São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE DOS CORREIOS

Ex-chefe dos Correios suspeito de receber propina afirma em gravação que Novadata fez "acertos" para tentar vencer uma licitação

Empresa de amigo de Lula é citada em vídeo

RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-chefe do Departamento de Compras e Administração de Materiais dos Correios em Brasília, Maurício Marinho, afirma, no vídeo em que foi flagrado recebendo propina de dois supostos empresários, que a empresa de informática Novadata, pertencente a Mauro Dutra, amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez "acertos" com servidores de pelo menos duas áreas dos Correios para obter reajuste de R$ 5,5 milhões no valor de um contrato e tentar vencer uma licitação.
No vídeo de uma hora e 54 minutos, Marinho afirma ainda que vinha sendo procurado por Antônio Pedreira, candidato a presidente da República em 1989 pelo nanico Partido do Povo Brasileiro. Na fita, que teve trechos revelados pela revista "Veja", Marinho identifica Pedreira como "consultor" de um grupo de empresas interessadas em contratos nos Correios e "amigo" do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e que teria um "bom relacionamento" com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas não o associa ao pagamento de propina.
Marinho afirma que a diretoria de Administração dos Correios, da qual fazia parte, foi mobilizada para garantir à Novadata um aditivo contratual, permitindo um adicional de R$ 5,5 milhões no fornecimento de computadores aos Correios. O contrato, de junho de 2002, tinha valor original era de R$ 98 milhões.
A Novadata confirmou ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que participou de uma negociação com os Correios para reajustar o preço do contrato (leia texto nesta página).
Mauro Dutra é um dos principais fornecedores de informática de órgãos diversos do governo federal e amigo de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente passou o Réveillon de 2001 na mansão de Dutra, na praia de Búzios (RJ).
De acordo com o relato de Marinho, a Novadata enfrentava dificuldades para obter uma correção no pagamento dos dois últimos lotes de computadores. Reclamava reajuste por causa da disparada do dólar -no ato da assinatura do contrato, o dólar valia R$ 3,28 e, na entrega, estava em R$ 3,62, sempre segundo Marinho. A negociação consumiu dois anos. Segundo a Novadata, o dólar valia R$ 2,65 na assinatura do contrato.
Para obter o aditivo, a empresa teria procurado Antônio Osório Menezes Batista, diretor de administração, que teria determinado um estudo a respeito. O problema teria sido então resolvido após essa "blindagem" da Novadata. No vídeo, os dois supostos empresários e Marinho travam o seguinte diálogo:

"Empresário" - E a Novadata acertou daí direto com a diretoria...
Marinho -
Foi direto com a diretoria.

"Empresário" - ...Ou foi com você?
Marinho -
Não, foi eu, o diretor [de Administração, Antônio Osório] e o Godoy [Fernando Godoy, assessor-executivo de Osório].
Em outro trecho do vídeo, Marinho conta como a Novadata tentou vencer uma licitação avaliada entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões após fazer "acertos" com outra área dos Correios, "a Tecnologia".
"Na última licitação que eles pensavam que iam ganhar, aí que veio um problema. Não tinha nada acertado aqui. Eles acertaram com a Tecnologia", conta Marinho, na gravação.
Em outro trecho da conversa, Marinho narra ter feito "acerto" com um empresário supostamente representante da Siemens, grande fornecedora de material de informática para os Correios. Segundo Marinho, ele chegou a se encontrar com esse empresário na cobertura de um hotel, em Brasília, mas no outro dia "pessoas da diretoria" comentaram o encontro entre os dois.
Marinho disse que essa foi uma das razões pelas quais teria optado por tratar de assuntos de propina em sua própria sala, no edifício-sede dos Correios, em Brasília. A conversa gravada ocorreu na sala de Marinho, no primeiro andar do prédio. Segundo o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), padrinho político de Osório, a conversa ocorreu no dia 14 de abril deste ano.
Para chegar a Marinho, os dois interlocutores apresentaram-se como representantes de uma suposta empresa denominada "Hallcomb Brasil", que por sua vez representaria uma empresa da Alemanha chamada "Global Enterprise International".
Os "empresários" diziam ter interesse em obter contratos nos Correios e queriam ter "uma pessoa para conversar". Então Marinho afirma que ele é a pessoa correta para os acertos. Diz que não é filiado ao PTB, mas é esse partido que lhe dá "cobertura".
Depois que tudo ficasse "acertado", segundo Marinho, ele poderia resolver qualquer problema porque teria "acesso direto ao presidente [dos Correios], ao partido [PTB] e aos diretores".
Marinho explica que todos os contratos dos Correios passam pelo seu departamento, que teria a função de instruir os processos, acompanhar a execução e decidir por multas a empresas que descumprem os contratos. E ele teria sido escolhido para ter o papel "estratégico" de acertar propinas com os fornecedores.
"É uma coisa que eles estão ajustando para evitar bater cabeças (...). O cara vai lá acertar um negócio, não tem autoridade para isso, aí o diretor lá: "Peraí, que negócio é esse?'", conta o servidor.


Texto Anterior: Procuradoria vai investigar suposta propina
Próximo Texto: Reajuste de contrato com Correios rendeu a empresa R$ 5,5 milhões
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.