São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª

ROBERT SAPOLSKY

Para neurocientista americano, antecipar demais situações sociais provoca a morte de neurônios

"Seja mais superficial", diz especialista em estresse

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Entre 28 milhões e 56 milhões de pessoas nos EUA sofrem de doenças relacionadas ao excesso de estresse. São nomes familiares e indesejáveis como depressão, úlcera e perda de libido. Na maioria dos países industrializados, a porcentagem de atingidos varia pouco -é sempre entre 10% e 20% da população.
Mas o estresse tem cura? "Seja mais superficial em sua vida", ensina Robert M. Sapolsky. O acadêmico norte-americano fala em tom de blague e de maneira simples, mas explica: como não há cura para o estresse, embora Sapolsky trabalhe com algumas possibilidades de terapia genética para atenuar os efeitos nocivos deste no cérebro, o negócio é ser, ou pensar, mais simples.
Como uma zebra.
Como uma zebra? "As zebras só se estressam quando enxergam um leão na savana. Então, usam todas as forças e possibilidades de seu organismo para fugir do predador. Passado o perigo, cessa o estresse", explica. O problema dos humanos é reproduzir a situação mesmo na ausência do "leão". Essa é a base de um de seus livros mais conhecidos, "Why Zebras Don't Get Ulcers" (Por Que Zebras Não Têm Úlceras, de 1994), que a editora Francis promete lançar no Brasil neste ano.
Não se trata de auto-ajuda. Extremamente bem-humorado e com uma escrita leve e irônica -já foi chamado por um crítico literário de o "Woody Allen da neurociência"-, Sapolsky, 49, é um dos raros ganhadores do Prêmio MacArthur, em que a renomada fundação dá US$ 500 mil a uma pessoa, de qualquer área do conhecimento apenas por ter julgado que o trabalho do premiado justifica o investimento.
O trabalho, no caso, era uma pesquisa que o levou a acompanhar por dez anos um grupo de babuínos na África. Ele procurava a relação entre o excesso de estresse e a morte de neurônios. O relato da história deu em "Memórias de um Primata", leitura recomendada tanto aos estressados como aos fãs de livros de memórias e de relatos de viagens.
Mais de 20 anos depois, sua pesquisa ainda não é conclusiva, mas aponta para direções interessantes (veja quadro nesta página). Professor de neurociências da Universidade Stanford, na Califórnia, Robert M. Sapolsky ("o "M" é de Morris, nome que eu simplesmente detesto", diz), cabelos e barba que ora lembram o personagem Rolo dos quadrinhos de Maurício de Sousa, ora um babuíno, falou algumas vezes à Folha, a última delas na semana passada.
 

Folha - Por que, afinal, as zebras não têm úlceras?
Robert M. Sapolsky -
Porque elas só se estressam no momento "certo", quero dizer, só quando há um perigo real e iminente -geralmente, um leão tentando devorá-las. No segundo seguinte e no segundo anterior à passagem do leão, elas estão ou voltam ao seu estado normal. Os babuínos não são assim -nem nós, simplificando enormemente o trabalho de minha vida inteira.

Folha - Por que não?
Sapolsky -
No nosso caso, porque somos inteligentes o suficiente para pensar em situações estressantes, antecipá-las, antecipá-las de novo, muito antes de que elas realmente aconteçam, se é que vão realmente acontecer, antecipá-las neuroticamente quando elas nunca vão acontecer de verdade, mas já aconteceram uma vez, reviver e reviver as mais marcantes inúmeras vezes...

Folha - E como isso nos afeta?
Sapolsky -
Além do que já se sabe, pode, penso eu, "matar" neurônios importantes do cérebro ao longo do tempo, neurônios particularmente sensíveis à ação prolongada de hormônios produzidos pela glândula supra-renal, como a adrenalina. Pelo menos acontece com babuínos.

Folha - E há "cura"? Ou pelo menos uma maneira de evitar, atenuar essa situação?
Sapolsky -
No caso da morte dos neurônios, penso que existem maneiras de, via terapias genéticas e uma vez identificadas as células do cérebro que vão sofrer com o excesso de estresse, protegê-las. No caso dos humanos, temos de ser mais superficiais.
Por "mais superficiais" eu quero dizer menos cerebrais. Conseguimos isso, paradoxalmente, sendo mais cerebrais. Explico. Se você conseguir raciocinar científica e constantemente, conseguirá discernir se o que o está estressando é uma realidade, digamos, física ou apenas psicossocial. Se for física, pode se estressar. Se for psicossocial, esqueça. É simples -e impossível.

Folha - O sr. pode elaborar?
Sapolsky -
Hoje em dia, é quase universalmente aceito que o estresse tem um papel importante em enrijecer nossas artérias, aumentar nossa pressão sangüínea, mas na época em que comecei minha pesquisa havia apenas uma percepção de que os dois acontecimentos tinham relação.
Havia os militantes radicais, que afirmavam que o estresse CAUSA essas doenças, ponto final. Hoje concluímos que essa relação causa-efeito simples pode acontecer, mas é mais rara. É mais provável que aumente grandemente o impacto de outros fatores de risco e piore os casos já estabelecidos.
Já os céticos achavam que: 1) O estresse não tem NADA a ver com isso; 2) OK, tem a ver, mas com um papel secundário; 3) Sim, tem a ver, mas só em indivíduos com predisposição a ser estressados. Para estes, por exemplo, pessoas estressadas comem mais carboidrato. A mudança de pensamento ocorreu pelo acúmulo de provas científicas básicas mostrando como você parte do "estresse", esse grande, confuso e indefinido conceito, para a biologia celular e molecular da doença.

Folha - Uma vez identificada a biologia celular e molecular da doença, qual a sua conclusão?
Sapolsky -
O aspecto psicossocial é o principal detonador do estresse. Ele tem mais a ver com a sociedade em que ocorre, com o papel do indivíduo nessa sociedade. Por exemplo: um homem em crise de meia idade não é mais estressado porque bebe mais álcool, fuma mais, come mais gordura; ele faz isso porque é estressado.

Folha - E por que estudar babuínos?
Sapolsky -
Na verdade, eu queria estudar os gorilas. Era o auge da fama da (primatóloga) Dian Fossey. Todo o mundo queria estudar os gorilas. O fato é que ninguém mais deixava os gorilas em paz, qualquer estudante recém-formado pegava sua mala e ia atrás dos coitados.
Como a fila era grande, eu procurei uma espécie menos disputada. Foi assim que acabaria me apaixonando pelos babuínos.

Folha - Uma das críticas a seu trabalho é que ele lança mão excessivamente de antropomorfismo, que mais vezes do que seria desejável para um cientista o sr. atribui qualidades humanas a animais...
Sapolsky -
Uso dois níveis de antropomorfismo. Um é um recurso puramente literário -e até meio bobo. É quando escrevo por exemplo que os babuínos passavam por um período de instabilidade hierárquica tão caótico "que os trens não chegavam mais no horário, a correspondência não era mais entregue". Quem levar isso ao pé da letra tem algo muito errado na cabeça.
A outra ressalva, mais séria, é quando uso o antropomorfismo em minha pesquisa, ao lançar mão de termos como "amigos", "cultura", "personalidade", para narrar eventos ocorridos com os babuínos. Entendo a crítica, mas defendo que esses termos são absolutamente legítimos. Quando escrevo a palavra "depressão" para definir o estado de um babuíno, por exemplo, defendo esse uso. Mas concordo com a acusação quando uso a palavra "amor" -embora na minha cabeça de observador houvesse o conceito.

Folha - Já que estamos no reino do antropomorfismo, o sr. sente "saudade" dos seus babuínos?
Sapolsky -
Eu sinto falta deles, e da África em geral, o tempo todo. Tenho filhos pequenos, e, desde que eles nasceram, eu reduzi minhas visitas ao continente a uma vez por ano, um mês por viagem. A última vez que consegui fazer isso foi em 2004.

Folha - Sobre o que será seu próximo trabalho?
Sapolsky -
Estou pensando em alguns livros, na verdade estou no estágio seguinte a somente "pensar". Mas no momento estou afundado em trabalho no laboratório.

Folha - O sr. ganhou o Prêmio MacArthur. O sr. se considera um gênio? Ou enganou a fundação este tempo todo?
Sapolsky -
(brincando) Foi tudo um jogo de camaradagem, fui fazendo amizade com outros "gênios" e eles acabaram me indicando. Falando sério, é extremamente estressante corresponder às expectativas depois de ganhar um prêmio assim. Por outro lado, você ganha carta branca para expressar suas opiniões mais imbecis sobre os mais diversos assuntos. E todo o mundo o leva a sério!

Folha - O sr. é estressado?
Sapolsky -
Sou absurdamente estressado. Trabalho demais, durmo pouco, tenho filhos pequenos... O que me impede de ser mais é que eu adoro meu trabalho, sou desesperadamente apaixonado por minha família, exercito-me com freqüência...


Texto Anterior: Antropólogo índio diz que ciência permite diálogo entre as culturas

Próximo Texto: Cérebro demais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.