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"Não me julgo acima de suspeitas"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em um sinal de que pretende
permanecer à frente da política
econômica, o ministro Antonio
Palocci Filho rebateu ontem denúncias de corrupção e aproveitou a ida ao Senado para pedir
apoio a um esforço fiscal de longo
prazo -tema de divergência pública com a colega Dilma Rousseff
(Casa Civil), apontada como um
dos fatores de enfraquecimento
no cargo.
"Eu disse à minha colega, a ministra Dilma, que ela estava errada nesse debate", relatou. Segundo Palocci, a única alternativa a
um compromisso de dez anos de
contenção dos gastos públicos será o aumento da carga tributária.
Durante o depoimento à CAE
(Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, antecipado a
pedido do governo para aplacar o
nervosismo do mercado, o ministro se disse alvo de uma "devassa"
por parte do Ministério Público e
da Polícia Civil, que vasculharam
contratos da época em que era
prefeito da cidade.
Palocci negou com veemência e
de maneira genérica acusações de
caixa dois e de tráfico de influência que envolvem ex-assessores
na prefeitura, mas não conseguiu
descartar uma futura convocação
para depor na CPI dos Bingos.
"Seria uma ilusão imaginar que
sua vinda aqui eliminaria a ida à
CPI", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM),
ao anunciar o acordo selado pouco antes por PSDB e PFL -principais partidos de oposição. Pelo
acordo, o ministro não seria cobrado ali a responder às denúncias de corrupção.
As investigações já derrubaram
um de seus assessores na Fazenda
(Juscelino Dourado) e levarão outro (Ademirson Ariovaldo de
Souza) à CPI dos Bingos. Também são investigados dois de seus
ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto (Rogério Buratti e
Vladimir Poleto).
A oposição apresentou requerimento de convocação do ministro à CPI dos Bingos, ainda não
votado. Palocci disse não se opor
à convocação: "Não me julgo acima de qualquer suspeita".
Durante o depoimento, Palocci
recebeu orientação, por mais de
uma vez, do secretário-executivo
Murilo Portugal, que já freqüentou a lista de possíveis sucessores
do ministro da Fazenda. Sentaram-se à mesa, com o ministro, o
atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e os
ex-presidentes José Sarney
(PMDB-AP) e Antonio Carlos
Magalhães (PFL-BA).
Um princípio de tumulto interrompeu rapidamente a sessão no
início da noite. Um pequeno grupo de supostos estudantes, com
nariz de palhaço, ergueu cartazes
onde se lia "O povo não é palhocci". O grupo foi retirado da sala
por seguranças.
DENÚNCIAS
No início da sessão, em pronunciamento de mais de 50 minutos,
o ministro disse que falaria sobre
questões que "ferem nossa honra
como pessoa, como pai e como
profissional". Mais adiante, reproduziu o tom da entrevista coletiva que concedeu em agosto, a
primeira vez em que negou denúncias feitas pelo ex-assessor
Rogério Buratti, de pagamento de
mesada na Prefeitura de Ribeirão
Preto: "A acusação é falsa. E não
será comprovada. Sei o que fiz e
sei o que não fiz, e isso eu não fiz".
Palocci disse que teve dissabores com sua equipe na prefeitura,
mas que as denúncias de tráfico
de influência, se confirmadas, não
teriam passado de "eventuais lobbies malsucedidos".
O ministro contou ter pedido a
colaboração de empresários à
campanha de Lula ao Planalto,
em 2002, mas disse que nunca foi
intermediário de dinheiro para a
campanha. "Não há recursos de
Cuba na campanha do governo
Lula, não há recursos de Angola
(...) ou das Farc [Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia]."
DEVASSA
Palocci citou como exemplo de
devassa o fato de a investigação
em Ribeirão ter solicitado a remessa de todos os contratos de
sua gestão na prefeitura. "A Constituição diz que isso é devassa, não
fiscalização. A Constituição diz
que a investigação deve ter foco",
afirmou. Ele reclamou ainda que
a gravação do depoimento de Buratti ao Ministério Público de São
Paulo e à Polícia Civil teria sido
entregue a uma TV. "Quando isso
acontece, enxergo interesse político por trás das instituições."
CONFRONTO COM DILMA
A primeira menção à disputa com
a ministra Dilma Rousseff (Casa
Civil) em torno da política fiscal
veio do líder do PSDB, Arthur
Virgílio (AM), antes mesmo do
início da exposição de Palocci:
"Dou [ao ministro] inteira solidariedade nessa sua discussão com a
ministra Dilma. Vossa Excelência
está certo, e ela está errada."
A primeira referência de Palocci
à ministra foi indireta: "Não estamos enxugando gelo, como acreditam alguns", disse, citando expressão utilizada recentemente
por Dilma para caracterizar a ineficácia do aperto fiscal recorde na
redução da dívida pública, em razão do impacto dos juros altos.
Depois foi mais incisivo, afirmando que Dilma está "errada".
A ministra não quis comentar. O
ministro recebeu o apoio de outro
oposicionista, Jefferson Péres
(PDT-AM), que criticou o silêncio
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em relação à disputa. "Continue, ministro, mas, no próximo
petardo com silêncio presidencial, peça o boné", ironizou.
Palocci disse ser "importante
que haja coesão no governo", mas
que está "confortável" no cargo
porque o apoio à política econômica foi reafirmado por Lula.
APROFUNDAR O AJUSTE
Palocci defendeu o aprofundamento da política de ajuste fiscal,
mas sem pregar o aumento dos
superávits primários (a economia
de receitas destinada ao abatimento da dívida pública). Na prática, a equipe econômica vem
promovendo superávits superiores à meta oficial de 4,25% do PIB
(Produto Interno Bruto), um dos
motivos da reação de Dilma.
No modelo mencionado pelo
ministro, "as despesas correntes
[pessoal e custeio, incluindo programas sociais] precisam crescer
menos que o PIB por muitos
anos", citando como exemplo o
período de uma década. Só assim,
argumentou, será possível elevar
os investimentos públicos sem
aumentar a carga tributária.
"Não precisamos de um esforço
maior, precisamos de um esforço
mais longo", disse, apontando
que a Irlanda teve "resultados extraordinários" com redução "pequena, mas progressiva" dos gastos correntes.
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