São Paulo, Sexta-feira, 18 de Junho de 1999
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JANIO DE FREITAS
Um produto legítimo

Lições não faltaram. Mas o problema político e a reprovação moral que atingem o governo, pela nomeação do delegado João Batista Campelo para diretor da Polícia Federal, são mais um produto da falsa esperteza política e da falta de franqueza que já corroeram tanto a imagem de Fernando Henrique em outros episódios.
Enrolado durante três meses na incapacidade de solucionar a divergência de indicações, entre o ministro da Justiça e o chefe do Gabinete Militar, Fernando Henrique cedeu às críticas pela indecisão e fez o que apresentou como uma "escolha pessoal" sua. Só um debilóide acreditaria que Fernando Henrique conhecesse delegados a ponto de desencavar um há muito fora da polícia e vivendo lá nos confins de Roraima.
As impressões digitais ficaram na escolha. O general Alberto Cardoso queria uma pessoa da sua confiança na PF, para usá-la sem problemas como auxiliar do novo SNI, chamado de Abin, e da agência antinarcotráfico. Nos dois casos, um general escolheria alguém ligado aos serviços de informação e às atividades da repressão. Isto é, um policial da confiança de militares.
Não houve terceiro. Houve um nome diferente para a indicação feita pelo general. Apresentá-lo como "escolha pessoal" de Fernando Henrique, para solucionar o impasse entre o ministro e o general, não foi só tolice primária. Foi primarismo também como tentativa de tapeação, porque, mesmo se a biografia do nomeado não se confundisse com a ditadura, logo a PF estaria sob crise grave. Interna, com o seu ministro e com a Presidência, pelo mesmo motivo de sua sujeição forçada, e até ilegal, ao Gabinete Militar.
E seria tão simples fazer tudo com correção administrativa e pessoal.

Na sombra
Recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Carlos Velloso confirma, amplia e explica trecho do artigo aqui saído na quarta-feira:
"Em sua coluna "Na Fogueira", V.Sa. registra que o "Tribunal Regional do Trabalho da Bahia mandou ao Supremo Tribunal um pedido de intervenção federal na Bahia, cujo governo adotou como norma o não-cumprimento de precatórios do TRT"."
"Depois de dizer que falar em governo da Bahia "é mais do que falar em prepostos de Antonio Carlos Magalhães, é falar no próprio", acrescenta que "a nota (citação de uma notícia aqui publicada em março) observou ainda que as referências do senador, pregando a necessidade da CPI, cuidaram sempre de isentar, pelo silêncio, o STF, onde o pedido de intervenção foi posto no tradicional repouso"."
"Existem, realmente, em tramitação nesta Corte, não um, mas quatro pedidos de intervenção federal oriundos do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (Bahia), de nºs 598-BA, 624-BA, 642-BA e 650-BA, todos eles, entretanto, dependentes de informações a serem prestadas pelo referido tribunal, para que tenham prosseguimento normal. Alguns dos nossos ofícios ao TST foram reiterados mais de uma vez pela Secretaria do Supremo Tribunal Federal."
O repouso, portanto, é dos magistrados baianos. Mas não se sabe se induzido pela sombra insinuante dos coqueirais ou pela sombra impetuosa de Antonio Carlos Magalhães.

O rejeitado
Em carta hoje publicada no Painel do Leitor, o deputado Aloysio Nunes Ferreira atribui-me "violento ataque pessoal (a ele), com a sordidez que o (me) caracteriza". O deputado talvez esteja acossado por sentimentos de rejeição, provocadas pelo desagrado com seu substitutivo.
O artigo não foi violento, nem tinha por que sê-lo; e muito menos foi ataque pessoal. Tratou do "desagrado quase unânime com o projeto de reforma do Judiciário, elaborado pelo relator Aloysio Nunes Ferreira", e de algumas consequências dessa reação, como a já comprovada volta do "problema ao ponto de partida", com "mais uma reforma adiada".
Autor do substitutivo, Nunes Ferreira foi até pouco citado. E, na hipótese para a desastrada insuficiência de debates, sua principal característica política foi tratada com delicadeza talvez injustificável: "Nunes Ferreira é um político avesso a confrontos, com passagens frequentes de uma corrente partidária para outra, e mesmo de um partido para outro, mas sem rupturas atritosas". Diz sua carta, a propósito: "Quanto à volubilidade política que me atribui, quero esclarecer que permaneci no PMDB desde os primórdios do partido em 1966 até 1998".
O percurso não foi assim reto nem tão simples. Nunes Ferreira passou do comunismo para o grupo de Quércia. Quando este e Fleury romperam, mas o poder ficou com Fleury, Nunes Ferreira ficou com o poder. Quando Fleury perdeu o poder paulista e Fernando Henrique ocupou o poder nacional, Nunes Ferreira tornou-se fernandista. E, já a reeleição à vista, Nunes Ferreira deixou o PMDB para ser outro neopeessedebista.
Quanto ao xingamento na carta, suponho que o vexame do seu substitutivo basta a Aloysio Nunes Ferreira. Não precisa ser também ridículo.


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