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CAMINHO DAS ÁGUAS
Governo rebate críticas dizendo que transposição do São Francisco é única saída para futura falta de água
Para opositores, projeto vai apenas "chover no molhado"
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA
O projeto do governo federal de
transposição das águas do rio São
Francisco também é polêmico entre especialistas em recursos hídricos. Há opiniões divergentes
sobre a própria disponibilidade
hídrica do rio e dos efeitos da obra
para o combate à seca.
Entre os contrários, há a opinião
de que o projeto vai apenas "chover no molhado", levando água
aonde já existe, e que ele não passa de jogada político-eleitoral para a reeleição do presidente Lula.
Do lado do governo, os que defendem a obra acreditam que esta
será a única saída para garantir,
daqui a 20 ou 30 anos, o crescimento econômico e o abastecimento humano da região do Nordeste que será beneficiada.
As divergências começam pelos
próprios números relativos ao rio.
Para Cássio Borges, engenheiro
civil de Fortaleza especializado
em recursos hídricos, que atuou
no Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) durante 35 anos, a retirada de 26
m3/s de água não vai afetar em nada o volume do rio, porque a sobra ainda é muito maior. O volume de 26 m3/s (1 m3 equivale a
1.000 litros) foi estipulado como a
vazão mínima a ser retirada após
a barragem de Sobradinho (BA),
com a vazão da água regulada.
"Em qualquer obra desse porte,
há aspectos positivos e negativos,
mas, neste caso, o saldo positivo
será bem maior", diz Borges.
"Imagine se houver uma seca longa, de até oito anos, como já aconteceu na década de 50 e como há
prognósticos de que aconteça ainda nesta década. Com os recursos
hídricos hoje existentes, haveria
um colapso. Com a transposição,
a história seria diferente."
Segundo ele, o volume fixado
como a vazão mínima ainda disponível para uso do rio, de 360
m3/s, é bem inferior à realidade.
"No meu entendimento, se subtrairmos a vazão ecológica, que é
o mínimo a ser despejado no mar
para o equilíbrio ambiental, e o
que hoje está em uso, sobrariam
pelo menos 1.200 m3/s de água, levando-se em conta os registros
históricos do rio. A retirada de 26
m3/s não vai afetar nada."
Opositores
Para o pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, a água é insuficiente e a obra é muito cara: "O
Nordeste tem 70 mil represas,
com 37 bilhões de m3/s acumulados. Só o Ceará tem a metade disso, e as águas do São Francisco
vão justamente para onde já tem
água, como o açude do Castanhão. É chover no molhado".
Para Suassuna, o ideal seria que
primeiro fossem esgotados todos
os esforços para o abastecimento
sustentável em cada localidade
carente, incluindo a busca por reservatórios subterrâneos e a construção de novos açudes e adutoras, para só depois se verificar a
real necessidade da transposição
das águas do São Francisco.
"São R$ 4,5 bilhões que serão injetados no Nordeste. Isso aí reelege um presidente", afirmou.
Para o professor João Abner
Guimarães, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sobra água na região que será beneficiada pela obra. "O Ceará, por
exemplo, tem capacidade para
atender quatro vezes a sua demanda; o Rio Grande do Norte,
duas vezes; a Paraíba, uma vez e
meia. O que não existe é infra-estrutura para fazer chegar essa
água, e, mesmo com a transposição, continuará da mesma forma." Ele concorda com Suassuna
ao afirmar que o projeto, como foi
feito, vai fazer "chover no molhado". "O povo que precisa mesmo
de água está longe, a 200 km, e essa água não vai chegar até eles, só
onde já tem água", disse.
Guimarães afirma não ser totalmente contra a idéia de transposição, mas a defende somente nos
locais onde ele entende que isso
seja realmente necessário.
"Talvez no caso de Campina
Grande (PB) e Caruaru (PE) essa
obra fosse necessária, mas é preciso que haja mais debate", disse.
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