São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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CELSO PINTO

O primeiro teste de Lula com o FMI

Se Lula ganhar as eleições, o que hoje parece provável, o primeiro teste de seu governo poderá acontecer em novembro. Uma missão do FMI virá ao Brasil discutir as metas para o primeiro trimestre do próximo ano. No mercado e até em Brasília crescem as apostas que o Fundo pedirá um aumento no esforço fiscal, ou seja, um superávit primário maior.
Três fatores pressionam a dívida líquida do setor público: a subida do câmbio, o menor crescimento em 2003 e a pressão do juro real, especialmente depois do aumento da Selic para 21%, segunda-feira. Quem negociará com o fundo, oficialmente, é o atual governo, mas o próximo governo deverá participar das conversas, até porque terá que cumprir o acertado. Se for o PT, poderá colocar o partido frente a uma decisão difícil, antes mesmo de tomar posse.
O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, não acredita que o FMI vai pedir uma revisão do superávit primário, embora o governo tenha elevado a meta deste ano de 3,75% do PIB para 3,88%. O superávit primário é vital para evitar que a dívida líquida fuja de controle. Armínio argumenta que o horizonte desta discussão tem que ser de mais longo prazo. "Tem que ser uma discussão permanente, mas num processo de revisões sucessivas e graduais, dentro do que parece ser a tendência".
O câmbio subiu desde o acordo original, mas não existe uma razão "mecânica" para transpor este aumento para o superávit primário. "Tem que olhar os mecanismos de compensação. É preciso levar em conta que o câmbio vai produzir um déficit em conta corrente menor e que isto pode reduzir a pressão sobre o juro em função do menor risco externo", diz. Mesmo depois da elevação da Selic para 21% ele acha que a perspectiva pode ser de uma taxa de juro real menor. Ele também acha que é possível reverter rapidamente as expectativas de um salto inflacionário, abrindo espaço para um corte nos juros.
Ele não acha que o FMI vai tratar um futuro governo, se for da oposição, com ceticismo. O Brasil cumpriu quatro anos de metas trimestrais com o FMI, ganhou credibilidade e ele acha razoável que esta credibilidade se transfira para o próximo governo. Ele insiste que a crise é de confiança, o futuro presidente precisa conquistá-la, e isso não depende de um superávit primário maior. "A dúvida central não é o tamanho do primário, e sim sua continuidade", diz. O importante é que o próximo presidente reafirme que o país seguirá "numa trilha de bom senso macroeconômico".
A decisão de convocar uma reunião de emergência do Copom se justificou porque, na situação atual, "cada dia vale uma semana" e o quadro inflacionário havia se deteriorado nos últimos 15 a 20 dias. Ele continua apostando, contudo, que "dá para virar o jogo: exigirá sangue-frio, perseverança e determinação". O BC, longe de ter "jogado a toalha", como foi dito, continuará intervindo no câmbio, dentro da premissa que "a confusão é transitória e é possível usar o financiamento do FMI para suavizar o ajuste". Sem perseguir uma meta específica de câmbio. A aposta é que o próximo presidente poderá reverter a crise de confiança e isso terá um impacto forte, positivo, sobre os indicadores.
Armínio chama a atenção para o fato que, de 1998 até hoje, a dívida líquida subiu muito, mas não por pressões fiscais. Como se vê no quadro, em 1998, dos 41,7% do PIB de dívida líquida, 40,6% se explicavam por razões fiscais e só 1,1% por ajustes. A privatização ajudou a reduzir a dívida em 3,3% do PIB, o reconhecimento dos esqueletos a elevá-la em 3,5% e o impacto do câmbio sobre a dívida indexada ao dólar e a dívida externa, respondeu por apenas 0,9% do PIB.
Em agosto de 2002, último dado oficial disponível, a situação era bem diferente. A dívida subiu 16,6% do PIB, para 58,3%, mas, nos quatro anos, o impacto fiscal foi positivo, ou seja, houve superávit líquido de 0,6% do PIB. O grande choque negativo foi o câmbio, que provocou um aumento de 15,9% do PIB na dívida. De 98 a agosto de 2002, a dívida indexada ao dólar subiu de 7,3% para 11,4% do PIB e a externa subiu de 6,2% para 13,8%.
Fábio Giambiagi, do BNDES, lembra que, enquanto de 94 para 98 a dívida subiu de 30% para 41,7% do PIB principalmente por pressões fiscais, de 98 para cá, a subida veio do ajuste cambial, que ele compara com os ajustes patrimoniais, como esqueletos e privatizações. É um aumento efetivo da dívida, gera custos e precisa ser pago, mas não é pressão contínua e permanente. É difícil imaginar o câmbio subindo muito mais e se ele cair o impacto sobre o estoque será forte. O mercado calcula que cada ponto percentual de apreciação do real frente ao dólar reduz a dívida líquida em quase 0,4% do PIB, enquanto cada redução de um ponto do juro reduz a dívida em 0,2% do PIB.
Um estudo da Merrill Lynch, na direção do otimismo de Armínio, acha que, se Lula ganhar e mantiver o acordo com o FMI, pode se dar bem, pelo tamanho do ajuste externo. Em 2003, o câmbio ficaria pressionado (média de R$ 3,53) e o PIB cresceria apenas 1,1%. Em compensação, a balança teria um superávit de US$ 20 bilhões, o déficit em conta corrente cairia para apenas US$ 4 bilhões, ou 0,9% do PIB, e as necessidades de recursos seriam de US$ 30 bilhões, comparadas a US$ 67 bilhões em 2000. Com os US$ 24 bilhões do FMI, as contas fechariam com tranquilidade. A subida da inflação para 11% e do câmbio ajudariam o cumprimento das metas fiscais: haveria um superávit nominal de 1,2% do PIB. A partir do segundo semestre, o câmbio começaria a apreciar, a pressão inflacionária diminuiria e o crescimento começaria a voltar. Sem moratórias das dívidas interna ou externa.

E-mail:
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