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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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JANIO DE FREITAS

A próxima entre aspas

Em seguida aos mal recebidos projetos de "reforma" tributária e da Previdência, que pouco ou nada têm a ver com o proposto pelo candidato Lula, começa já com vários caroços indigestos a proposta do governo para sua terceira reforma, sobre a qual foram abertas as conversações preliminares com os partidos.
Entre as intenções do governo, para o que chama de reforma política, está, por exemplo, o sistema em que o eleitor vota em listas de candidatos montadas por cada partido, em vez de escolher, como temos feito, apenas um candidato, digamos, a deputado federal. O sistema de listas contém dois inconvenientes que se voltam contra os eleitores.
Um deles é a grande probabilidade de não exprimir com nitidez a preferência do eleitorado. Dois casos recentes explicam esse problema, um de São Paulo, outro do Rio.
É lógico que, no sistema de listas, um partido não excluiria da sua lista de candidatos a deputado o próprio presidente e o secretário-geral, os quais até deveriam encabeçar o conjunto. Pois bem, o eleitorado paulista recusou-se a reeleger para a Câmara o presidente do PSDB, José Aníbal. No Rio, nem a riquíssima campanha foi capaz de manter o secretário-geral do PSDB, Márcio Fortes, como deputado. No sistema de listas, porém, ambos estariam eleitos.
Além disso, as listas proporcionam às direções partidárias possibilidades muito maiores de controlar, a seu gosto, a composição das respectivas bancadas, que, por sua vez, reproduzem a seletividade nas bases do partido. Aí está a principal razão de que, onde vigora o sistema de listas, as mesmas correntes detenham tão longamente o domínio partidário.
Há variadas modalidades de sistema de listas, mas a redução dos seus riscos depende, sempre, de métodos muitos eficazes de fiscalização e, nos partidos, de democracia interna muito consistente. Não é bem o que se passa no PT, como está mais uma vez evidenciado no caso dos que não acompanham a inversão das idéias petistas.
Pretende o governo, também, a adoção da fidelidade partidária. São vários os graus e sentidos de comprometimento que essa expressão pode envolver, e ninguém disse, ainda, o que o governo entende por fidelidade partidária. Regras mais rígidas para as transferências de partido no decorrer do mandato são necessárias, para evitar oportunismos pessoais que desrespeitam o eleitor. Está aí o líder do governo Fernando Henrique no Senado, Romero Jucá, até a semana passada autor de ataques ao governo, bandeando-se do PSDB ao PMDB para aderir ao novo poder.
Mas, no que respeita à definição de atitudes, a fidelidade partidária só é admissível em relação aos princípios fixados pelo programa doutrinário do partido. É a negação da democracia política que um parlamentar seja obrigado a apoiar, à margem da doutrina do seu partido, o que um ministro ou o FMI queira ver adotado. Esse dirigismo prepotente é, no entanto, o que se pode deduzir, consideradas as práticas habituais no PT, como motivação do governo para sua proposta de fidelidade partidária. Ou, o que não faria diferença, de livre infidelidade aos votos recebidos.
A reforma política é tão necessária quanto a da Previdência e a tributária. Reformas, as três, e não "reformas", que essas falsas soluções têm sido generosas com os governos que as impõem e impiedosas com o país que as padece.


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