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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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MODOS DE FALAR

Presidente tem 222 pedidos de entrevista, nenhum atendido; fez 74 discursos e já convocou cadeia de rádio e TV

Lula discursa muito, mas evita a imprensa

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou quatro meses e meio de governo sem conceder entrevistas. Apesar dos 222 pedidos feitos à Secretaria de Imprensa do Planalto, por jornalistas brasileiros e estrangeiros, o presidente optou por comunicar-se com a sociedade por meio de discursos -ele fala sobre o assunto que quer e como quer, sem correr o risco de ser questionado.
A assessoria do Planalto nega que o presidente adote comportamento esquivo. Segundo seu núcleo de comunicação, Lula está "conversando o tempo inteiro" com a sociedade por discursos.
O professor Mauro Porto, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB (Universidade de Brasília), avalia que essa estratégia visa eliminar a mediação dos jornalistas na comunicação, porque "o presidente e seus assessores sabem que, em uma entrevista, ele vai ser confrontado com perguntas difíceis".
Para Porto, a estratégia do "diálogo direto" com a sociedade é ruim para a qualidade do debate político, já que pontos de vista divergentes ficam prejudicados.
"É muito clara a preocupação deste governo em gerenciar o noticiário. A intenção é garantir o maior controle possível das notícias sobre o governo", diz.
Porto cita um precedente histórico: o do ex-presidente americano Ronald Reagan (81-89), que interrompeu uma tradição de entrevistas na Casa Branca, induzindo jornalistas a gritar perguntas para ele nas ocasiões em que estava acessível, inclusive em trânsito.
No governo Lula, as tentativas de entrevista durante as aparições públicas do presidente têm sido motivo de tensão. Durante a visita de Lula a Itinga (MG), na caravana do primeiro escalão do governo a regiões miseráveis do país, um assessor do presidente chegou a bater no braço de um repórter, tentando derrubar seu gravador.
Há duas semanas, um assessor impediu outro jornalista de dirigir perguntas ao presidente enquanto ele passava, chamando-o de "mal-educado" e "inconveniente". Na quinta-feira passada, o presidente desceu inesperadamente ao pátio do Planalto para conversar com anistiados políticos que reivindicavam indenizações. Formou-se um grande empurra-empurra, com a presença de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. No meio do tumulto, um funcionário da Secretaria de Imprensa gritava aos seguranças: "Se tiver gravador, tira da frente".

Antecessores
Cada governante cria um estilo e um padrão de relacionamento com a imprensa e a sociedade. Emílio Garrastazu Médici (1969-74) governou com a imprensa sob censura. Só concedeu entrevistas para falar de futebol. Ernesto Geisel (1974-79) era um túmulo. Limitou-se a conceder duas únicas entrevistas durante seu governo.
A redemocratização do país alterou muito esse quadro. Desde José Sarney (1985-90), o presidente mais informal no relacionamento com a imprensa foi Itamar Franco (92-94). Costumava chamar os jornalistas que faziam a cobertura do Planalto para comer pão-de-queijo em seu gabinete.
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) convocou uma grande entrevista ao completar 100 dias de governo. Lula, que em 98 protestou muito pelo fato de FHC recusar-se a debater com ele na TV durante a campanha presidencial, optou por convocar uma cadeia nacional de rádio e TV ao atingir 100 dias de mandato.
No último dia 9, em Rio Branco (AC), incluiu nos agradecimentos os "os jornalistas que nem sempre escrevem o que a gente diz".


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