São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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ELIO GASPARI

Vem aí o estado policial-informático

O banco de dados americano LexisNexis avisou na terça-feira que o sistema de segurança de seus computadores foi furado por "ladrões de identidades". Trata-se de delinqüentes que capturam informações pessoais para fraudar contas bancárias, cartões de crédito e transações financeiras. Levaram dados de 310 mil pessoas.
Em fevereiro, uma invasão nos computadores da empresa ChoicePoint sugou 145 mil identidades. Esse tipo de crime custa US$ 50 bilhões à economia americana e no ano passado vitimou 10 milhões de cidadãos. Até aí tudo bem. O que falta lembrar é que, segundo a organização Electronic Privacy Information Center, a ChoicePoint comprou (há anos) o cadastro brasileiro de proprietários de veículos.
Documentadamente, essa empresa tem um contrato no valor de US$ 1 milhão anuais para fornecer dados de cidadãos latino-americanos ao Serviço de Imigração dos Estados Unidos.
Desde setembro de 2001, o governo americano terceirizou seu fichário, e as empresas LexisNexis e ChoicePoint tornaram-se os maiores arquivos de dados pessoais da história. Armazenam as contas de 3 bilhões de cartões de crédito, 139 milhões de números de telefones, 200 milhões de pleitos junto a seguradoras e mais 100 milhões de fichas criminais. O "complexo militar-industrial", denunciado pelo presidente Dwight Eisenhower em 1951, mudou de casca. Há agora um complexo militar-informático, ou policial-informático.
Esses bancos de dados surgiram para aconselhar o comércio e proteger o crédito. Fazem cruzamentos que a mente humana é incapaz de processar. Depois dos atentados do 11 de Setembro, o criador de um sistema chamado Matrix (ex-traficante de drogas) espremeu o fichário e chegou a uma lista de 1.200 suspeitos. Entre eles estavam cinco dos seqüestradores dos aviões usados nos atentados. Em 2002, quando um atirador misterioso matou 16 pessoas e assombrou os Estados Unidos, o Matrix cruzou uma lista de 21 mil cidadãos com o nome de John Williams e identificou o assassino.
Um livro do repórter Robert Harrow Jr., "No Place to Hide" ("Sem Esconderijo", inédito em português), mostra que em 2001 a ChoicePoint também capturou, armazenou e pôs à venda os nomes e os endereços de todos os eleitores mexicanos, os passaportes de todos os cidadãos da Costa Rica, o RG e o número do telefone de todos os argentinos e o registro civil de todos os colombianos. A empresa oferece dados pessoais de 300 milhões de pessoas em dez países. Ela assegura que não armazena dados obtidos ilegalmente.

Para o Sebrae, Uganda é um paraíso

Pelo terceiro ano consecutivo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, Sebrae, divulgou uma tabela do Global Entrepreneurship Monitor medindo uma esotérica TEA, ou Taxa de Atividade Empreendedora, de 34 países. O Brasil estava em sexto lugar. Caiu para sétimo.
Nos dois casos, Pindorama ficou atrás de Uganda e, neste ano, coube-lhe a desdita de um virtual empate com a Islândia e a Nova Zelândia. O Sebrae ainda não se deu conta de que há algo esquisito nesse medidor.
Desde 1987, Uganda vive uma guerra civil. Lá persiste um conflito tribal semelhante ao de Ruanda nos anos 90. Calcula-se que 400 mil pessoas foram desalojadas de suas casas. Uma facção rebelde intitulada Exército de Resistência do Senhor é acusada de ter seqüestrado cerca de 20 mil crianças, obrigando-as a entrar para suas guerrilhas. A expectativa de vida no pedaço é de 45 anos.
Se há mais atividade empreendedora em Uganda do que no Brasil ou na Nova Zelândia, o Sebrae deveria mandar seu presidente, Paulo Okamotto, passar três meses em Kampala, a capital dessa Suíça africana. Como o doutor antecedeu o comissário Delúbio Soares na tesouraria do PT, talvez descubra novas parcerias estratégicas para a diplomacia de Lula.

Gol contra
Como ele próprio diria, Lula conseguiu o inimaginável, etapa superior ao impossível: armou um sururu no cardinalato brasileiro que embaçou o trânsito de d. Cláudio Hummes no conclave.

Fritura de êxito
O comissariado acendeu um fogo brando na frigideira de Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia. De seu ministério não saiu projeto fracassado como o Primeiro Emprego nem assombração como Waldomiro Diniz, ou excentricidade como o cerimonial do Ministério da Fome. A senhora não deixou de declarar bens à Justiça Eleitoral, como Henrique Meirelles. Também não tomou emprestado da Viúva com a garantia de terras na Lua, como Romero Jucá, e não tem irmão em diretoria de estatal, como o doutor Antonio Palocci. Com um desempenho desses, só fritando.

Briga boba
As relações do Brasil com a Argentina não estão boas e tendem a piorar. Isso se deve ao predomínio de uma visão miserável do que é uma ligação diplomática. Tanto do lado brasileiro como do argentino há um exercício pueril de buscar proveito quando se está ganhando, ou se pensa que está com a razão. Diplomacia de verdade é aquela em que o sujeito pede desculpas e sai do gramado chorando depois de ter feito cinco gols e tomado um. Se ninguém cuidar, vai-se fabricar uma crise emocional onde só a demagogia terá a ganhar.

Cheiro de queimado
Tudo indica que os americanos vão empurrar com a barriga a reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Escrita antiga
Se o cardeal Joseph Ratzinger ganhar a parada em Roma, d. Eugênio Salles, arcebispo emérito do Rio de Janeiro, continuará sendo o cardeal brasileiro mais próximo do Papa. Eles formaram uma dupla no desmanche da teologia da libertação.

Direto ao caixa
A Infraero planeja uma nova tunga tarifária, a "taxa de segurança". Depois de ter tolerado inexplicáveis beiços da Varig e da Vasp, que somaram R$ 1,5 bilhão, a empresa quer buscar algo como R$ 100 milhões no bolso da patuléia. Ela já cobra R$ 11,50 por cada embarque. Isso e mais oito outras mordidas. Como o secretário do Tesouro, doutor Joaquim Levy, tomou-lhes os recursos para fazer superávit primário, os aerotecas estão aflitos. Tudo bem, mas, nesse caso, para evitar desperdício y otras cositas más, o dinheiro arrecadado poderia ir direto para a conta das empreiteiras.

Çabedoria
A assessoria de Lula faria bem se dispensasse dois tipos de semeaduras. Uma é aquela segundo a qual "Lula ficou irritado". Outra é a que dá conta de que disse isso ou aquilo a "interlocutores". Num caso, os companheiros ofendem a inteligência do contribuinte. No outro, a do presidente. Ninguém paga imposto para que os governantes fiquem felizes. Se Lula está irritado, deve dizer por que e tomar as providências devidas. Irritante é ter um presidente que se irrita com o próprio governo. Quanto a falar com "interlocutores", estão ofendendo o presidente. Isso porque, se ele não fala com interlocutores, anda falando com pias e vasos de plantas.


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