São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2005

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MERCADO SOB SUSPEITA

Órgão não consegue rastrear destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização das corretoras e fundos

CVM quer ter acesso a informações do BC

JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A discussão sobre a fiscalização do mercado de capitais é benéfica, mas precisa resultar num aprimoramento das leis e normas. A opinião é do presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Marcelo Trindade. Ele ponderou que hoje a CVM só tem acesso às primeiras pontas de negócio: não tem como seguir o rastro do dinheiro sem depender de outros órgãos, o que facilita que o dinheiro irregular troque de mãos antes de a fiscalização encontrá-lo.
Sobre as operações irregulares entre fundos de pensão e corretoras investigadas pelas CPIs, ele foi taxativo: "O regulador pode ter duas atitudes diante de problemas de mercado: a covarde, que significa uma proibição prévia, ou a correta, que é fiscalizar bem".
 

Folha - O trabalho da CVM em relação à fiscalização das corretoras tem sido criticado por conta dos escândalos envolvendo o caixa dois de políticos. As críticas são justas?
Marcelo Trindade -
Não me parece. Um terço dos inquéritos julgados por nós, de 2000 a 2005, foram relativos a operações de corretoras. Isso prova que temos atuado muito intensamente na fiscalização das atividades delas. São mais de cem inspeções anuais nesse tipo de empresa, para verificar milhares de negócios em Bolsas de Valores e na Bolsa de Mercadorias & Futuros. Evidentemente, é possível que algumas operações irregulares aconteçam sem que a fiscalização seja capaz de identificá-las. A atuação, em geral, é boa.

Folha - A sobreposição de papéis entre vários órgãos, como CVM, BC, Coaf e PF, dificulta a fiscalização?
Trindade -
Teoricamente, os papéis são claros e definidos na lei. Pode acontecer de uma operação despertar interesse de mais de um fiscal. Isso não quer dizer que um deles abrirá mão do poder de fiscalizar em favor de outro, porque tanto BC como CVM têm obrigação de avisar o Ministério Público de qualquer indício de crime.

Folha - Mas o excesso de fiscalizadores não cria conflitos?
Trindade -
Não. Claro que poderia haver troca de informações. Um dos pontos em que esse debate pode melhorar nossa atuação futura é a CVM ter acesso não só a 100% das partes envolvidas nas operações mas também à movimentação financeira que acontece depois da liquidação dessas operações. Talvez o interesse do Congresso seja despertado para discutir novas leis que permitam à CVM seguir o caminho do dinheiro numa operação suspeita.

Folha - Qual é a alteração legal mais importante para a CVM?
Trindade -
Essa, sem dúvida. A explicitação desse direito de obter, independentemente de ordem judicial, o prosseguimento financeiro da operação. O BC estaria autorizado a fazer essa remessa de informações à CVM.

Folha - O Brasil cuida muito dos capitais que saem do país, mas pouco do dinheiro ilegal que entra. Falta regulamentação?
Trindade -
É mais ou menos a mesma coisa, numa amplitude maior. Uma coisa é saber a movimentação financeira no Brasil, informação que o BC tem. Outra é saber a movimentação financeira fora do Brasil. Se a CVM tiver esse poder legal, ela poderá assinar o memorando de entendimento que foi objeto de uma decisão da Iosco [International Organization of Securities Comissions], que é a organização mundial das CVMs. É um memorando de troca de informações. Por enquanto, não podemos assiná-lo e não temos o direito de obter informações financeiras fora do Brasil. A CVM não tem autonomia para dar reciprocidade e fornecer as informações dentro do Brasil.

Folha - Facilitaria a troca de informações com paraísos fiscais?
Trindade -
Não, isso não atinge os paraísos fiscais porque eles não fazem parte da Iosco. Essa é uma dificuldade de outra natureza. O cerco mundial sobre capital não-identificado está se apertando. Os EUA têm sido muito enfáticos nessa preocupação, principalmente após o 11 de Setembro. O Brasil depende muito de capitais do exterior e alguns vêm de veículos que se localizam em paraísos fiscais, onde a informação sobre o beneficiário final não fica disponível para a CVM. É um problema macro, não cabe a nós resolvê-lo. Esse é um problema mundial.

Folha - A CVM encontra mais problemas em corretoras pequenas do que nas grandes. Por quê?
Trindade -
Há dois fatores. O primeiro é que manter uma corretora no Brasil é muito caro. As regras implicam custos e há quem queira burlar as normas para se manter -o que não serve como justificativa para descumprimento da lei. Se a corretora não tem como arcar com os custos da atividade, está na hora de ela sair do mercado. A outra hipótese é que as regras sejam descumpridas por fraude pura e simples. Nos dois casos, cabe à CVM punir.

Folha - Não seria melhor proibir a existência de corretoras pequenas?
Trindade -
O regulador pode ter duas atitudes diante de problemas de mercado: a covarde, que significa uma proibição prévia, ou a correta, que é fiscalizar bem. Seria mais fácil proibir a existência de corretoras pequenas, porque haveria menos empresas desse tipo para serem fiscalizadas. Mas isso seria muito ruim para o mercado porque as corretoras pequenas contribuem para a competição e, portanto, elas asseguram um menor custo para os investidores em geral. As corretoras menores têm um papel importante de capilaridade, na busca de nichos de mercado que não interessam às corretoras grandes. Há pessoas que talvez não tivessem acesso ao mercado de capitais não fossem as corretoras pequenas.

Folha - São adequadas as normas que regem o mercado de capitais?
Trindade -
As regras são muito boas. No momento, há a percepção de que algumas operações irregulares aconteceram, mas não se pode esquecer que centenas de milhares de operações legais ocorreram no mesmo período. O padrão de atuação do mercado brasileiro é muito bom. Tanto a Bolsa de Valores quanto a BM&F têm investido na informatização e no controle das operações e atendido aos pedidos da CVM de melhoria na fiscalização. A CVM tem sido rigorosa nas punições. Desde 1997, as penas são bastante altas.

Folha - Foram detectadas operações de "esquenta-esfria" envolvendo fundos de pensão?
Trindade -
A CVM não se manifesta sobre processos em curso, a não ser sob condições excepcionais. Posso dizer apenas que, ao serem investigadas pela CPI, essas corretoras automaticamente passam a estar sob a nossa lupa.

Folha - Essas fraudes são simples ou envolvem triangulações?
Trindade -
A sofisticação não acontece apenas com quem atua de acordo com a lei, todavia hoje é muito mais difícil fazer essas operações sem que elas sejam detectadas do que era há dez anos. A CVM acompanha eletronicamente, em tempo real, as operações da BM&F. Os ativos sem liquidez chamam a atenção da CVM e é geralmente com esses ativos que a operação se verifica. Estamos caminhando bem, porque temos tido uma diminuição progressiva desse tipo de operação.

Folha - O fato de o Congresso não ter aprovado a Previc, que fiscalizaria os fundos de pensão, tornou mais difíceis as investigações?
Trindade -
A não-aprovação da medida provisória foi ruim para o país. A falta de um órgão mais aparelhado tem gerado queixas no próprio Congresso, que aparentemente acha que a fiscalização dos fundos de pensão poderia ter sido mais bem feita pela CVM e pela SPC. Quanto mais se aparelharem esses órgãos, melhor fiscalizado esse mercado estará. O debate no Congresso tem essa utilidade: fazer com que todos percebam a importância da fiscalização adequada do mercado de capitais.

Folha - A CVM tem um quadro funcional grande o bastante para fiscalizar o mercado brasileiro?
Trindade -
No começo deste ano, nós repusemos integralmente os quadros de nível superior e, até o final de dezembro, faremos concurso para repor os quadros de nível médio. Com isso, vamos ter mais de 500 funcionários. Os recursos da CVM são razoáveis e o Orçamento tem sido preservado.


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