São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
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PRIVATIZAÇÃO
Banco recebeu fiança de R$ 1,9 bi para disputar leilão das empresas de telefonia, realizado no ano passado
BB ajudou Opportunity sem pedir garantias

ELVIRA LOBATO
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio

Documentos obtidos pela Folha mostram que o Banco do Brasil assumiu posição de alto risco no ano passado, ao dar fiança de R$ 1,9 bilhão aos consórcios liderados pelo banco Opportunity que disputaram o leilão da Telebrás sem exigir contragarantias dos acionistas.
As fianças foram autorizadas pela diretoria na antevéspera do leilão (27 de julho) em favor dos consórcios Solpart, Telpart e Longdis, liderados pelo Opportunity.
No mesmo dia, a diretoria do banco deu fiança de R$ 450 milhões à Macal Investimentos, do consórcio Telemar (adversário do Opportunity), e exigiu contragarantia em ações e promissórias.
A concessão das fianças aos consórcios montados pelo Opportunity está sendo investigada pelo Ministério Público Federal, no Rio, no inquérito aberto para apurar suspeita de improbidade administrativa no leilão da Telebrás -o maior negócio do programa de privatização do governo brasileiro, que amealhou R$ 22 bilhões.

Objetivo
As fianças tinham por objetivo garantir o pagamento da parcela inicial de 40% do preço das teles que os consórcios viessem a adquirir no leilão.
Os consórcios honraram seus compromissos, sem necessidade de execução da fiança, mas o Ministério Público Federal está questionando o banco sobre a dispensa das contragarantias.
Dois superintendentes e quatro gerentes do BB, todos integrantes do comitê de crédito no Rio, já prestaram depoimento. A direção também já fez sua defesa por escrito aos procuradores.
Os documentos fecham o quebra-cabeças em torno do envolvimento do Banco do Brasil, do Ministério das Comunicações e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) na privatização das teles.
No final do ano passado, as suspeitas de favorecimento ao grupo Opportunity causaram as demissões de cinco executivos do governo, entre eles o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o presidente do BNDES, André Lara Rezende, e o diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira.

O grampo
Os documentos obtidos agora pela Folha esclarecem o diálogo gravado por grampo telefônico entre Mendonça de Barros e Ricardo Sérgio de Oliveira.
Na antevéspera do leilão, pouco depois da reunião que aprovou as fianças, Barros telefonou para o diretor do Banco do Brasil para informá-lo de que o Opportunity iria disputar a compra da Tele Norte Leste (empresa de telefonia fixa que vai do Rio de Janeiro ao Amazonas) e precisava de fiança.
"Está tudo acertado", diz o ministro, no telefonema grampeado. "Mas o Opportunity está com um probleminha de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?"
"Acabei de dar", respondeu Ricardo Sérgio.
"Não é para a Embratel, é para a Telemar", disse o ministro. Aqui, Mendonça de Barros se atrapalhou: ele se referia, na verdade, à necessidade de fiança para os consórcios que disputavam a Embratel e a Tele Norte Leste.
Ricardo Sérgio continuou, sem corrigir o ministro: "Dei para a Embratel e R$ 874 milhões para a Telemar (...). Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade. (...)". Na verdade, a fiança de R$ 874 milhões foi para a Solpart, do Opportunity.
"É isso aí, estamos juntos", disse então Barros.
"Na hora que der m...", declarou o diretor, referindo-se ao alto valor da fiança.
"Estamos juntos desde o início", encerrou o ministro.

A operação
Os contratos assinados com os consórcios do Opportunity mostram que o Banco do Brasil concedeu as cartas de fiança aceitando em troca, na inexistência de contragarantias, somente o aval de empresas que, na ocasião, existiam apenas no papel.
A Solpart Participações, que obteve fiança de R$ 874,2 milhões, havia sido registrada sete dias antes na Junta Comercial do Rio. Sua fiadora perante o Banco do Brasil era uma outra empresa recém-criada pelo Opportunity: a Techold Participações.
Ambas são chamadas, no jargão dos advogados, de empresas de propósito específico: são registradas para um determinado objetivo (no caso, a disputa do leilão da Telebrás) e morrem se ele não for alcançado.
A Solpart foi criada para disputar os leilões da Telesp fixa e da Tele Norte Leste, mas acabou comprando, por R$ 2,07 bilhões, a Tele Centro Sul, que cobre o Paraná, Santa Catarina e a região Centro-Oeste.
A Techold foi criada para acomodar as participações de fundos de investimento e de fundos de pensão de estatais -Previ (Banco do Brasil), Telos (Embratel), Sistel (Telebrás) e Funcef (Caixa Econômica Federal)- que integravam o consórcio.
Os fundos de pensão são legalmente impedidos de dar contragarantias, fianças e avais em empréstimos, para não colocarem em risco o patrimônio das fundações.

Engenharia
A mesma engenharia foi usada na concessão dos avais aos consórcios Telpart e Longdis. A Telpart -que comprou a Telemig Celular e a Tele Norte Celular- obteve fiança de R$ 271,83 milhões e apresentou como avalista outra empresa criada para o leilão: Opportunity Mem.
A Longdis -que disputou e perdeu o leilão da Embratel- obteve fiança do BB de R$ 720,9 milhões, apresentando como avalista uma empresa chamada Selectpart.
A Fiago Participações e a Companhia de Seguros Aliança do Brasil, que faziam parte do consórcio Telemar, receberam, cada uma, fiança de R$ 450 milhões.
O Ministério Público não questionou esses dois casos, por entender que as empresas estavam dispensadas da contragarantia.
A primeira, por pertencer, à época, à Funcef, e a segunda, por ser coligada do próprio Banco do Brasil, que tem 40% de seu capital.
Os procuradores responsáveis pelo inquérito no Ministério Público Federal não quiseram falar sobre a documentação obtida pela Folha sobre o caso.
O inquérito civil público que apura o caso está em fase final de apuração.


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