economia e as privatizações".
Ressalva que "ainda faltam importantes realizações" e defende
"continuar construindo uma sociedade capitalista moderna, com
ampla visão social".
Em outra, o diretor-presidente
da Embraer, Maurício Botelho,
afirma que a empresa não teria
conquistado sua atual posição no
mercado internacional sem "a estabilidade econômica e política
que temos hoje". Na mesma linha
do texto de Gerdau, ele observa
que "temos muitas vitórias a comemorar, mas temos muito o que
fazer ainda".
Um terceiro anúncio mostra
Aleksandar Mandic, pioneiro da
internet no Brasil. "Ainda falta
muito para que todos os brasileiros tenham acesso à internet", diz
Mandic. "Não que falte telefone,
mas tem muita gente que não pode pagar nem a pequena tarifa de
R$ 80 por linha, tão diferente dos
R$ 8.000 de anos atrás".
No anúncio protagonizado por
Zilda Arns, a coordenadora nacional da Pastoral da Criança elogia "um novo modelo de gestão
do dinheiro público". Referindo-se ao programa Bolsa-Alimentação, pergunta: "É pouco dinheiro?
É, mas é significativo na mão de
quem precisa".
"O mesmo suco"
O secretário de Comunicação de
Governo, João Roberto Vieira da
Costa, acha natural que a campanha guarde semelhanças de conteúdo e forma com o programa
eleitoral do ex-ministro da Saúde.
Argumenta que Serra esteve no
governo e é o candidato do governo. "O suco é o mesmo", diz.
Bob, como é conhecido, chefiou
a comunicação do Ministério da
Saúde antes de chegar ao Palácio
do Planalto. É homem da estrita
confiança de Serra.
A campanha comemorativa dos
oito anos da atual administração é
resultado de um projeto chamado
Cigma (Comunicação Integrada
de Governo). Na prática, ele centralizou na secretaria a gestão de
toda a verba publicitária dos ministérios -estimada em R$ 147
milhões neste ano- e de boa parte dos recursos das estatais
-bem mais volumosos- para
esse fim.
Escolhido para custear os primeiros anúncios, o Banco do Brasil será sucedido por empresas como Furnas e Petrobras.
O governo não revela quanto
gastará na campanha. A Folha
apurou que eram R$ 90 milhões
na estimativa inicial, mas que a
conta poderá atingir até o dobro
desse valor.
As peças foram criadas pelo publicitário Nizan Guanaes, também responsável pelos comerciais
da candidata Roseana Sarney
(PFL) atualmente em exibição.
A campanha dos oito anos começou a ser veiculada em mídia
eletrônica e impressa pouco depois da exibição do programa de
Serra -por sua vez quase simultânea à divulgação da imagem do
dinheiro que parece ter arruinado
a candidatura de Roseana.
Segundo o governo, não houve
esforço para aproximar as datas
do programa e do lançamento da
campanha. A Secretaria de Comunicação alega que a época inicialmente prevista, final de janeiro, foi abandonada devido à repercussão do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel
(PT). Não havia "clima". Deixou-se passar o Carnaval, período
"contraproducente".
Coincidência ou não, a campanha iniciada no final de semana
passado deverá se estender até julho, quando será suspensa devido
às restrições que a lei impõe à propaganda oficial em ano de eleição.
Na mesma época, no entanto,
será liberada a propaganda dos
candidatos. Em meados de agosto
começa o horário eleitoral gratuito na TV e no rádio. Em resumo,
publicidade do governo e/ou de
seu candidato estará no ar sem interrupção de março a outubro.
No mesmo período, a maioria
dos adversários de Serra dispõe
de poucos cartuchos para queimar. Apenas Lula terá, em abril, o
espaço televisivo do PT.
Super "8"
Hoje de volta à DM9, Nizan
Guanaes trabalhou com uma espécie de "agência virtual" na criação da campanha do governo. Dela fazem parte profissionais como
Sergio Godilho, autor do símbolo
"8" carimbado em todos os anúncios, e Raul Bastos, responsável
pelos textos.
Estes foram elaborados a partir
de entrevistas com as personalidades convidadas. Guardadas as
diferenças de tema, o roteiro estabelecido pela Secretaria de Comunicação foi o mesmo para todos:
contar uma história sobre os oito
anos da era FHC, dizer como era
antes, como ficou e o que ainda
tem de ser feito, frisando que "o
país tem rumo".
Não se trata de campanha para
atrair o eleitor sabidamente
alheio. O público-alvo é a fatia da
população, estimada em 45% pela
Secom, que tem críticas mas ao
mesmo tempo enxerga méritos
no governo. No entendimento
dos analistas do Planalto, esse público se subdivide em dois: "doméstico" e "globalizado".
Este último seria o destinatário
da primeira fornada de anúncios,
daí os personagens escolhidos.
Nem todos os participantes se
dispõem a falar. Por meio de sua
assessoria, Jorge Gerdau disse que
não pretende comentar a colaboração na campanha.
"Voto secreto"
Já Aleksandar Mandic não vê
problema em explicitar seus motivos. "Simpatizo com o governo", diz ele, que estava fora do
país em 1994, votou em FHC em
1998 e responde que "voto é secreto" quando a reportagem pergunta o que fará neste ano.
Apesar do silêncio, Mandic afirma que não teria concedido depoimento semelhante "se outro
pré-candidato o tivesse convidado". Ainda que a proposta tenha
partido da Secretaria de Comunicação, não de Serra, as palavras do
empresário indicam que, mesmo
na percepção das personalidades
convidadas, a publicidade oficial
alimenta a campanha do ex-ministro -e vice-versa.
Quando recebeu o convite, Zilda Arns pediu tempo para pensar.
"Porque sei que tudo o que faço
tem repercussão", explica a dirigente da Pastoral da Criança.
Decidiu aceitar por sentir "o dever de defender um modelo de
atenção à área social no qual acredito", mesmo ciente de que o gesto pode ser interpretado como
aval a Serra. "Não se trata de ser a
favor de um candidato ou de um
partido", diz ela, lembrando que
esteve recentemente no Acre para
prestigiar programas de saúde da
administração petista.
A cautela da médica se justifica.
A Folha apurou que setores da
Igreja Católica temem a possibilidade de o governo tentar usar
eleitoralmente a proximidade que
estabeleceu com a pastoral.
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