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ARTIGO
Palocci e o paradoxo da política nacional
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Tudo fica mais interessante
se falarmos de acontecimentos sensacionais, de reversões surpreendentes de expectativa: o ministro Palocci, que estaria prestes
a perder seu cargo, sai triunfante
da sessão de ontem no Senado.
A oposição se apresenta desarmada na Comissão de Assuntos
Econômicos; derrama-se em elogios; houve até quem criticasse o
presidente Lula por não apoiar
suficientemente o ministro da Fazenda. E, numa situação implausível para quem estava sob fogo
cerrado há mais de uma semana,
Palocci conseguiu a proeza de tornar tentadora a tese, bastante antipática, de um arrocho fiscal para
os próximos dez anos.
O que aconteceu? A oposição
"amarelou"? Sim e não. Quando o
ministro da Fazenda antecipou
sua ida ao Congresso, anteriormente prevista para o dia 22, foi
uma tentativa de jogar no tudo ou
nada. Mais do que para a oposição julgar Palocci, a sessão no Senado serviria para Palocci julgar a
oposição. "Querem, afinal, que eu
saia? Quem se habilita a ser responsável pela minha queda?"
Para PSDB e PFL, a resposta a
essa questão não era das mais
simples. Uma chance de ferir
mortalmente o governo Lula é
sempre irrecusável. Mas a derrocada do ministro poderia significar um tiro pela culatra. Os chamados "setores responsáveis da
sociedade brasileira", o "mercado", os detentores reais do poder
econômico, todos os grupos, afinal, que detestam Lula e simpatizam com a oposição, em sua
maioria apóiam a política econômica de Palocci. Desestabilizando
o ministro, para atacar o governo,
a oposição poderia passar por irresponsável junto às próprias bases sociais.
A saída foi engenhosa. PSDB e
PFL preferiram deixar para depois, à medida que prossigam as
investigações nas CPIs, seus questionamentos sobre as irregularidades em Ribeirão Preto. No curtíssimo prazo, o ministro da Fazenda sai fortalecido. Mas nada
garante que o processo de desgaste se interrompa. A espantosa
companhia de que Palocci se cercou quando prefeito -Buratti,
Poleto et caterva- sem dúvida
permite que prossiga a temporada de escândalos e danos à sua
imagem. Não se trata mais de
blindá-lo, como se diz, mas apenas de esperar que a situação se
desenvolva. Em outras palavras:
que o ministro caia, se tiver de
cair, sozinho -sem mais empurrões de seus adversários.
Para lembrar a distinção de Maquiavel entre "fortuna" e "virtù",
digamos que a atitude de Palocci
foi movida pela "virtù": a audácia,
a iniciativa política, o poder de
convencimento, trouxeram-lhe
recompensas na jornada de ontem. À oposição, restou confiar na
"fortuna": que o imponderável
passar dos dias -e das descobertas policiais- decidam sobre um
assunto que, a rigor, não se tem
grande convicção de como encaminhar.
Tudo gira em torno de um mesmo paradoxo. Setores conservadores fazem oposição a um governo que, nominalmente de esquerda, corresponde plenamente às
suas expectativas. Enquanto isso,
setores do próprio governo, ainda
de esquerda, combatem um ministro que é o único a manter esse
governo de pé. Ou, para resumir:
a oposição tem alma governista,
enquanto o governo só se sente
bem na oposição. Mas esses desajustes se corrigem cedo ou tarde.
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