São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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Inchaço garante vitória em convenções, diz peemedebista

DA REPORTAGEM LOCAL

Secretário-executivo do PMDB nacional e presidente do partido em Minas Gerais, o deputado federal Saraiva Felipe, 52, disse que o inchaço do número de filiados nos partidos é usado para manipular convenções municipais.
O deputado disse ter dado declarações à Folha porque "não suporta a hipocrisia".
 

Folha - Quais os objetivos dos partidos que inflam seu número de filiados?
Saraiva Felipe -
O inchaço do número de filiados corresponde, muitas vezes, a um processo de disputa local. Alguém quer, por exemplo, apoderar-se do partido para garantir determinada candidatura. Então, começa a "laçar" filiados. Conheço situações em que as filiações foram feitas por rua. Filiou todo mundo da rua Benedito Valadares, por exemplo. Foi de casa em casa, passou a lábia, pediu o título de eleitor e conseguiu filiar a rua inteira. O cara já faz isso antecipadamente.
Quando ele vai disputar a convenção, tem um número de filiados maior para garantir o comando do partido. Esse é um objetivo local, garantir a hegemonia no partido, na verdade, sem nenhum lastro de preocupação para que o filiado tenha consciência do passo que está dando, do que representa participar, integrar, como filiado, as fileiras de um partido. Não conhece o programa, nada.

Folha - É uma espécie de filiação de cabresto.
Felipe -
É uma filiação de cabresto para garantir vitórias em convenções municipais.

Folha - É uma forma de manipular a convenção?
Felipe -
Com certeza. Em geral, quem tem o comando do partido tem facilidade em controlar para que o comando não mude de mãos. Isso implica falta de democracia partidária.

Folha - Quais são os outros objetivos?
Felipe -
Um deles é o seguinte: o sujeito começa a exibir [números], começa a ter filiados para poder fundar um partido, em geral um partido pequeno, para cumprir a legislação de ter tantos mil filiados para registrar um partido. Mas, na verdade, as filiações são feitas assim também. Elas não têm nenhum significado político, partidário ou ideológico. São simplesmente para cumprir o rito de exigências para se fazer o registro.
Muitos desses partidos se transformam em partidos de aluguel, para promover a candidatura de uma pessoa só. "Eu sou o dono do partido". E já tivemos até casos de partido que acaba vendendo espaço para candidatos ou até vendendo horário da TV, através de coligações que, na verdade, são feitas "negocialmente", não à base de qualquer tipo de ideologia, compromisso programático.

Folha - O que é prometido à pessoa que vai se filiar nesse sistema?
Felipe -
Vai desde a relação pessoal, de amizade, até troca de favores. [Dizem]: "Se você se filiar ao meu partido, e eu tiver êxito, não sei o quê, eu posso ajudá-lo, arrumar emprego". Quando não, é oferecido algum benefício. Do mesmo jeito que se compra um voto com uma cesta básica, pode se comprar uma filiação com uma lata de óleo. Proporcionalmente, o voto vale mais do que a filiação, mas a filiação pode [ser obtida] com promessas ou até mesmo vínculo que implica algum tipo de troca. "Olha, filia aqui a família toda porque eu vou arrumar emprego para não sei quem". Hoje, uma grande moeda de troca, na situação de desemprego que existe, é a promessa de emprego.

Folha - Que casos mais marcantes o sr. se lembra dessas filiações feitas "a laço"?
Felipe -
No próprio PMDB, em Belo Horizonte, na década de 80, quando havia convenções entre vários grupos. Numa madrugada, por exemplo, alguém conseguiu arregimentar 500 filiados. Ou seja, filiação feita por atacado, vamos dizer assim.
Se a convenção fosse ser daqui a seis meses, havia então uma corrida em busca de filiações para se garantir vitória nas convenções municipais. Com isso, você tinha artificialmente milhares de filiações que praticamente brotavam da terra e que na verdade não tinham significado político.

Folha - Que medidas o sr. tem tomado para coibir essas práticas no PMDB?
Felipe -
Eu não tenho como chegar lá... Minas tem 853 municípios. O que nós temos cobrado dos diretórios, e temos tido êxito, é que eles façam uma espécie de peneira nas filiações e nos apresentem números mais razoáveis. Nós já tivemos casos de número de filiados em determinado município superior ao número de eleitores. Eu até pressuponho que tenha havido múltiplas filiações e sem controle, de tal forma que, se ninguém contestasse no cartório eleitoral -porque é proibida a dupla filiação-, ficava vigorando o grupo que tivesse mais votos numa convenção municipal.
Hoje temos 190 mil filiados, mas o PMDB de Minas já chegou a ter 2 milhões de filiados, para você ter uma idéia.

Folha - Nesse processo de limpeza o sr. chegou a encontrar pessoas mortas, ainda filiadas?
Felipe -
Muitas. O MDB foi fundado em 1966. Herdou automaticamente essas filiações. Quarenta anos depois, quando fomos fazer uma filtragem, havia um percentual considerável de defuntos filiados.

Folha - Qual a importância, para o processo eleitoral, de se alterar a legislação das filiações?
Felipe -
Primeiro, você tira esse caráter fisiológico de se tentar transformar o partido num mero cartório de controle numérico de votantes. Devia haver algum tipo de legislação que, na verdade, pertencer a algum partido significasse algum tipo de responsabilização. Como eu tenho deveres e obrigações como cidadão, significa que eu deveria deveres e obrigações de filiado. Além de ter uma campanha de conscientização que, se eu quiser fazer uma reforma política, que ela passasse no plano da filiação partidária.

Folha - Há filiados que nem sabem que estão filiados ou conhecem os objetivos da sigla?
Felipe -
Eu posso te assegurar que a maioria. Não tem a mínima idéia.

Folha - Segundo o TSE, o PMDB tem hoje 2 milhões de filiados. O sr. diria que quantos, realmente, são filiados de fato, militantes?
Felipe -
O partido tem no país mil e poucos prefeitos e uns 10 mil vereadores. Diria que, no fim, nós devemos ter, participando mesmo, uns 40 mil. (RV)


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