São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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ALIADOS EM CRISE

Inquérito policial envolvendo diretores da construtora corre em São Paulo desde 94 em sigilo de Justiça

Guerra Jader-ACM faz ressurgir caso OAS

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A guerra entre os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA) tirou da gaveta um inquérito policial que corre desde 1994 em São Paulo. Conhecido como "caso Gigante", envolve oito diretores da construtora OAS, com sede na Bahia. Nunca resultou em nada.
Sob o número 2-1759, de dezembro de 1994, o inquérito reúne 99 volumes, dos quais a Folha teve acesso a dois calhamaços de quase mil páginas. Tramita em sigilo de Justiça na Justiça Federal em Guarulhos (SP) e contém fortes indícios de evasão de divisas e sonegação fiscal.
Cópias do inquérito circulam em Brasília, distribuídas por pessoas ligadas ao PMDB que tentam revidar a onda de denúncias de ACM contra Jader.
ACM tem notórias ligações com a OAS e era sogro de um dos donos da empresa, César Mata Pires.
Segundo o PMDB, as relações de ACM com a construtora mantêm-se até hoje. Diz-se no partido também que a OAS está sendo beneficiada com o desvio de dinheiro público para a obra do aeroporto Luís Eduardo Magalhães, em Salvador, sob investigação do TCU (Tribunal de Contas da União).

Prisão
O "caso Gigante" começa no dia 18 de dezembro de 1994, pouco mais de dois meses depois da eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República.
Foi naquele dia que a Polícia Federal prendeu no aeroporto de Guarulhos o ex-diretor da OAS José Raul Sena Gigante, radicado em Londres, com uma pasta contendo cartões de crédito dos oito diretores da construtora e farta documentação sobre empresas financeiras no exterior, inclusive paraísos fiscais.
O auto de apreensão encaminhado pelo delegado João Carlos Sanchez Abraços à direção da PF, ao qual a Folha teve acesso, informou que os cartões eram do Coutts & CO, em nome do próprio César Mata Pires e de Luiz da Rocha Sales Filho, Carlos Laranjeira, Nicolau Martins, Luiz Abreu Silva, Teresa Martins e Telma Maria da Silva.
Havia também na pasta documentos de diferentes empresas financeiras estrangeiras, como Tiel Finance Corp. e Citibank, ambas em Luxemburgo, e procurações de cofre forte do J.P. Morgan S/A, na Suíça.
Foram apreendidos, ainda, o computador portátil e uma agenda manuscrita de Gigante, que estava acompanhado da mulher, Yara Guimarães Aguirre Zurcher Gigante.

Contas bancárias
Em seu depoimento à polícia, no dia em que foi detido, gigante declarou que mantinha contas bancárias em diversos países, especialmente Inglaterra, Estados Unidos, Ilhas Virgens Britânicas, Uruguai, Luxemburgo, Ilha de Mam e Suíça.
Disse também, conforme termo de declarações anexado ao inquérito, que mantinha duas firmas em caráter permanente, a Allog Consultancy Ltda., em Londres, e a Allog Consultancy Inc., em Stanford, EUA.
Em despacho de 5 de janeiro de 1995 para a direção da PF, o delegado Abraços escreveu: "Tais documentos (apreendidos com Gigante) revelam, à primeira vista, a montagem de uma rede de empresas estrangeiras, em paraísos fiscais, indiretamente constituídas pelo grupo empresarial brasileiro OAS, através de José Raul Sena Gigante, que sediado no exterior promoveria as interligações entre tais empresas no exterior e no Brasil".
Nesse mesmo despacho, Abraços diz que o inquérito trata da "apuração de eventual responsabilidade criminal" de Gigante, "relativa à constituição e operação de empresas em paraísos fiscais, em conluio com empresas brasileiras, com vistas a proceder a lavagem de dinheiro proveniente de procedimentos ilícitos de subfaturamento de exportações e outras fraudes, com reflexos penais-tributários".

Volume de dinheiro
Entre os fatos que deveriam "ser cabalmente esclarecidos", segundo Abraços, dois chamam a atenção pelo volume de dinheiro:
1) Gigante era diretor da firma Marnell Holdings Ltda., das Ilhas Virgens Britânicas, que, segundo a documentação, fez aplicações em títulos do Tesouro Americano, através da Union Bancaire Privée, de aproximadamente US$ 35 milhões;
2) Correspondência entre Gigante e o escritório de advocacia Noronha, diz o despacho, "acena com discussões sobre operações financeiras, envolvendo as firmas estrangeiras, a um grupo empresarial brasileiro, que alcançariam a cifra de US$ 500 milhões".
O inquérito, depois de idas e vindas, tramita em segredo de Justiça, tem 99 volumes e foi copiado para o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, no dia 18 de setembro de 2000.
Seu principal responsável, o delegado Abraços, já até se aposentou da Polícia Federal. Ele foi um dos policiais mais importantes do chamado "caso PC Farias", que apurou irregularidades no governo Fernando Collor.
Se houve crime fiscal, a multa já prescreveu. Conforme a Receita Federal, o prazo para multas é de até cinco anos. Gigante foi preso e o inquérito foi instaurado há pouco mais de seis.



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