São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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"Se a previsão for ruim, não digo"

DA ENVIADA A QUIXADÁ

Chico Mariano é "pop". Antes de iniciar o Encontro de Profetas Populares, já conversava em reservado com jornalistas, formavam-se rodinhas em torno dele.
Camisa branca, boina preta, pegou o microfone, pediu "uma salva de palmas" para os organizadores da reunião. Estava à vontade: "Profeta? Só teve um verdadeiro, que foi Noé. O primeiro profeta do mundo passou 40 anos anunciando. Ninguém acreditou. "É um doido, besta". Aqui ainda tem uns daquele tempo de Noé".
O recado era para os que, porventura, duvidassem de suas "profecias". Uma resposta a Raimundo Nonato, 68, um dos poucos agricultores da platéia: "Já vi o Mariano errar muito". Nonato, embora um profeta da chuva, já que também observava a lua para prever estiagens, nunca quis participar do encontro. "Nunca errei", disse Mariano, 69, à reportagem. A autoridade vinha do seu "conhecimento" da água.
Já a fama vinha da cobertura dos jornais: "Previsão de Chico Mariano preocupa" foi título de reportagem, em 1999, no "Diário do Nordeste", jornal de maior circulação no Ceará. A preocupação, porém, foi em vão: choveu em 99.
Mariano faz previsão olhando o céu do mês de julho: se em 1º de julho há nuvens, é janeiro de chuva. Se o dia 2 é limpo, fevereiro seco. E não tem cerimônia em desconsiderar métodos alheios. "Isso é conversa dele, homem", ria, ao falar da "experiência" de previsão de Paulo Costa, 58, dentista que também participava do encontro de profetas apresentando a "vigília de Noé" -método que inclui observar o céu por 40 dias, rezas e abstinência sexual.
Mariano e Costa estavam, na tarde do dia 10, junto com outro profeta, Joaquim Santiago. Embora não fossem amigos, eles conviviam algumas horas para a gravação de um documentário. "Profetas da Chuva", que deve ficar pronto em julho, é rodado desde 2002, dirigido pelo cineasta cearense Marcus Moura.
À câmera, Mariano dirá que a técnica de prever as chuvas aprendeu com o avô, mas que ainda não a passou a nenhum dos seus sete filhos. Deve dizer também, como disse à reportagem, em tom de confissão, que nem sempre diz tudo que prevê: "Já viu médico dizer para o paciente que ele vai morrer? Ele diz que tem esperança. Vai ver o bicho escapa. É a mesma coisa comigo. Se for ruim demais, não digo tudo..."


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