São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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REVIRAVOLTA NA SUCESSÃO

Secretário acha natural, pois "o suco é o mesmo"

Era FHC e programa de Serra se misturam na publicidade

RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de Fernando Henrique Cardoso e a candidatura do ex-ministro José Serra à Presidência misturam-se na campanha "Brasil, oito anos construindo o futuro", deflagrada há uma semana pelo Palácio do Planalto.
O mote das peças publicitárias e do programa eleitoral exibido em 6 de março é o mesmo: o país "mudou", "muito ainda precisa ser feito", mas "um rumo foi traçado" nos dois mandatos de FHC.
No programa, o candidato e apresentadores secundários transmitem a mensagem. "Se o Fernando Henrique me apóia, é porque sabe que vou manter as coisas boas. Sabe também que vou promover correções e mudanças no que for necessário", afirma Serra.
Na campanha, que tem como anunciante declarado o Banco do Brasil, a tarefa cabe a um punhado de personalidades.
Em uma das peças, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do setor de siderurgia, elogia o "controle da inflação, a abertura da economia e as privatizações". Ressalva que "ainda faltam importantes realizações" e defende "continuar construindo uma sociedade capitalista moderna, com ampla visão social".
Em outra, o diretor-presidente da Embraer, Maurício Botelho, afirma que a empresa não teria conquistado sua atual posição no mercado internacional sem "a estabilidade econômica e política que temos hoje". Na mesma linha do texto de Gerdau, ele observa que "temos muitas vitórias a comemorar, mas temos muito o que fazer ainda".
Um terceiro anúncio mostra Aleksandar Mandic, pioneiro da internet no Brasil. "Ainda falta muito para que todos os brasileiros tenham acesso à internet", diz Mandic. "Não que falte telefone, mas tem muita gente que não pode pagar nem a pequena tarifa de R$ 80 por linha, tão diferente dos R$ 8.000 de anos atrás".
No anúncio protagonizado por Zilda Arns, a coordenadora nacional da Pastoral da Criança elogia "um novo modelo de gestão do dinheiro público". Referindo-se ao programa Bolsa-Alimentação, pergunta: "É pouco dinheiro? É, mas é significativo na mão de quem precisa".

"O mesmo suco"
O secretário de Comunicação de Governo, João Roberto Vieira da Costa, acha natural que a campanha guarde semelhanças de conteúdo e forma com o programa eleitoral do ex-ministro da Saúde. Argumenta que Serra esteve no governo e é o candidato do governo. "O suco é o mesmo", diz.
Bob, como é conhecido, chefiou a comunicação do Ministério da Saúde antes de chegar ao Palácio do Planalto. É homem da estrita confiança de Serra.
A campanha comemorativa dos oito anos da atual administração é resultado de um projeto chamado Cigma (Comunicação Integrada de Governo). Na prática, ele centralizou na secretaria a gestão de toda a verba publicitária dos ministérios -estimada em R$ 147 milhões neste ano- e de boa parte dos recursos das estatais -bem mais volumosos- para esse fim.
Escolhido para custear os primeiros anúncios, o Banco do Brasil será sucedido por empresas como Furnas e Petrobras.
O governo não revela quanto gastará na campanha. A Folha apurou que eram R$ 90 milhões na estimativa inicial, mas que a conta poderá atingir até o dobro desse valor.
As peças foram criadas pelo publicitário Nizan Guanaes, também responsável pelos comerciais da candidata Roseana Sarney (PFL) atualmente em exibição.
A campanha dos oito anos começou a ser veiculada em mídia eletrônica e impressa pouco depois da exibição do programa de Serra -por sua vez quase simultânea à divulgação da imagem do dinheiro que parece ter arruinado a candidatura de Roseana.
Segundo o governo, não houve esforço para aproximar as datas do programa e do lançamento da campanha. A Secretaria de Comunicação alega que a época inicialmente prevista, final de janeiro, foi abandonada devido à repercussão do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). Não havia "clima". Deixou-se passar o Carnaval, período "contraproducente".
Coincidência ou não, a campanha iniciada no final de semana passado deverá se estender até julho, quando será suspensa devido às restrições que a lei impõe à propaganda oficial em ano de eleição.
Na mesma época, no entanto, será liberada a propaganda dos candidatos. Em meados de agosto começa o horário eleitoral gratuito na TV e no rádio. Em resumo, publicidade do governo e/ou de seu candidato estará no ar sem interrupção de março a outubro.
No mesmo período, a maioria dos adversários de Serra dispõe de poucos cartuchos para queimar. Apenas Lula terá, em abril, o espaço televisivo do PT.

Super "8"
Hoje de volta à DM9, Nizan Guanaes trabalhou com uma espécie de "agência virtual" na criação da campanha do governo. Dela fazem parte profissionais como Sergio Godilho, autor do símbolo "8" carimbado em todos os anúncios, e Raul Bastos, responsável pelos textos.
Estes foram elaborados a partir de entrevistas com as personalidades convidadas. Guardadas as diferenças de tema, o roteiro estabelecido pela Secretaria de Comunicação foi o mesmo para todos: contar uma história sobre os oito anos da era FHC, dizer como era antes, como ficou e o que ainda tem de ser feito, frisando que "o país tem rumo".
Não se trata de campanha para atrair o eleitor sabidamente alheio. O público-alvo é a fatia da população, estimada em 45% pela Secom, que tem críticas mas ao mesmo tempo enxerga méritos no governo. No entendimento dos analistas do Planalto, esse público se subdivide em dois: "doméstico" e "globalizado".
Este último seria o destinatário da primeira fornada de anúncios, daí os personagens escolhidos.
Nem todos os participantes se dispõem a falar. Por meio de sua assessoria, Jorge Gerdau disse que não pretende comentar a colaboração na campanha.

"Voto secreto"
Já Aleksandar Mandic não vê problema em explicitar seus motivos. "Simpatizo com o governo", diz ele, que estava fora do país em 1994, votou em FHC em 1998 e responde que "voto é secreto" quando a reportagem pergunta o que fará neste ano.
Apesar do silêncio, Mandic afirma que não teria concedido depoimento semelhante "se outro pré-candidato o tivesse convidado". Ainda que a proposta tenha partido da Secretaria de Comunicação, não de Serra, as palavras do empresário indicam que, mesmo na percepção das personalidades convidadas, a publicidade oficial alimenta a campanha do ex-ministro -e vice-versa.
Quando recebeu o convite, Zilda Arns pediu tempo para pensar. "Porque sei que tudo o que faço tem repercussão", explica a dirigente da Pastoral da Criança.
Decidiu aceitar por sentir "o dever de defender um modelo de atenção à área social no qual acredito", mesmo ciente de que o gesto pode ser interpretado como aval a Serra. "Não se trata de ser a favor de um candidato ou de um partido", diz ela, lembrando que esteve recentemente no Acre para prestigiar programas de saúde da administração petista.
A cautela da médica se justifica. A Folha apurou que setores da Igreja Católica temem a possibilidade de o governo tentar usar eleitoralmente a proximidade que estabeleceu com a pastoral.



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