São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAMPO MINADO

Sem posse definitiva, agricultor pode perder área para antigos donos

Apenas 3% dos assentados por FHC têm título da terra

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

RUBENS VALENTE
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

Uma auditoria feita pelo governo federal para radiografar a reforma agrária mostra que apenas 3% das famílias que ele diz ter assentado entre 1995 e 2001 receberam o título de posse definitiva de suas terras. A titulação é o último estágio e o objetivo final do programa. Além disso, 17% dos beneficiários de seu programa de reforma agrária abandonaram ou nem sequer tiveram acesso às terras que lhes foram prometidas.
Propalada como um dos projetos de sucesso nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, inclusive no exterior, a reforma agrária apresenta números diferentes daqueles propagandeados.
Mesmo que por fontes meramente contábeis, sem levantamento de campo, foi a primeira vez que o governo federal traçou um panorama do real alcance de seu programa de reforma agrária.
A auditoria foi ordenada no final de abril pelo ministro José Abrão depois de uma série de reportagens da Folha ter revelado que o governo inflou os balanços da reforma agrária com terrenos vazios e áreas sem casas e infra-estrutura (água tratada, energia elétrica e rede de esgoto).
Uma família titulada é aquela que recebe o documento da posse definitiva da terra depois que, segundo o ministério, "de forma regular tenha aplicado os créditos de apoio à instalação e habitação e estruturação da produção".
Entre as 514.163 famílias que o Ministério do Desenvolvimento Agrário diz ter beneficiado (excetuando os atendidos pelo programa Banco da Terra e os regularizados por viver em terras públicas federais), apenas 15.848 receberam títulos definitivos de seus lotes entre 95 e 2001, e outras 87.515 abandonaram ou foram expulsas de suas terras, segundo a auditoria especial feita por funcionários do próprio ministério e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Concluída no início deste mês, a auditoria mostrou ainda que o governo contou como assentadas pelo programa Banco da Terra, para atingir suas metas da reforma agrária nos anos de 2000 e 2001, famílias que ainda não tinham tido acesso ao financiamento bancário. Segundo o ministério, o tempo médio entre a entrada de um sem-terra numa área e a titulação é de três anos.
Levando-se em conta essa média, a maioria das 287.994 famílias que o governo anunciou ter assentado de 1995 a 1998 já deveria ter em mãos o título definitivo de seu lote. Sem ele, o trabalhador rural corre o risco de perder sua terra na Justiça para antigos proprietários, o que vem ocorrendo em assentamentos de São Paulo e do Paraná.
Ao anunciar a titulação de apenas 15.848 famílias nos últimos sete anos, a auditoria também coloca em xeque números dos balanços da reforma agrária de 2000 e 2001 divulgados pelo ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann.
Em 1º de fevereiro, Jungmann anunciou ter titulado 127.611 famílias no biênio, número 705% superior ao apurado pela auditoria do ministério. Segundo o ex-ministro, foram 65.715 famílias em 2000 e outras 61.896 em 2001.
Usando apenas dados contábeis, a auditoria registra que 588.173 famílias foram "beneficiadas" pelo programa de reforma agrária desde 1995. Mas o governo admite que somente saberá quantas famílias estão devidamente ocupando os assentamentos no país por meio de um censo, a ser finalizado até outubro.
Entre essas 588.173 famílias estão -além dos participantes do programa Banco da Terra- outras 36.022 que, segundo a auditoria, receberam "títulos de domínio" por estar há muitos anos em terras públicas federais, como, por exemplo, margens de rodovias federais. Essas famílias não participaram das fases de implementação de um assentamento.
A falta de infra-estrutura básica nas áreas de assentamento e a ausência de escolas, estradas e postos de saúde nas imediações estão entre os motivos do êxodo da reforma agrária, segundo reconhece o próprio governo. Trabalhadores expulsos das terras por não cumprir deveres de assentados também estão nessa estatística.
Segundo a auditoria, 46.318 famílias desistiram formalmente do programa de reforma agrária entre 1995 e 2001. No mesmo período, outras 26.076 abandonaram os lotes sem dar satisfação ao ministério. Ainda 12.798 foram eliminadas do programa e 2.323 deixaram os lotes após a morte do chefe da família.
Entre os principais objetivos da auditoria, um não foi realizado. A pedido do ministro, o Controle Interno do Ministério do Desenvolvimento Agrário deveria ter relacionado "os estágios de cada etapa de criação e instalação de um projeto de assentamento".
A auditoria trouxe apenas a situação dos assentados, e não dos projetos -que, segundo portaria de abril, devem seguir sete fases, da criação à consolidação.



Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Outro lado: Incra afirma que números estão desatualizados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.