São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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"Não me julgo acima de suspeitas"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em um sinal de que pretende permanecer à frente da política econômica, o ministro Antonio Palocci Filho rebateu ontem denúncias de corrupção e aproveitou a ida ao Senado para pedir apoio a um esforço fiscal de longo prazo -tema de divergência pública com a colega Dilma Rousseff (Casa Civil), apontada como um dos fatores de enfraquecimento no cargo.
"Eu disse à minha colega, a ministra Dilma, que ela estava errada nesse debate", relatou. Segundo Palocci, a única alternativa a um compromisso de dez anos de contenção dos gastos públicos será o aumento da carga tributária.
Durante o depoimento à CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, antecipado a pedido do governo para aplacar o nervosismo do mercado, o ministro se disse alvo de uma "devassa" por parte do Ministério Público e da Polícia Civil, que vasculharam contratos da época em que era prefeito da cidade.
Palocci negou com veemência e de maneira genérica acusações de caixa dois e de tráfico de influência que envolvem ex-assessores na prefeitura, mas não conseguiu descartar uma futura convocação para depor na CPI dos Bingos.
"Seria uma ilusão imaginar que sua vinda aqui eliminaria a ida à CPI", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), ao anunciar o acordo selado pouco antes por PSDB e PFL -principais partidos de oposição. Pelo acordo, o ministro não seria cobrado ali a responder às denúncias de corrupção.
As investigações já derrubaram um de seus assessores na Fazenda (Juscelino Dourado) e levarão outro (Ademirson Ariovaldo de Souza) à CPI dos Bingos. Também são investigados dois de seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto (Rogério Buratti e Vladimir Poleto).
A oposição apresentou requerimento de convocação do ministro à CPI dos Bingos, ainda não votado. Palocci disse não se opor à convocação: "Não me julgo acima de qualquer suspeita".
Durante o depoimento, Palocci recebeu orientação, por mais de uma vez, do secretário-executivo Murilo Portugal, que já freqüentou a lista de possíveis sucessores do ministro da Fazenda. Sentaram-se à mesa, com o ministro, o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e os ex-presidentes José Sarney (PMDB-AP) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Um princípio de tumulto interrompeu rapidamente a sessão no início da noite. Um pequeno grupo de supostos estudantes, com nariz de palhaço, ergueu cartazes onde se lia "O povo não é palhocci". O grupo foi retirado da sala por seguranças.

DENÚNCIAS No início da sessão, em pronunciamento de mais de 50 minutos, o ministro disse que falaria sobre questões que "ferem nossa honra como pessoa, como pai e como profissional". Mais adiante, reproduziu o tom da entrevista coletiva que concedeu em agosto, a primeira vez em que negou denúncias feitas pelo ex-assessor Rogério Buratti, de pagamento de mesada na Prefeitura de Ribeirão Preto: "A acusação é falsa. E não será comprovada. Sei o que fiz e sei o que não fiz, e isso eu não fiz".
Palocci disse que teve dissabores com sua equipe na prefeitura, mas que as denúncias de tráfico de influência, se confirmadas, não teriam passado de "eventuais lobbies malsucedidos".
O ministro contou ter pedido a colaboração de empresários à campanha de Lula ao Planalto, em 2002, mas disse que nunca foi intermediário de dinheiro para a campanha. "Não há recursos de Cuba na campanha do governo Lula, não há recursos de Angola (...) ou das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]."

DEVASSA Palocci citou como exemplo de devassa o fato de a investigação em Ribeirão ter solicitado a remessa de todos os contratos de sua gestão na prefeitura. "A Constituição diz que isso é devassa, não fiscalização. A Constituição diz que a investigação deve ter foco", afirmou. Ele reclamou ainda que a gravação do depoimento de Buratti ao Ministério Público de São Paulo e à Polícia Civil teria sido entregue a uma TV. "Quando isso acontece, enxergo interesse político por trás das instituições."

CONFRONTO COM DILMA A primeira menção à disputa com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) em torno da política fiscal veio do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), antes mesmo do início da exposição de Palocci: "Dou [ao ministro] inteira solidariedade nessa sua discussão com a ministra Dilma. Vossa Excelência está certo, e ela está errada."
A primeira referência de Palocci à ministra foi indireta: "Não estamos enxugando gelo, como acreditam alguns", disse, citando expressão utilizada recentemente por Dilma para caracterizar a ineficácia do aperto fiscal recorde na redução da dívida pública, em razão do impacto dos juros altos.
Depois foi mais incisivo, afirmando que Dilma está "errada". A ministra não quis comentar. O ministro recebeu o apoio de outro oposicionista, Jefferson Péres (PDT-AM), que criticou o silêncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à disputa. "Continue, ministro, mas, no próximo petardo com silêncio presidencial, peça o boné", ironizou.
Palocci disse ser "importante que haja coesão no governo", mas que está "confortável" no cargo porque o apoio à política econômica foi reafirmado por Lula.

APROFUNDAR O AJUSTE Palocci defendeu o aprofundamento da política de ajuste fiscal, mas sem pregar o aumento dos superávits primários (a economia de receitas destinada ao abatimento da dívida pública). Na prática, a equipe econômica vem promovendo superávits superiores à meta oficial de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto), um dos motivos da reação de Dilma.
No modelo mencionado pelo ministro, "as despesas correntes [pessoal e custeio, incluindo programas sociais] precisam crescer menos que o PIB por muitos anos", citando como exemplo o período de uma década. Só assim, argumentou, será possível elevar os investimentos públicos sem aumentar a carga tributária.
"Não precisamos de um esforço maior, precisamos de um esforço mais longo", disse, apontando que a Irlanda teve "resultados extraordinários" com redução "pequena, mas progressiva" dos gastos correntes.


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