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INVESTIGAÇÃO
Decisão de FHC de processar supostos responsáveis leva juiz a interromper investigação sobre supostas contas
PF encerra apuração de dossiê sem provas
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília
A Polícia Federal encerrou a
investigação sobre o dossiê Caribe sem obter
provas definitivas a respeito da
falsidade ou da
veracidade dos papéis que sugeriam a existência de uma associação secreta e de contas bancárias
de autoridades tucanas no exterior.
A Folha obteve cópia completa
do inquérito 003/98. São 730 páginas relatando tudo o que foi feito.
A PF interrogou 47 pessoas desde o
início das investigações, em 12 de
novembro, até o seu término, em
19 de fevereiro passado.
Agentes viajaram para o Caribe e
para os Estados Unidos, mas a PF
foi obrigada a parar de investigar
porque o presidente Fernando
Henrique Cardoso solicitou o indiciamento de supostos responsáveis pela divulgação do dossiê no
meio da apuração -a Justiça acatou o pedido e determinou o fim
das investigações.
Em carta de 5 de maio ao ministro da Justiça, o presidente afirma
que os papéis do dossiê Caribe são
"manifestamente falsos", sem fornecer detalhes. Nessa correspondência, pede providências da Procuradoria Geral da República.
A Procuradoria atendeu o pedido do presidente. O procurador
Luiz Augusto Santos Lima afirmou, 48 horas depois de receber o
pedido do Palácio do Planalto, que
"são claras as evidências de que os
documentos foram montados".
Cita em seu despacho análises
"amplamente divulgadas pela imprensa".
Fim
O juiz federal do caso, Marcus
Vinícius Reis Bastos, acatou os pedidos de indiciamento. Com isso,
foram encerradas as investigações,
e o juiz interpretou que não seriam
necessárias averiguações adicionais para comprovar veracidade
ou falsidade dos papéis do dossiê
Caribe.
"Cessou a atividade policial", diz
o delegado Paulo de Tarso Teixeira, responsável pelo caso na PF. O
policial não faz comentários sobre
o desfecho do episódio.
O dossiê Caribe é um conjunto
de papéis sem comprovação nem
origem definida. Surgiu no segundo semestre do ano passado.
Os papéis sugerem uma suposta
associação nas Bahamas entre
FHC, Mário Covas (governador de
São Paulo), José Serra (ministro da
Saúde) e Sérgio Motta (morto em
abril de 98).
Os quatro tucanos, segundo os
papéis sem comprovação, seriam
donos da empresa CH, J & T, com
sede em Nassau, nas Bahamas, um
paraíso fiscal no Caribe.
Essa empresa, que de fato existe,
teria contas bancárias em outros
países, inclusive nas Ilhas Cayman
(Caribe), Ilhas Guernsey (no Reino
Unido) e Suíça. O saldo total dessas contas seria superior a US$ 350
milhões, mas nunca houve prova
disso.
Todos os tucanos negaram envolvimento com a CH, J & T. Disseram ter sido vítimas de chantagem e afirmaram que todos os documentos eram falsificados.
Conclusões
A PF chegou a apenas duas conclusões definitivas sobre o caso: 1)
a CH, J & T de fato existe e foi criada em 19 de janeiro de 1994; 2) os
bilhetes anônimos enviados no
ano passado para Serra e Covas nada provam. Essas conclusões já haviam sido publicadas pela Folha
em novembro do ano passado.
A principal informação sobre o
caso ainda é um mistério: quem
são os donos da CH, J & T. Por ser
uma empresa constituída nas Bahamas, essa firma não é obrigada a
informar a ninguém o nome de
seus acionistas.
No dossiê Caribe há um papel,
até agora sem comprovação, que
atribuía a Sérgio Motta e a uma
pessoa de nome Ray Terrence os
cargos de primeiros diretores da
CH, J & T. Os diretores da empresa
são, na realidade, os donos da firma -conforme demonstra o estatuto da empresa, que segue a liberalidade das leis das Bahamas.
Cópia
Numa de suas viagens ao Caribe
no início deste ano, o então diretor
da PF, Vicente Chelotti, apresentou esse papel com os nomes de
Sérgio Motta e Ray Terrence para a
Trident -a empresa que é o agente oficial da CH, J & T.
O advogado da Trident, Emerick
Knowles, reagiu da seguinte forma, segundo o inquérito: "Respondeu de pronto que o documento é verdadeiro, retirando imediatamente de uma pasta uma cópia
do mesmo e exibindo-a".
O inquérito não esclarece, mas a
leitura dos autos indica que a cópia
exibida pelo advogado seria apenas um formulário-padrão, sem os
nomes de possíveis diretores.
Em seguida, alegando não poder
fornecer uma cópia autenticada do
documento, o advogado da Trident recusou-se a fazer outros comentários.
Acabou enviando, posteriormente, uma carta na qual afirma o
seguinte: "(O documento) foi preparado por nosso cliente (Trident)
para ser concluído por parte de seu
cliente intermediário (a CH, J &
T). Esse documento não foi devolvido para o nosso cliente (Trident)
e não consta como parte dos registros mantidos pelo mesmo (Trident) em relação à empresa (CH, J
& T)".
Ou seja, há duas hipóteses excludentes, mas nenhuma confirmada:
os nomes de Sérgio Motta e de Ray
Terrence tanto podem ter sido colocados ali por alguém mal intencionado como podem ser de fato
os diretores da CH, J & T.
Com essa dúvida, é impossível
dizer se o dossiê Caribe é ou não
um amontoado de papéis fraudados.
"O sr. Knowles (advogado da
Trident) disse que tais informações poderiam ser obtidas judicialmente por meio de carta rogatória,
colocando-se à disposição para
prestar informações auxiliares na
tramitação do dispositivo legal citado", relata o inquérito da PF.
Carta rogatória é a forma como a
Justiça brasileira teria para, oficialmente, solicitar ajuda da Justiça
das Bahamas.
A Trident é uma firma especializada em abrir empresas para terceiros nesse país. Guardadas as devidas proporções, é como um despachante no Brasil. Já abriu milhares de empresas, segundo informou à Folha um de seus funcionários.
Conforme o inquérito, além do
advogado da Trident, o uso de carta rogatória foi sugerido também
"pelas autoridades judiciárias e
policiais daquele país (Bahamas),
que também se mostraram muito
interessadas em auxiliar na tramitação rápida das cartas rogatórias".
Prazo
Tudo isso foi escrito no inquérito
em 19 de fevereiro passado, data
em que o delegado Paulo de Tarso
pedia mais prazo e solicitava autorização para tomar outras providências.
O juiz federal que recebeu o caso,
Marcus Vinícius Reis Bastos, remeteu-o uma semana depois para
a Procuradoria Geral da República, pedindo uma opinião a respeito
do inquérito.
O procurador Luiz Augusto Santos Lima não deu resposta durante
dois meses. Manifestou-se apenas
quando o presidente da República
sugeriu o indiciamento de possíveis responsáveis, no dia 5 do mês
passado.
Se o juiz tivesse atendido o pedido da PF, uma carta rogatória teria
sido expedida para a Justiça das
Bahamas informar quem eram os
proprietários, sócios ou diretores
da empresa CH, J & T.
Mesmo com a atividade policial
interrompida, o inquérito da PF
continuou a receber respostas por
escrito mesmo depois de ter sido
remetido à Justiça. Parte desse novo material pode ainda não ser conhecido do juiz do caso.
A PF remete tudo para a Justiça,
mas o trâmite é lento. A cópia obtida pela Folha é recente (deste
mês), mas não incorpora, por
exemplo, uma resposta que a PF
pode já ter recebido da Interpol
nos EUA sobre uma lista de pessoas supostamente ligadas ao caso.
São pessoas desconhecidas, mas
que integravam uma lista de possíveis testemunhas, segundo a PF.
Seriam brasileiros com negócios
nos EUA.
A PF esperava que a Interpol do
Estado norte-americano da Flórida informasse, por exemplo, "atividades" ou "movimentos migratórios" dessas pessoas.
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