São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Coordenador da transição e nome tido como certo no governo Lula admite ainda manter CPMF e descarta controle de capitais

Palocci cogita perda de trabalhador em pacto

Sérgio Lima/Folha Imagem
O coordenador da equipe de transição, Antônio Palocci Filho, no Centro de Treinamento do BB


GUILHERME BARROS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Antônio Palocci Filho, 42, acostumou-se a atropelar dogmas de seu partido, o PT, desde que, no seu primeiro mandato na Prefeitura de Ribeirão Preto, abriu caminho para a privatização da empresa municipal de telefonia.
No comando da equipe de transição e nome dado como certo no comando da equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva, o médico Palocci se tornou um símbolo do "novo PT", o que não assusta o mercado. Em entrevista concedida à Folha na última quarta, ele traça os caminhos do governo Lula com idéias que arrepiam os petistas mais tradicionais.
Está fora da agenda, por exemplo, uma antiga bandeira do partido, a elevação do Imposto de Renda para as classes alta e média alta -na campanha, Lula chegou a falar num IR de até 50%.
A permanência da CPMF e seus R$ 20 bilhões anuais não está descartada; não haverá nenhum tipo de controle de capitais; no pacto social imaginado pelo governo eleito, os trabalhadores também terão sua cota de sacrifício.
As reformas tributária e da Previdência, que o governo Fernando Henrique Cardoso não quis e não conseguiu, respectivamente, levar adiante, são, para Palocci, a chave para o novo modelo econômico que o PT quer construir.
A seguir, os principais trechos.
 

Folha - Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu com promessas e compromissos ambiciosos. O que vai dar para fazer logo?
Antônio Palocci Filho -
O presidente Lula colocou o combate à fome presidindo os programas do novo governo. As ações sociais serão feitas de acordo com as possibilidades, as restrições e as emergências. Mas educação, saúde, renda e segurança têm de ser iniciadas já no primeiro ano.

Folha - Os atuais programas sociais vão mudar?
Palocci -
Hoje, os programas de renda do governo estão pulverizados. Há um conjunto enorme de programas em vários ministérios e às vezes cruzando as mesmas famílias. Estudamos integrá-los.

Folha - O Fome Zero pretende empregar até R$ 20 bilhões anuais, R$ 5 bilhões em 2003. Há dinheiro?
Palocci -
Só podemos saber com a aprovação do Orçamento e o comportamento das receitas.

O PT está dividido quanto ao Fome Zero. Haveria distribuição de cupons, depois decidiram por cartões eletrônicos. Não se sabe se o dinheiro será usado livremente ou se será gasto na compra de alimentos, como era a idéia original.
Palocci -
Isso é uma coisa que está sendo desenhada, há várias opiniões, é uma discussão sem fim. Na minha opinião, quando você destina o recurso para a mulher da família, o problema está completamente resolvido.

Folha - O economista José Graziano, coordenador do projeto, tem opinião diferente.
Palocci -
Ele tem, no detalhe, algumas opiniões diferentes, mas isso não é problema. Vamos construir um formato de programa, vamos apresentar ao presidente e ele vai resolver.

Folha - Mas chama a atenção que um projeto lançado há um ano e apresentado na campanha como prioridade das prioridades ainda esteja indefinido.
Palocci -
Já não havia consenso quando o projeto foi lançado.

Folha - O PT tem dito que a primeira reforma a ser lançada será a tributária, um dos temas de mais difícil discussão no Congresso. O que se pretende?
Palocci -
O ICMS, por exemplo, tem hoje 27 leis e 44 alíquotas. Se esse tributo for simplificado em uma única lei federal, a receita continuando com os Estados, com cinco ou seis alíquotas, seu peso será reduzido.

Folha - O secretário da Receita, Everardo Maciel, aprova?
Palocci -
O Everardo defende que não mude nada [risos".

Folha - O Everardo acha que imposto bom é imposto velho.
Palocci -
Ele não deixa de ter uma certa razão [risos". Mas, quando o imposto é velho e deformado, não é bom. Com a simplificação do ICMS, a arrecadação subirá pelo menos 10%.

Folha - Mas os governadores vão perder autonomia.
Palocci -
Não! Os governadores vão construir a lei com o governo federal. O ICMS tem de ser um imposto de características nacionais. A guerra fiscal, que resulta de cada Estado fazer seu imposto, nunca fez bem para a economia brasileira. Se há um grau de perda de autonomia, há a vantagem de uma legislação melhor.

Folha - A CPMF vai acabar?
Palocci -
Teremos de resolver. O efeito arrecadatório da CPMF [a alíquota de 0,38%" termina em 2003, a partir de 2004 fica só o efeito de fiscalização [alíquota de 0,08%". Isso é uma perda de receita de quase R$ 20 bilhões, que o governo ou resolve na reforma tributária com outros instrumentos ou tem de manter a CPMF.

Folha - E a idéia de criar alíquotas mais altas para o Imposto de Renda da Pessoa Física?
Palocci -
Numa reforma tributária, pode-se debater uma nova tabela do IR. Mas, no Brasil, uma alíquota máxima próxima de 30%, como há hoje [o PT quer suspender a redução de 27,5% para 25% marcada para 2003", está de bom tamanho. O Estado brasileiro não garante saúde e educação para toda a população. Quando o Estado garante esses serviços, justifica-se um imposto maior. No mundo civilizado é assim. Mundo civilizado não, é melhor mundo desenvolvido.

Folha - Mas o PT propõe tornar efetiva a universalização dos serviços públicos.
Palocci -
Mas a realidade, hoje, não é essa.

Folha - Na economia, a realidade vai mudar?
Palocci -
O Brasil tem a chance de experimentar um momento de desenvolvimento, um ciclo virtuoso. Há uma transição a fazer.

Folha - Qual é o caminho?
Palocci -
Reformas tributária e previdenciária são questões fundamentais. Além disso, é preciso uma ação forte para a exportação e a substituição de importações. Em terceiro lugar, políticas de renda e de mercado interno.

Folha - Estímulo à exportação significa incentivo fiscal e subsídios?
Palocci -
Um exemplo simples: um pequeno agricultor, se compra um trator, paga 5% de IPI. Esse é um imposto de má qualidade. Deixa o produtor produzir, deixa ganhar bastante dinheiro. Depois tributa a renda dele. Talvez você arrecade o dobro.

Folha - E a substituição de importações?
Palocci -
Pode-se financiar a produção de componentes que são importados hoje e têm impacto na balança. O setor de telecomunicações é altamente deficitário. Poderia ter havido um acordo, na privatização, para a produção de componentes no Brasil.

Folha - Dá para fazer isso?
Palocci -
Dá para negociar. Agora que já está tudo contratado, o que se pode fazer são acordos com esses setores.

Folha - Em 2003, com a crise internacional, não será preciso ajustar a balança e sacrificar o crescimento?
Palocci -
Não sei, vamos torcer para que não. Isso vai depender do mercado mundial, ao qual o Brasil é muito sensível.

Folha - O PT defende uma reforma trabalhista para reduzir a informalidade. Será preciso reduzir direitos?
Palocci -
É um grande acordo que tem de ser feito. Vamos deixar que os agentes sociais participem. Não é só o trabalhador ceder à empresa, a empresa ceder ao governo nem o governo ceder aos dois. É a possibilidade ou não de um esforço comum em que todos podem perder um pouco para ganhar muito na evolução de um acordo como esse.

Folha - A idéia de autonomia do Banco Central foi esvaziada?
Palocci -
Nós somos contra a independência do BC, mas um nível de autonomia operacional é visto com naturalidade no partido. Não digo que o presidente Lula vá lançar mão disso agora.

Folha - O PT pretende fazer algo em relação às contas CC-5, uma forma de fuga de divisas do país?
Palocci -
Controle de capital está fora da nossa agenda.

Folha - O BNDES pode emprestar para multinacionais?
Palocci -
Se for para produzir, não tem problema.



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