São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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ARTIGO

Palocci e o paradoxo da política nacional

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Tudo fica mais interessante se falarmos de acontecimentos sensacionais, de reversões surpreendentes de expectativa: o ministro Palocci, que estaria prestes a perder seu cargo, sai triunfante da sessão de ontem no Senado.
A oposição se apresenta desarmada na Comissão de Assuntos Econômicos; derrama-se em elogios; houve até quem criticasse o presidente Lula por não apoiar suficientemente o ministro da Fazenda. E, numa situação implausível para quem estava sob fogo cerrado há mais de uma semana, Palocci conseguiu a proeza de tornar tentadora a tese, bastante antipática, de um arrocho fiscal para os próximos dez anos.
O que aconteceu? A oposição "amarelou"? Sim e não. Quando o ministro da Fazenda antecipou sua ida ao Congresso, anteriormente prevista para o dia 22, foi uma tentativa de jogar no tudo ou nada. Mais do que para a oposição julgar Palocci, a sessão no Senado serviria para Palocci julgar a oposição. "Querem, afinal, que eu saia? Quem se habilita a ser responsável pela minha queda?"
Para PSDB e PFL, a resposta a essa questão não era das mais simples. Uma chance de ferir mortalmente o governo Lula é sempre irrecusável. Mas a derrocada do ministro poderia significar um tiro pela culatra. Os chamados "setores responsáveis da sociedade brasileira", o "mercado", os detentores reais do poder econômico, todos os grupos, afinal, que detestam Lula e simpatizam com a oposição, em sua maioria apóiam a política econômica de Palocci. Desestabilizando o ministro, para atacar o governo, a oposição poderia passar por irresponsável junto às próprias bases sociais.
A saída foi engenhosa. PSDB e PFL preferiram deixar para depois, à medida que prossigam as investigações nas CPIs, seus questionamentos sobre as irregularidades em Ribeirão Preto. No curtíssimo prazo, o ministro da Fazenda sai fortalecido. Mas nada garante que o processo de desgaste se interrompa. A espantosa companhia de que Palocci se cercou quando prefeito -Buratti, Poleto et caterva- sem dúvida permite que prossiga a temporada de escândalos e danos à sua imagem. Não se trata mais de blindá-lo, como se diz, mas apenas de esperar que a situação se desenvolva. Em outras palavras: que o ministro caia, se tiver de cair, sozinho -sem mais empurrões de seus adversários.
Para lembrar a distinção de Maquiavel entre "fortuna" e "virtù", digamos que a atitude de Palocci foi movida pela "virtù": a audácia, a iniciativa política, o poder de convencimento, trouxeram-lhe recompensas na jornada de ontem. À oposição, restou confiar na "fortuna": que o imponderável passar dos dias -e das descobertas policiais- decidam sobre um assunto que, a rigor, não se tem grande convicção de como encaminhar.
Tudo gira em torno de um mesmo paradoxo. Setores conservadores fazem oposição a um governo que, nominalmente de esquerda, corresponde plenamente às suas expectativas. Enquanto isso, setores do próprio governo, ainda de esquerda, combatem um ministro que é o único a manter esse governo de pé. Ou, para resumir: a oposição tem alma governista, enquanto o governo só se sente bem na oposição. Mas esses desajustes se corrigem cedo ou tarde.


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