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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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NO PLANALTO

PT vira lobo, mas finge que é vovozinha

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A foto do ano saiu nos jornais de quarta-feira. Lula com os deputados e senadores do PMDB. Um espetacular resumo gráfico do ponto a que chegou o PT. Abandonara as velhas convicções. Decidira ser mais realista que o PSDB. Agora, adere ao seu oposto. E chama o impensável de "amadurecimento político".
O retrato é a prova insofismável de que, em política, o cinismo também pode ser uma forma de resignação. A imagem fez piscar um letreiro que há anos reluz na cabeça do brasileiro: é tudo farinha do mesmo saco.
A ex-virtude não poderia ter escolhido lugar mais apropriado para posar ao lado da indecência: a casa de José Sarney. A residência oficial do presidente do Senado converteu-se num grotão clássico. Uma arena em que "novo" e velho chafurdaram no arcaísmo.
Entre nacos de filé ao molho madeira e frango grelhado com legumes, entre goles de cerveja e uísque, tudo convenientemente bancado pelo contribuinte, deu-se a comunhão dos sem-história com os sem-biografia.
Falando para uma platéia que incluía gente como Jader "Sudam" Barbalho e Eliseu "precatórios" Padilha, Lula ofereceu às nódoas que o ouviam a chance de obter prontuários limpos.
Comunicou-lhes que o passaporte para a remissão é a votação das reformas. Aprovando-as, serão como que absolvidos do passado. Melhor: serão incorporados ao futuro, com direito a vaga no ministério.
Cercado de PMDB por todos os lados, o Lula sorridente da fotografia investe contra a reputação do PT. É como se desejasse provar que o partido não é diferente dos demais. É como se quisesse deixar claro que o PT também está sujeito à baixeza geral da política. Nem às alianças esdrúxulas está imune.
Em cinco meses de exercício do poder, Lula fez com o PT o que os inimigos dele tentavam sem sucesso havia duas décadas. Ofereceu em holocausto o maior patrimônio do partido: a presunção de superioridade moral.
Foi à guilhotina aquela aura de diferença heróica que distinguia o petismo. O moralista do PT, sabe-se agora, era apenas um fisiológico que ainda não havia sido apresentado aos apetites e prazeres do poder.
O caminho não comporta volta. Coerência é como virgindade. Perdeu, perdida está. O PT trocou a castidade pela promessa vaga de apoio do PMDB. Um partido que é a favor de tudo e visceralmente contra qualquer coisa. Desde que ganhe cargos.
Mais surpreendente do que a inclusão do obsoleto no projeto "renovador" é a indulgência com que o fato foi tratado pela imprensa. Algo que, para além do fascínio com a maturidade da esquerda, só se explica pela perspectiva de socorro do BNDES a certos conglomerados da mídia.
Lula recebe do pseudojornalismo um tratamento ameno. É apresentado como um presidente realista obrigado pelas circunstâncias a lidar com políticos viciados. Na versão edulcorada do noticiário, adota meios sórdidos para alcançar fins nobres. Na vida real, manda às favas a última perspectiva de revisão das práticas que conspurcam a política nacional.
A atmosfera de tolerância tática extingue o contraditório. Opositores são transformados em chatos que desejam estragar a festa da aprovação das reformas. O Congresso dança em ritmo oba-oba.
No poder, o PT ganhou orelhas de lobo, focinho de lobo e dentes de lobo. Mas o jornalismo ainda vende a doce ilusão de que o país está diante de uma inocente vovozinha disfarçada.


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