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MERCADO SOB SUSPEITA
Órgão não consegue rastrear destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização das corretoras e fundos
CVM quer ter acesso a informações do BC
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A discussão sobre a fiscalização
do mercado de capitais é benéfica,
mas precisa resultar num aprimoramento das leis e normas. A opinião é do presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários),
Marcelo Trindade. Ele ponderou
que hoje a CVM só tem acesso às
primeiras pontas de negócio: não
tem como seguir o rastro do dinheiro sem depender de outros
órgãos, o que facilita que o dinheiro irregular troque de mãos antes
de a fiscalização encontrá-lo.
Sobre as operações irregulares
entre fundos de pensão e corretoras investigadas pelas CPIs, ele foi
taxativo: "O regulador pode ter
duas atitudes diante de problemas de mercado: a covarde, que
significa uma proibição prévia, ou
a correta, que é fiscalizar bem".
Folha - O trabalho da CVM em relação à fiscalização das corretoras
tem sido criticado por conta dos escândalos envolvendo o caixa dois
de políticos. As críticas são justas?
Marcelo Trindade - Não me parece. Um terço dos inquéritos julgados por nós, de 2000 a 2005, foram
relativos a operações de corretoras. Isso prova que temos atuado
muito intensamente na fiscalização das atividades delas. São mais
de cem inspeções anuais nesse tipo de empresa, para verificar milhares de negócios em Bolsas de
Valores e na Bolsa de Mercadorias & Futuros. Evidentemente, é
possível que algumas operações
irregulares aconteçam sem que a
fiscalização seja capaz de identificá-las. A atuação, em geral, é boa.
Folha - A sobreposição de papéis
entre vários órgãos, como CVM, BC,
Coaf e PF, dificulta a fiscalização?
Trindade - Teoricamente, os papéis são claros e definidos na lei.
Pode acontecer de uma operação
despertar interesse de mais de um
fiscal. Isso não quer dizer que um
deles abrirá mão do poder de fiscalizar em favor de outro, porque
tanto BC como CVM têm obrigação de avisar o Ministério Público
de qualquer indício de crime.
Folha - Mas o excesso de fiscalizadores não cria conflitos?
Trindade - Não. Claro que poderia haver troca de informações.
Um dos pontos em que esse debate pode melhorar nossa atuação
futura é a CVM ter acesso não só a
100% das partes envolvidas nas
operações mas também à movimentação financeira que acontece
depois da liquidação dessas operações. Talvez o interesse do Congresso seja despertado para discutir novas leis que permitam à
CVM seguir o caminho do dinheiro numa operação suspeita.
Folha - Qual é a alteração legal
mais importante para a CVM?
Trindade - Essa, sem dúvida. A
explicitação desse direito de obter, independentemente de ordem judicial, o prosseguimento
financeiro da operação. O BC estaria autorizado a fazer essa remessa de informações à CVM.
Folha - O Brasil cuida muito dos
capitais que saem do país, mas
pouco do dinheiro ilegal que entra.
Falta regulamentação?
Trindade - É mais ou menos a
mesma coisa, numa amplitude
maior. Uma coisa é saber a movimentação financeira no Brasil, informação que o BC tem. Outra é
saber a movimentação financeira
fora do Brasil. Se a CVM tiver esse
poder legal, ela poderá assinar o
memorando de entendimento
que foi objeto de uma decisão da
Iosco [International Organization
of Securities Comissions], que é a
organização mundial das CVMs.
É um memorando de troca de informações. Por enquanto, não
podemos assiná-lo e não temos o
direito de obter informações financeiras fora do Brasil. A CVM
não tem autonomia para dar reciprocidade e fornecer as informações dentro do Brasil.
Folha - Facilitaria a troca de informações com paraísos fiscais?
Trindade - Não, isso não atinge
os paraísos fiscais porque eles não
fazem parte da Iosco. Essa é uma
dificuldade de outra natureza. O
cerco mundial sobre capital não-identificado está se apertando. Os
EUA têm sido muito enfáticos
nessa preocupação, principalmente após o 11 de Setembro. O
Brasil depende muito de capitais
do exterior e alguns vêm de veículos que se localizam em paraísos
fiscais, onde a informação sobre o
beneficiário final não fica disponível para a CVM. É um problema
macro, não cabe a nós resolvê-lo.
Esse é um problema mundial.
Folha - A CVM encontra mais problemas em corretoras pequenas do
que nas grandes. Por quê?
Trindade - Há dois fatores. O primeiro é que manter uma corretora no Brasil é muito caro. As regras implicam custos e há quem
queira burlar as normas para se
manter -o que não serve como
justificativa para descumprimento da lei. Se a corretora não tem
como arcar com os custos da atividade, está na hora de ela sair do
mercado. A outra hipótese é que
as regras sejam descumpridas por
fraude pura e simples. Nos dois
casos, cabe à CVM punir.
Folha - Não seria melhor proibir a
existência de corretoras pequenas?
Trindade - O regulador pode ter
duas atitudes diante de problemas de mercado: a covarde, que
significa uma proibição prévia, ou
a correta, que é fiscalizar bem. Seria mais fácil proibir a existência
de corretoras pequenas, porque
haveria menos empresas desse tipo para serem fiscalizadas. Mas
isso seria muito ruim para o mercado porque as corretoras pequenas contribuem para a competição e, portanto, elas asseguram
um menor custo para os investidores em geral. As corretoras menores têm um papel importante
de capilaridade, na busca de nichos de mercado que não interessam às corretoras grandes. Há
pessoas que talvez não tivessem
acesso ao mercado de capitais não
fossem as corretoras pequenas.
Folha - São adequadas as normas
que regem o mercado de capitais?
Trindade - As regras são muito
boas. No momento, há a percepção de que algumas operações irregulares aconteceram, mas não
se pode esquecer que centenas de
milhares de operações legais
ocorreram no mesmo período. O
padrão de atuação do mercado
brasileiro é muito bom. Tanto a
Bolsa de Valores quanto a BM&F
têm investido na informatização e
no controle das operações e atendido aos pedidos da CVM de melhoria na fiscalização. A CVM tem
sido rigorosa nas punições. Desde
1997, as penas são bastante altas.
Folha - Foram detectadas operações de "esquenta-esfria" envolvendo fundos de pensão?
Trindade - A CVM não se manifesta sobre processos em curso, a
não ser sob condições excepcionais. Posso dizer apenas que, ao
serem investigadas pela CPI, essas
corretoras automaticamente passam a estar sob a nossa lupa.
Folha - Essas fraudes são simples
ou envolvem triangulações?
Trindade - A sofisticação não
acontece apenas com quem atua
de acordo com a lei, todavia hoje é
muito mais difícil fazer essas operações sem que elas sejam detectadas do que era há dez anos. A
CVM acompanha eletronicamente, em tempo real, as operações da
BM&F. Os ativos sem liquidez
chamam a atenção da CVM e é
geralmente com esses ativos que a
operação se verifica. Estamos caminhando bem, porque temos tido uma diminuição progressiva
desse tipo de operação.
Folha - O fato de o Congresso não
ter aprovado a Previc, que fiscalizaria os fundos de pensão, tornou
mais difíceis as investigações?
Trindade - A não-aprovação da
medida provisória foi ruim para o
país. A falta de um órgão mais
aparelhado tem gerado queixas
no próprio Congresso, que aparentemente acha que a fiscalização dos fundos de pensão poderia
ter sido mais bem feita pela CVM
e pela SPC. Quanto mais se aparelharem esses órgãos, melhor fiscalizado esse mercado estará. O
debate no Congresso tem essa utilidade: fazer com que todos percebam a importância da fiscalização
adequada do mercado de capitais.
Folha - A CVM tem um quadro
funcional grande o bastante para
fiscalizar o mercado brasileiro?
Trindade - No começo deste ano,
nós repusemos integralmente os
quadros de nível superior e, até o
final de dezembro, faremos concurso para repor os quadros de
nível médio. Com isso, vamos ter
mais de 500 funcionários. Os recursos da CVM são razoáveis e o
Orçamento tem sido preservado.
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