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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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GOVERNO E OPOSIÇÃO

Presidente critica as altas aposentadorias e a possibilidade de os servidores se aposentarem com 53 anos

Lula reage a FHC e ataca privilégio de servidor

WILSON SILVEIRA
ENVIADO ESPECIAL A PELOTAS

Vaiado por manifestantes contrários à reforma da Previdência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu sua proposta e rebateu, em tom de desabafo, as críticas que recebeu de intelectuais, dos servidores e principalmente do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao seu governo. Sobre as vaias na 11ª Feira Nacional do Doce, em Pelotas (RS), disse não se incomodar, por estar "vacinado".
Ao se defender das críticas de FHC, feitas em uma entrevista ao site do PSDB e publicadas ontem nos jornais, Lula disse que recebeu o país "quebrado" e que seus críticos duvidavam de que seu governo fosse capaz de "levar o Brasil a sair do buraco". Acrescentou que seu governo vai reativar a economia "com muito cuidado, com passos certos".
"Os que agora com muita facilidade criticam a política econômica não tiveram coragem de criticá-la em dezembro, porque em dezembro tinham dúvidas [sobre] se nós seríamos capazes de tirar o Brasil do buraco em que nós o pegamos", disse.
"O Brasil estava quebrado, e alguém vai ter que salvar este país", disse ele, afirmando que, quando tomou posse, o risco-país era de quase 2.400 pontos e o Brasil não tinha nenhum dólar para financiar exportações.
"Nem no tempo de Funaro [Dilson Funaro, ministro da Fazenda de José Sarney que decretou a moratória da dívida externa em 1987], o país teve cortados seus créditos para exportação. Quando assumimos, não havia um dólar sequer para financiar a exportação. Havia quem dissesse que o Lula não podia governar porque ele não fala inglês. Bastaram cinco meses para provar que não é preciso falar inglês, mas sim caráter, ética e projetos", disse.
Em outra crítica dirigida a FHC, afirmou que qualquer outro presidente podia errar, mas ele não. "Qualquer outro que errasse, não desse certo, ia morar uns meses na França, e eu tenho que ficar em São Bernardo, a 600 metros do Sindicato dos Metalúrgicos." Ao deixar o governo, FHC passou uma temporada em Paris.
Lula voltou a pedir paciência. "Acontece que, na vida, tem gente que tem pressa. Vocês todos já viram um jogo de futebol. Tem jogador que tem pressa, pega a bola, não olha para o lado, dá uma "bicuda" e não marca o gol. Tem outro que olha para o lado, vê um companheiro livre, passa a bola e marca o gol. Nós não temos tempo de dar "bicuda". Nós queremos é marcar todos os gols que achamos que temos o direito de marcar neste país."
E chegou a deixar constrangida a primeira-dama, Marisa, que estava no palanque. "A coisa que eu mais queria na minha vida, quando casei com a minha galega [Marisa], era um filho. Ela engravidou logo no primeiro dia de casamento, porque pernambucano não deixa por menos. Pois bem, eu tive que esperar nove meses para nascer a criança e mais quase um ano para ela falar "papai"."

Intelectual
Lula defendeu a reforma da Previdência, principal alvo dos manifestantes, voltou a comparar as reações contrárias às reformas à Revolta da Vacina contra Oswaldo Cruz e a vacinação da febre amarela, no início do século passado, e citou os intelectuais como exemplo. Na semana passada, um grupo de intelectuais criticou o governo, e os servidores, contrários à reforma da Previdência, fizeram um protesto em Brasília.
"Não quero prejudicar o intelectual, quero aproveitar ao máximo o potencial da sua inteligência para que fique trabalhando até os 60 ou 70 anos, e não que se aposente com 53. Se um cortador de cana tem que trabalhar 60 anos para se aposentar, por que um professor universitário se aposenta com 53?", perguntou.
A proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo ao Congresso prevê que quem se aposentar com menos de 60 anos, no caso dos homens, ou 55, no caso das mulheres, terá uma redução de 5% no valor da aposentadoria para cada ano antecipado, até uma redução máxima de 35%, caso o servidor se aposente sete anos antes do previsto.
Lula também criticou as altas aposentadorias. "Não posso aceitar que alguém neste país se aposente com R$ 17 mil por mês se 40 milhões de pessoas não têm oportunidade de trabalhar", acrescentou e foi vaiado. O grupo que estava mais próximo a Lula tratou de aplaudir para abafar as vaias.

Protesto
Manifestantes ligados a mais de 20 entidades de servidores públicos e a alguns grêmios estudantis acusaram o presidente de traição durante ato público realizado em frente ao pavilhão da Fenadoce antes de Lula chegar.
Os manifestantes, que protestavam contra a reforma da Previdência, se dividiram em três grupos porque ninguém sabia qual entrada seria utilizada pelo presidente. As restrições impostas pela segurança presidencial provocaram um grande tumulto na entrada da Fenadoce.
No discurso, Lula disse que não se incomoda com vaias porque está "vacinado".
"Sabe quando eu tomei a maior vaia da minha vida? Quando fui fundar a CUT [Central Única dos Trabalhadores]. Depois, quando fui fundar o PT. Comecei fazendo política no palanque do PMDB. No dia em que ousei falar que ia fundar um partido, tomei uma vaia que nunca mais eu acordei. Então, estou vacinado", disse.
Em frente ao palanque havia cerca de 300 pessoas aplaudindo e gritando "olê, olê, olê, olá, Lula, Lula" para tentar abafar as vaias e palavras de ordem que cerca de cem manifestantes gritavam. Os dois grupos estavam separados por grades de proteção de ferro, que faziam um corredor para Lula passar depois da cerimônia.
Ao terminar o discurso, Lula desceu do palanque e ouviu um coro ruidoso, bem à sua frente: "Um, dois, três, quatro, cinco mil, ou pára essa reforma ou paramos o Brasil". Sem se intimidar, avançou em direção ao público, cumprimentando manifestantes favoráveis e alguns contrários.
Lula começou o discurso tirando o microfone do púlpito para se aproximar do público, dizendo que queria ter uma conversa "tête-à-tête" [face a face] com os companheiros". A uma certa altura, disse que, quando olhava para a platéia, era como se estivesse vendo seus próprios filhos.

Reforma política
Apesar do aumento da base governista, que desde a posse até maio aumentou de 228 deputados e 31 senadores para 370 deputados e 53 senadores, Lula defendeu a reforma política para inibir o troca-troca partidário. "Vamos fazer a reforma política para acabar com político que troca de partido com a mesma facilidade com que troca de camisa", disse.


Colaborou a Redação


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