São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Governo rebate críticas dizendo que transposição do São Francisco é única saída para futura falta de água

Para opositores, projeto vai apenas "chover no molhado"

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

O projeto do governo federal de transposição das águas do rio São Francisco também é polêmico entre especialistas em recursos hídricos. Há opiniões divergentes sobre a própria disponibilidade hídrica do rio e dos efeitos da obra para o combate à seca.
Entre os contrários, há a opinião de que o projeto vai apenas "chover no molhado", levando água aonde já existe, e que ele não passa de jogada político-eleitoral para a reeleição do presidente Lula.
Do lado do governo, os que defendem a obra acreditam que esta será a única saída para garantir, daqui a 20 ou 30 anos, o crescimento econômico e o abastecimento humano da região do Nordeste que será beneficiada.
As divergências começam pelos próprios números relativos ao rio. Para Cássio Borges, engenheiro civil de Fortaleza especializado em recursos hídricos, que atuou no Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) durante 35 anos, a retirada de 26 m3/s de água não vai afetar em nada o volume do rio, porque a sobra ainda é muito maior. O volume de 26 m3/s (1 m3 equivale a 1.000 litros) foi estipulado como a vazão mínima a ser retirada após a barragem de Sobradinho (BA), com a vazão da água regulada.
"Em qualquer obra desse porte, há aspectos positivos e negativos, mas, neste caso, o saldo positivo será bem maior", diz Borges. "Imagine se houver uma seca longa, de até oito anos, como já aconteceu na década de 50 e como há prognósticos de que aconteça ainda nesta década. Com os recursos hídricos hoje existentes, haveria um colapso. Com a transposição, a história seria diferente."
Segundo ele, o volume fixado como a vazão mínima ainda disponível para uso do rio, de 360 m3/s, é bem inferior à realidade. "No meu entendimento, se subtrairmos a vazão ecológica, que é o mínimo a ser despejado no mar para o equilíbrio ambiental, e o que hoje está em uso, sobrariam pelo menos 1.200 m3/s de água, levando-se em conta os registros históricos do rio. A retirada de 26 m3/s não vai afetar nada."

Opositores
Para o pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, a água é insuficiente e a obra é muito cara: "O Nordeste tem 70 mil represas, com 37 bilhões de m3/s acumulados. Só o Ceará tem a metade disso, e as águas do São Francisco vão justamente para onde já tem água, como o açude do Castanhão. É chover no molhado".
Para Suassuna, o ideal seria que primeiro fossem esgotados todos os esforços para o abastecimento sustentável em cada localidade carente, incluindo a busca por reservatórios subterrâneos e a construção de novos açudes e adutoras, para só depois se verificar a real necessidade da transposição das águas do São Francisco.
"São R$ 4,5 bilhões que serão injetados no Nordeste. Isso aí reelege um presidente", afirmou.
Para o professor João Abner Guimarães, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sobra água na região que será beneficiada pela obra. "O Ceará, por exemplo, tem capacidade para atender quatro vezes a sua demanda; o Rio Grande do Norte, duas vezes; a Paraíba, uma vez e meia. O que não existe é infra-estrutura para fazer chegar essa água, e, mesmo com a transposição, continuará da mesma forma." Ele concorda com Suassuna ao afirmar que o projeto, como foi feito, vai fazer "chover no molhado". "O povo que precisa mesmo de água está longe, a 200 km, e essa água não vai chegar até eles, só onde já tem água", disse.
Guimarães afirma não ser totalmente contra a idéia de transposição, mas a defende somente nos locais onde ele entende que isso seja realmente necessário.
"Talvez no caso de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) essa obra fosse necessária, mas é preciso que haja mais debate", disse.


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