São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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O QUE FAZER?

Sem citar programas existentes, como Bolsa-Família, presidente afirma que decretará "guerra" aos problemas no setor

Lula diz que ainda busca "carro-chefe" social

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem que vai reunir todos os ministros da área social na próxima semana para "decretar uma guerra" contra os problemas no setor, especialmente os que afetam crianças, adolescentes e jovens. O objetivo é concentrar as ações de governo.
Segundo o presidente, a ""guerra" tem de ser "contra um estado de calamidade que envolve milhões de crianças por este país". É preciso, porém, encontrar "um carro-chefe" para as políticas de proteção aos menores.
"Quem tem 44 programas termina não tendo nenhum. É melhor definir uma política que seja o carro-chefe e, atrás dela, ter outras políticas, do que você ficar tentando em cada ministério cuidar de um pedacinho daqui, um pedacinho dali", disse Lula.
O presidente, porém, não comentou o fato de o Ministério do Desenvolvimento Social ter sido criado, em janeiro, justamente com esse fim agregador ou que o Fome Zero e, posteriormente, o Bolsa-Família teriam, em tese, a função de ""carro-chefe".
Ele reagiu várias vezes, direta ou indiretamente, à manchete de ontem da Folha sobre a falta de aplicação dos recursos previstos para programas prioritários.
Dados do Siafi (sistema de acompanhamento dos gastos federais em que se baseou a reportagem) mostram que 39% dos 340 programas tiveram, até 7 de julho, gasto inferior a 10% do Orçamento a eles destinado para o ano.
Segundo Lula, toda vez que o Siafi é citado em reportagens negativas para o governo, ele consulta o ministro do Planejamento, Guido Mantega, "que diz que não é verdade". O presidente disse que a questão de recursos "nem sempre é a mais importante" e disse preferir dar "um dado concreto": o fato de, segundo ele, o atual governo ter gasto mais na área social do que todos os outros governos no mesmo período. Especificou: em 2003, foram 2% a mais do que em 2002, último ano de Fernando Henrique Cardoso.
A entrevista de Lula, das 9h45min às 11h45min, foi dada a pedido da Andi (Agência Nacional dos Direitos da Criança e da Adolescência), que selecionou dez repórteres de jornais, rádio e televisão que têm o título de "Jornalista Amigo da Criança", concedido pela mesma entidade.
Crianças, adolescentes e jovens foram os temas. O secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, introduziu a entrevista, mostrando a versão do governo para as ações sociais.
Um dos programas mais vendidos por Lula, desde a época da campanha presidencial de 2002, foi o "Primeiro Emprego". Pelos dados do Siafi, porém, só gastou 0,2% de sua dotação de R$ 189 milhões para este ano, ou seja, R$ 442 mil. Questionado se não ficava decepcionado, respondeu: "Decepcionado, não. Um presidente não tem o direito de ficar decepcionado."
"Eu não acredito que o problema seja apenas de dinheiro e de Orçamento. Temos no Brasil um acúmulo de dívida para cuidar da criança e do adolescente. É como se você tivesse de pagar uma prestação e deixasse atrasar a segunda, a terceira e a quarta", disse.
Ao citar a queda na qualidade do ensino, Lula disse que há alunos que não sabem mais escrever nem fazer contas simples de aritmética e questionou: "É preciso discutir o que essa criança está fazendo na escola". Ele, porém, tentou não concentrar as críticas no antecessor direto.
Para o presidente, que citou várias vezes sua mãe e fez uma referência à sua infância morando nos fundos de um bar com 13 pessoas, "a questão não é só de pobreza, é também da família, porque a pobreza é só um ingrediente". Na sua opinião, a situação hoje em dia é pior do que antes, no seu tempo de jovem: "As pessoas estão no fio da navalha".
Lula se declarou contra a antecipação da maioridade penal para 16 anos e também contra projetos que tramitam no Congresso visando aumentar a pena de menores que cometam infrações.
"O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente, que completa 14 anos neste ano] é uma obra-prima de peça jurídica" e "precisa ser cumprido, não mudado", disse.

Palocci
Interrompendo uma pergunta sobre a falta de aplicação de recursos em nome do ajuste fiscal, Lula riu e recriminou: "Não esbarra na equipe econômica, não. Fica muito simplista dizer que é o [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda] que não quer que se faça alguma coisa". E voltou a fazer referência a mães: "O Ministério da Fazenda faz o papel que a mãe de vocês fazia quando vocês eram mais jovens e pediam dinheiro para ela". Em seguida, especificou: "Endurece a parada".
Segundo ele, há um consenso de que é preciso usar mais dinheiro na educação. O governo, disse, estuda um projeto preliminar para a concessão de crédito educativo para universitários, com quatro anos de carência.
Na outra ponta, a do analfabetismo, Lula disse que "o governo federal não tem de ter o compromisso de combater o analfabetismo", pois seu papel é o de complementar e de induzir Estados, municípios, empresas e entidades a fazê-lo. Ele também assumiu o compromisso de instituir o Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica), com o objetivo de redistribuir recursos de acordo com o número de alunos matriculados desde a creche até o ensino médio.
Mais de uma vez, o presidente desautorizou versões de que o governo estivesse estudando a desvinculação constitucional de recursos para educação, saúde e ciência e tecnologia. "Não haverá descontingenciamento em hipótese nenhuma no meu governo."


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