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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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CELSO PINTO

A lógica para não intervir no câmbio

A recente valorização do real em relação ao dólar criou ansiedade e sugestões qualificadas de intervenção do governo para manter a cotação mais desvalorizada. Há quatro formas de fazê-lo: o Tesouro comprar mais dólares no mercado privado, reduzir a dívida pública indexada ao dólar, controlar a entrada de capitais de curto prazo e cortar os juros.
Existem fortes indicações, contudo, de que o governo não vai fazer nada a curto prazo. Os juros dependem de melhores sinais na inflação. As outras três medidas supõem que o governo estaria disposto a brigar por um nível de câmbio real. Nem o Banco Central nem a Fazenda acham que isso é desejável ou viável.
A visão que se tem na Fazenda é que a recente apreciação do real está ligada a um ciclo de liquidez estimulado por ganhos de arbitragem de curto prazo. A expectativa do governo é que, gradualmente, a qualidade da captação melhore e aumentem os prazos.
Essa mudança, contudo, não é esperada em semanas e, sim, em meses. A aposta é que só quando os primeiros resultados das votações das reformas estruturais aparecerem, no segundo semestre, é que a percepção dos investidores externos mudará de forma mais significativa. Antes disso, não dá para falar em "enxurrada" de dólares.
Além disso, tanto o BC quanto a Fazenda estão convencidos de que o governo não consegue fixar uma taxa de câmbio real (descontada a inflação), só uma taxa nominal e, mesmo assim, temporária. O diretor do BC Ilan Goldfajn lembrou, numa palestra recente, que manter o real supervalorizado, como se fez entre 94 e 98, acaba em crise cambial. Tentar mantê-lo subvalorizado acabaria em inflação. Com um agravante: a inflação acaba com o câmbio subvalorizado ainda mais rápido do que a crise destrói o câmbio supervalorizado. Goldfajn deixou claro outro ponto: mesmo com a apreciação recente, o real continua, historicamente, muito subvalorizado.
Uma fonte da Fazenda vai mais longe. Quando o BC tenta adivinhar o nível "correto" do câmbio, pode cometer graves erros. Em 2001, o BC achou que a desvalorização do real era temporária e vendeu muitos títulos indexados ao câmbio como proteção ("hedge"). Errou na previsão: a tendência de desvalorização se acentuou em 2002 e a dívida indexada ao dólar subiu demais e gerou prejuízos fiscais.
Importa a visão de longo prazo. A aposta, segundo a fonte, é que a tendência, desde 1997, de queda no fluxo de capitais para os países emergentes não será revertida. Portanto, o déficit externo em conta corrente terá que ser mantido entre 1% e 1,5% do PIB, o máximo compatível com a expectativa de ingresso de capitais mais estáveis.
Para isso, é fundamental ter um câmbio competitivo, mas, acima de tudo, uma economia competitiva. É preciso criar "anticorpos domésticos" contra choques externos, e isso se obtém pelo aumento da poupança, do investimento e da confiança externa. Aumentar a capacidade de produção é uma forma de reduzir o impacto de choques externos, porque permite ao país ampliar a produção exportável sem ter que segurar a demanda interna.
Isso exige uma presença menor do Estado na disputa pela poupança interna, reduzindo o déficit público via cortes de gastos com menor impacto sobre investimentos produtivos, como os da Previdência. O que abriria espaço para um corte dos juros. A retomada da confiança e do crescimento permitiria melhorar a percepção externa de risco. Países classificados pelas agências de risco como "nível de investimento" têm uma volatilidade externa muito menor. Caminhar nessa direção, diz a fonte, é uma opção muito melhor do que impor controles sobre capitais de curto prazo.
É um tipo de visão parecida com a do coração da equipe econômica anterior. A conclusão, contudo, não deve ser a de que em nenhuma circunstância o governo mudará políticas que podem ter impacto sobre o câmbio, como reduzir a parcela da dívida pública indexada ao dólar. A conclusão correta talvez seja a de que mudar, agora, seria precipitado.

Gasto com ciclo
Introduzir um superávit primário contracíclico a partir de 2005, como quer o governo, tem duas implicações orçamentárias relevantes. A idéia é, ao menos na proposta original, que o governo passe a fixar um nível de gastos e deixe a receita flutuar conforme o ciclo: se o PIB for maior, o excesso será automaticamente poupado; se for menor, o gasto superará a receita e haverá um déficit primário maior. A outra implicação é que não poderia haver tantas vinculações entre receita e gasto obrigatório, pois inviabilizaria o princípio.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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