São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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QUESTÃO AGRÁRIA

Direção do movimento em SP punirá líder do Pontal; caso expõe disputa entre "nordestinos" e "sulistas"

Julgamento de Rainha pode rachar o MST

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

Um julgamento político pode expor a público, nesta semana, a disputa interna que ameaça rachar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No centro da disputa está José Rainha Jr., 42, o polêmico líder do MST na região do Pontal do Paranapanema (extremo oeste de SP).
A direção estadual do MST vai definir qual punição será aplicada a Rainha, que saiu da cadeia na quarta passada depois de ficar mais de dois meses preso sob acusação de formação de quadrilha. Ele pode ser deixar de ser coordenador, por exemplo, e os resultados de tal ação são imprevisíveis.
Oficialmente, Rainha será julgado por excessos e por ter tomado muitos riscos em ações no Pontal -só neste ano, além de preso, Rainha foi baleado e liderou a "invasão" de Presidente Prudente.
Essa é a alegação do MST, que suspendeu Rainha em julho. Mas o que estará em pauta também será a acusação de malversação das verbas da cooperativa dos assentados de Teodoro Sampaio, no Pontal, controlada por Rainha, que nega haver irregularidade.
Na reunião para julgá-lo, Rainha estará frente a frente com dirigentes do MST no Pontal e o líder considerado seu principal antípoda no movimento, Gilmar Mauro, 31, que é da coordenação nacional e estadual paulista. No movimento, ambos nutrem antipatia mútua cada vez maior.
Ambos encarnam a crescente divisão dos sem-terra entre os chamados MST Nordeste, que engloba lideranças consideradas "de ação", e MST Sul, cujos expoentes são mais ligados a questões políticas e ideológicas. Na direção nacional, composta por 24 membros e eleita por cerca de 60 coordenadores nacionais, os "sulistas" têm cerca de 60% dos assentos.
Rainha já deu seu recado, ao sair da prisão: não aceita deixar o Pontal "por imposição de ninguém". E falou em nome do MST sobre novas etapas de luta na região, o que pode ser interpretado como rebeldia em relação à coordenação estadual, já que a suspensão o proibia de exercer atividade em nome do movimento.
Visivelmente magoado com o fato de sua suspensão ter sido divulgada enquanto estava preso, Rainha tem evitado comentar o assunto. Mas está na ofensiva.
Desde que saiu da prisão, tem feito visitas a todos os assentamentos e acampamentos do Pontal, onde é recebido com festa -de quinta até hoje estavam agendados cinco churrascos comemorativos à sua liberdade.
A tática é clara: mostrar à direção estadual do MST que detém o "controle das massas" e que não deixará o Pontal facilmente.
A divisão interna implica idéias diferentes sobre como fazer a reforma agrária. Os "nordestinos", grupo ao qual Rainha se filia, pregam a postura mais agressiva. Já os "sulistas", de Gilmar Mauro e o ideólogo do MST João Pedro Stedile, preferem negociação e articulação política.
No Pontal, apesar de Rainha ser o nome mais conhecido, seu grupo é minoritário na direção regional, mas compensa isso com amplo apoio entre dirigentes de grupos em assentamentos e acampamentos e nas instâncias municipais -o baixo clero do mundo dos sem-terra, extremamente fragmentário e no qual as decisões são geralmente autônomas.
Na regional do Pontal, os principais líderes "sulistas" são Valmir Rodrigues Chaves, Zelitro Luz da Silva, Márcio Barreto e Cido Maia. Felinto Procópio, o "Mineirinho", tende a apoiar os "nordestinos", mas aparenta neutralidade. Rainha conta com Sérgio Pantaleão e lideranças em nível municipal. A Agência Folha apurou que a direção estadual quer transferir Pantaleão e Uéslei Alemão, outro nome ligado a Rainha, para outros pontos do Estado. A idéia é minar a influência do líder recém-libertado.
Manoel Messias Bispo de Oliveira, liderança no assentamento Primavera, em Presidente Venceslau, sintetiza a ascendência de Rainha. "Não existe MST no Pontal sem Rainha. Não vamos admitir qualquer punição ou o afastamento dele da região", disse.
Oliveira disse que Gilmar Mauro terá que ouvir "o povo que acampa e que sofre as consequências disso, e respeitar a vontade desse povo".
João Paulo Rodrigues, da direção nacional e oriundo do Pontal, diz que "a situação do Rainha ainda não chegou à nacional. A instância de decisão é São Paulo".
Para ele, não há exatamente um racha em curso. "Existem sim características de dirigentes, uns são mais orgânicos, organizativos, outros são de massa, como o Rainha Jr., que é carismático e respeitado por todos. Isso soma e não divide o movimento."
Outro líder nacional, Jaime Amorim, de Pernambuco, também minimiza a crise. "Se enfrentamos o governo FHC sem divisões, agora é que a unidade vai ser maior ainda, pois vamos enfrentar um novo tempo com Lula na Presidência". Amorim disse que o impasse vivido no Pontal "será superado".
A reunião desta semana no Pontal deverá mostrar o quão superável é a rixa. Nenhum conhecedor do mundo dos sem-terra arriscaria dizer qual o resultado de um racha mais profundo, porque até hoje o MST não deu cria a nenhum movimento rival de porte -mas também nunca uma dissidência teve um líder popular como Rainha.



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