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CELSO PINTO
Um governo quatrilionário
Um dólar vale, hoje, 410 mil liras
turcas. Se nada mudar, estará valendo 1 milhão de liras turcas em
menos de dois anos. O orçamento
do governo turco deste ano prevê
gastos de 23,6 quatrilhões de liras
e o déficit está estimado em 5,5
quatrilhões.
Nada reflete melhor a leniência
com que a Turquia conviveu com
alta inflação nestas últimas décadas, do que o valor nominal de
sua moeda. No Brasil, a certa altura, a classe média virou milionária por causa da inflação; na
Turquia, ela é bilionária em liras
turcas.
A relutância em cortar zeros na
moeda, faz com que uma pequena
corrida de táxi em Istambul, por
exemplo, custe alguns milhões. A
resistência em atacar com mais
vigor a inflação gerou uma taxa
média de 60% ao ano nos últimos
20 anos, chegando a mais de 100%
em três anos.
"Nenhum presidente do Banco
Central turco acha que vai ser enforcado por não controlar a inflação e sim se deixar haver uma crise nas contas externas", lembra
Asaf Savas Akat, professor de economia da Universidade de Istambul e colunista de prestígio do jornal ""Sabah".
O primeiro-ministro Bulent
Ecevit explicou o salto inflacionário como "resultado de uma transição muito rápida para uma economia de mercado", numa entrevista ao colunista e outros 33 jornalistas internacionais convidados a conhecer a economia turca,
quinta-feira passada, na capital,
Ancara. A Turquia tinha um modelo estatista, apoiado em substituição de importações, até os anos
70. Nos anos 80, foi liberalizando
a economia.
Em 86, assinou um acordo de livre comércio com a União Européia, que expôs a indústria turca
a uma forte competição. Em 89,
abriu a conta de capitais. A economia cresceu rapidamente, as
exportações subiram de US$ 2,2
bilhões em 80 para US$ 28 bilhões
em 98, os investimentos externos
deram um salto. A inflação, contudo, continuou intratável.
Um alimento inflacionário é a
enorme instabilidade política. "O
país sofreu muito com a instabilidade política", reconheceu o presidente Suleiman Demirel, numa
conversa com o mesmo grupo de
jornalistas, em Ancara.
Houve uma sucessão de governos de vida curta, dentro do sistema parlamentarista turco, e intervenções militares diretas em
60, 71 e 80. Isso, além da indução
à renúncia do gabinete de Necmettin Erbakan, do partido islâmico, em junho de 97, pelo Conselho de Segurança Nacional.
O Conselho, sob influência militar, tem poderes de interferir em
assuntos de Estado, especialmente os ligados à secularização e à
integridade territorial, duas
questões hipersensíveis desde a
fundação do moderno estado turco, em 1923. A Turquia é o único
entre os 55 países com maioria
muçulmana onde o Estado é separado da religião, observa Demirel. As exigências feitas pelo Conselho a Erbakan, pelo temor de
uma islamização do país, acabaram levando à sua renúncia.
A contínua disputa eleitoral impediu que houvesse programas de
estabilização duradouros. Levou,
também, a um descontrole crescente das contas públicas. O déficit público é alto (7,1% do PIB em
98) e, a exemplo do Brasil, alimentado por juros enormes.
Em 98, o gasto com juros chegou
a 11,7% do PIB, ou 40% do orçamento. Nas outras contas, o governo conseguiu um superávit
primário de 4,6% do PIB. O estoque da dívida interna não é grande (22% do PIB), mas o vencimento médio é apenas 6 meses (comparado a 10 anos na dívida externa do governo, de 22% do PIB). Os
juros reais, acima da inflação, estão em mais de 30% desde o final
do ano passado.
A combinação entre juros altíssimos e crescimento baixo (estimado em 2% este ano), pode tornar a dívida interna explosiva em
um par de anos, adverte Murat
Ucer, economista do banco CSFB,
em Istambul. É vital reestruturar
os prazos da dívida interna, concorda Erkut Yucaoglu, presidente
do Tusiad, órgão dos empresários.
Desde que montou um programa de três anos de estabilização
em 97, o governo conseguiu reduzir a inflação de 100% para pouco
mais de 50%. Não é fácil, contudo,
avançar mais. O câmbio está atrelado a uma cesta que combina dólar e marco alemão. Mantém a
competitividade, mas realimenta
a inflação.
Ao contrário do Brasil inflacionário, contudo, a Turquia não
tem uma indexação legal e a economia é largamente dolarizada.
Para o professor Akat, "tudo que é
preciso é uma âncora nominal
que coordene para baixo as expectativas inflacionárias". O
câmbio poderia ser esta âncora,
mas há o medo de problemas nas
contas externas.
Pressionado por uma crise econômica mais séria, o governo promete reduzir a inflação a um dígito até 2001, sem choques nem
"currency boards", e a nova coalizão aprovada semana passada
abre a possibilidade de um governo mais estável. Falta provar a
vontade política.
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