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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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REGIME MILITAR

Acusado de tortura, policial civil diz que é confundido com homônimo; ex-presos políticos dizem reconhecê-lo

"Não sou o Ubirajara", diz delegado Calandra

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Acusado de tortura por ex-presos políticos, o delegado de polícia civil Aparecido Laertes Calandra afirmou ontem que não é o capitão Ubirajara, nome de guerra utilizado durante o período em que comandou interrogatórios do DOI-Codi paulista, uma das centrais de repressão do regime militar, no início dos anos 70.
"Não sou o capitão Ubirajara, nem sou capitão, sou da Polícia Civil e não tenho nada com essas histórias", disse o delegado à reportagem da Folha, ontem, no corredor do 15º andar do Dipol (Departamento de Inteligência da Polícia Civil) de São Paulo, onde trabalha há dez anos.
Dizendo-se proibido de dar entrevistas, Calandra conversou com a Folha por cerca de dez minutos e, no final, não autorizou a publicação do diálogo. A reportagem respondeu que não havia feito nem iria fazer nenhum acordo.
"Não tenho nada de que me defender. O governador Geraldo Alckmin, que é meu chefe máximo, já falou tudo. Afinal, posso ter o mesmo nome, sou Calandra, mas não é a mesma pessoa. É um homônimo, não sou eu", afirmou o delegado, que trabalha há 37 anos na polícia.
Uma foto de Calandra, no entanto, datada de 2001 e exibida pela TV Globo depois que a Folha noticiou o caso, na última segunda-feira, foi reconhecida por alguns ex-presos políticos, entre os quais Maria Amélia de Almeida Teles, testemunha das sessões de tortura a que Carlos Nicolau Danielli, ex-dirigente do PC do B, foi submetido durante três dias para depois aparecer morto.
"Ele [Calandra] comandava as sessões de tortura, comandava os interrogatórios", afirmou Teles.
Ao ser questionado sobre o testemunho da ex-presa política, Calandra elevou o tom da voz: "Essa mulher é terrorista. Eu investiguei essa mulher, e ela é terrorista. Você sabia que ela foi processada por terrorismo? Sei que foi".
A "investigação", segundo o delegado, foi feita após a Folha publicar reportagem sobre o fato de ele, acusado de tortura, ocupar um cargo estratégico na Polícia Civil paulista e ter atribuição para cuidar de escuta telefônica. "Antes eu não a conhecia [Maria Amélia]. Fui investigar depois."

Herzog
O codinome capitão Ubirajara é associado também ao episódio que resultou na morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI. O IPM (Inquérito Policial Militar) que concluiu que Herzog se havia enforcado na grade da cela não ouviu Calandra, apontado nos laudos como o autor do pedido de perícia.
"Não conheci Herzog, não tenho nada com essa história", afirmou o delegado.
Segundo o Movimento Tortura Nunca Mais, o nome de Calandra é associado ainda à morte de Hiroaki Torigoi, ex-dirigente da Molipo (Movimento de Libertação Popular). Segundo versão da época, ele teria morrido em um tiroteio com agentes de segurança.
Para se justificar de todas as acusações, Calandra insiste em dois argumentos: disse que, à época dos fatos, trabalhava no interior e sempre exerceu funções administrativas na polícia.
"Na época que eles mencionam, eu estava no Derinter (Departamento de Polícia Judiciária do Interior), estava em Ribeirão Preto, no interior. E eu sempre atuei na parte administrativa, na área de inteligência policial", disse.
A sigla Derinter, citada pelo delegado, surgiu apenas em 1999. No início dos anos 70, o que existia era o Derin (Departamento de Polícia Judiciária do Interior).


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