|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
O primeiro teste de Lula com o FMI
Se Lula ganhar as eleições, o
que hoje parece provável, o
primeiro teste de seu governo
poderá acontecer em novembro.
Uma missão do FMI virá ao
Brasil discutir as metas para o
primeiro trimestre do próximo
ano. No mercado e até em Brasília crescem as apostas que o
Fundo pedirá um aumento no
esforço fiscal, ou seja, um superávit primário maior.
Três fatores pressionam a dívida líquida do setor público: a
subida do câmbio, o menor crescimento em 2003 e a pressão do
juro real, especialmente depois
do aumento da Selic para 21%,
segunda-feira. Quem negociará
com o fundo, oficialmente, é o
atual governo, mas o próximo
governo deverá participar das
conversas, até porque terá que
cumprir o acertado. Se for o PT,
poderá colocar o partido frente
a uma decisão difícil, antes mesmo de tomar posse.
O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, não acredita que o FMI vai pedir uma revisão do superávit primário, embora o governo tenha elevado a
meta deste ano de 3,75% do PIB
para 3,88%. O superávit primário é vital para evitar que a dívida líquida fuja de controle. Armínio argumenta que o horizonte desta discussão tem que
ser de mais longo prazo. "Tem
que ser uma discussão permanente, mas num processo de revisões sucessivas e graduais,
dentro do que parece ser a tendência".
O câmbio subiu desde o acordo original, mas não existe uma
razão "mecânica" para transpor este aumento para o superávit primário. "Tem que olhar os
mecanismos de compensação. É
preciso levar em conta que o
câmbio vai produzir um déficit
em conta corrente menor e que
isto pode reduzir a pressão sobre
o juro em função do menor risco
externo", diz. Mesmo depois da
elevação da Selic para 21% ele
acha que a perspectiva pode ser
de uma taxa de juro real menor.
Ele também acha que é possível
reverter rapidamente as expectativas de um salto inflacionário, abrindo espaço para um
corte nos juros.
Ele não acha que o FMI vai
tratar um futuro governo, se for
da oposição, com ceticismo. O
Brasil cumpriu quatro anos de
metas trimestrais com o FMI,
ganhou credibilidade e ele acha
razoável que esta credibilidade
se transfira para o próximo governo. Ele insiste que a crise é de
confiança, o futuro presidente
precisa conquistá-la, e isso não
depende de um superávit primário maior. "A dúvida central
não é o tamanho do primário, e
sim sua continuidade", diz. O
importante é que o próximo
presidente reafirme que o país
seguirá "numa trilha de bom
senso macroeconômico".
A decisão de convocar uma
reunião de emergência do Copom se justificou porque, na situação atual, "cada dia vale
uma semana" e o quadro inflacionário havia se deteriorado
nos últimos 15 a 20 dias. Ele continua apostando, contudo, que
"dá para virar o jogo: exigirá
sangue-frio, perseverança e determinação". O BC, longe de ter
"jogado a toalha", como foi dito,
continuará intervindo no câmbio, dentro da premissa que "a
confusão é transitória e é possível usar o financiamento do
FMI para suavizar o ajuste".
Sem perseguir uma meta específica de câmbio. A aposta é que o
próximo presidente poderá reverter a crise de confiança e isso
terá um impacto forte, positivo,
sobre os indicadores.
Armínio chama a atenção para o fato que, de 1998 até hoje, a
dívida líquida subiu muito, mas
não por pressões fiscais. Como se
vê no quadro, em 1998, dos
41,7% do PIB de dívida líquida,
40,6% se explicavam por razões
fiscais e só 1,1% por ajustes. A
privatização ajudou a reduzir a
dívida em 3,3% do PIB, o reconhecimento dos esqueletos a elevá-la em 3,5% e o impacto do
câmbio sobre a dívida indexada
ao dólar e a dívida externa, respondeu por apenas 0,9% do
PIB.
Em agosto de 2002, último dado oficial disponível, a situação
era bem diferente. A dívida subiu 16,6% do PIB, para 58,3%,
mas, nos quatro anos, o impacto
fiscal foi positivo, ou seja, houve
superávit líquido de 0,6% do
PIB. O grande choque negativo
foi o câmbio, que provocou um
aumento de 15,9% do PIB na dívida. De 98 a agosto de 2002, a
dívida indexada ao dólar subiu
de 7,3% para 11,4% do PIB e a
externa subiu de 6,2% para
13,8%.
Fábio Giambiagi, do BNDES,
lembra que, enquanto de 94 para 98 a dívida subiu de 30% para 41,7% do PIB principalmente
por pressões fiscais, de 98 para
cá, a subida veio do ajuste cambial, que ele compara com os
ajustes patrimoniais, como esqueletos e privatizações. É um
aumento efetivo da dívida, gera
custos e precisa ser pago, mas
não é pressão contínua e permanente. É difícil imaginar o câmbio subindo muito mais e se ele
cair o impacto sobre o estoque
será forte. O mercado calcula
que cada ponto percentual de
apreciação do real frente ao dólar reduz a dívida líquida em
quase 0,4% do PIB, enquanto
cada redução de um ponto do
juro reduz a dívida em 0,2% do
PIB.
Um estudo da Merrill Lynch,
na direção do otimismo de Armínio, acha que, se Lula ganhar
e mantiver o acordo com o FMI,
pode se dar bem, pelo tamanho
do ajuste externo. Em 2003, o
câmbio ficaria pressionado
(média de R$ 3,53) e o PIB cresceria apenas 1,1%. Em compensação, a balança teria um superávit de US$ 20 bilhões, o déficit
em conta corrente cairia para
apenas US$ 4 bilhões, ou 0,9%
do PIB, e as necessidades de recursos seriam de US$ 30 bilhões,
comparadas a US$ 67 bilhões
em 2000. Com os US$ 24 bilhões
do FMI, as contas fechariam
com tranquilidade. A subida da
inflação para 11% e do câmbio
ajudariam o cumprimento das
metas fiscais: haveria um superávit nominal de 1,2% do PIB. A
partir do segundo semestre, o
câmbio começaria a apreciar, a
pressão inflacionária diminuiria e o crescimento começaria a
voltar. Sem moratórias das dívidas interna ou externa.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: Outro Lado: Vereador diz que audiência deveria ser em outro local Próximo Texto: ELEIÇÕES 2002 Serristas unificam 'teoria do caos' Índice
|