São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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POLITIZAÇÃO INFLADA

Dados enviados pelas legendas ao TSE mostram que há 11,9 milhões de filiados a alguma sigla; PMDB é o campeão, com 2 milhões

Sem controle, partidos inflam filiações no país

RUBENS VALENTE
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Pelos dados enviados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por todos os partidos em 2004, o país tem 11,9 milhões de pessoas filiadas a alguma sigla -o que representaria uma participação política ativa de pelo menos 8% do eleitorado brasileiro.
No quadro formado pelos números oficiais, o PSDB tem uma máquina de 1,2 milhão de militantes espalhados pelo Brasil, o PT, de 990 mil, e o PMDB, o campeão, possui um exército de 2 milhões de pessoas a postos para trabalhar para a sigla.
Levantamento realizado pela Folha a partir das listas totais dos partidos no TSE, contudo, faz emergir uma realidade bem diferente, que aponta para uma inflação generalizada dos números e um descontrole nos processos de filiação partidária.
Há, por exemplo, juízes de Direito e procuradores da República ainda filiados sem que eles saibam -o que causa um constrangimento ético e legal. No caso dos juízes, a atividade político-partidária é vedada pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
Há filiações, no dizer do secretário-executivo do PMDB nacional, o deputado federal Saraiva Felipe (MG), que são feitas "a laço", uma variante do voto de cabresto, em que diretórios filiam em massa eleitores às vésperas de convenções municipais.
O objetivo de recrutar eleitores sem compromisso ideológico ou programático com o partido, segundo a crítica do deputado, é garantir maioria nas convenções, manipulando resultados.
O PFL, que aparece com 1 milhão de filiados, na verdade tem entre "10 mil e 15 mil" pessoas que são, de fato, militantes, segundo reconheceu o diretor-executivo da sigla em Brasília, o ex-deputado federal Saulo Queiroz.
De 2 milhões de filiados no papel, o PMDB conta efetivamente com 40 mil militantes. O PT e o PSDB também reconheceram que seus números estão acima da realidade. "Vocês tocaram na ferida do sistema partidário", disse o advogado do PFL, Admar Gonzaga.
Os dados partidários valeram para a eleição de 2004 e foram obtidos oficialmente pela reportagem no TSE, em Brasília. Desde 1996, cabe aos próprios partidos a tarefa de reunir e enviar as listagens para a Justiça Eleitoral.
Na comparação entre as listas e os nomes de juízes só no Estado de São Paulo, apareceram dez "filiados". Todos eles disseram que as filiações ocorreram antes de ingressarem na carreira, demonstraram surpresa e prometeram tomar medidas para se desfiliar e apurar o assunto.
Também surgem procuradores da República filiados a legendas. De um grupo de 600 nomes pesquisados, quatro são oficialmente militantes partidários. Um deles, João Pedro de Sabóia Bandeira de Mello Filho, ocupa cargo no primeiro escalão do Ministério Público Federal, o de subprocurador-geral da República, em Brasília, com atuação na área de direito público do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
"Eu até ignorava que ainda estivesse filiado, porque há mais de dez anos eu enviei um ofício pedindo o cancelamento da minha filiação", afirmou ele.
E acrescentou: "Quando eu assinei a ficha de filiação do PMDB, eu nem imaginava fazer concurso para o Ministério Público. Era o tempo da ditadura, em 1970 e qualquer coisa. Nunca atuei em Justiça Eleitoral nem tive processo nenhum de interesse de partido na minha mão", explicou o subprocurador.
Os outros procuradores também negam militância partidária -e pelo menos um deles prometeu abrir um procedimento, já na semana passada, para que o assunto seja investigado. Ele disse que nunca foi filiado a nenhum partido político, embora seu título de eleitor e seu nome apareçam em listagem enviada ao TSE.
Mas a inflação partidária atinge indistintamente os eleitores, de autoridades anônimas. A professora de Lençóis Paulista (SP) Cibeli Maria Barim Fontelles Rios, 46, primeiro disse que a pessoa referida não podia ser ela. Depois de a reportagem ler o número do título de eleitor, disse ter ficado preocupada.
"Quem pode ter colocado o meu nome? Eu vou atrás para que tirem o meu nome. Nunca fui consultada, não assinei ficha de filiação e é um absurdo ver meu nome usado assim por um partido político", protestou a professora.
Rosângela Crescente Buratto trabalha em uma companhia aérea. Disse que foi convidada por algumas primas para se filiar ao PP, mas que ainda não havia se filiado. Disse ter ficado preocupada ao saber que seu nome constava da lista. "Nossa, então colocaram sem eu saber. Que estranho, porque nunca assinei nenhuma ficha de adesão nem moro mais em Mongaguá", explicou.
A dona-de-casa Marilúcia Trombeta Aniteli Guimarães, 43, de Alfredo Marcondes, no Estado de São Paulo, também mostrou-se surpresa com a notícia de sua filiação. Ela disse que nunca se ligou a nenhum partido e que não conhece nenhum político. "Não gosto de política. Nunca assinei nada. Nunca ninguém veio me perguntar nada."


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