São Paulo, Sexta-feira, 18 de Junho de 1999
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INVESTIGAÇÃO
Decisão de FHC de processar supostos responsáveis leva juiz a interromper investigação sobre supostas contas
PF encerra apuração de dossiê sem provas

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília


A Polícia Federal encerrou a investigação sobre o dossiê Caribe sem obter provas definitivas a respeito da falsidade ou da veracidade dos papéis que sugeriam a existência de uma associação secreta e de contas bancárias de autoridades tucanas no exterior.
A Folha obteve cópia completa do inquérito 003/98. São 730 páginas relatando tudo o que foi feito. A PF interrogou 47 pessoas desde o início das investigações, em 12 de novembro, até o seu término, em 19 de fevereiro passado.
Agentes viajaram para o Caribe e para os Estados Unidos, mas a PF foi obrigada a parar de investigar porque o presidente Fernando Henrique Cardoso solicitou o indiciamento de supostos responsáveis pela divulgação do dossiê no meio da apuração -a Justiça acatou o pedido e determinou o fim das investigações.
Em carta de 5 de maio ao ministro da Justiça, o presidente afirma que os papéis do dossiê Caribe são "manifestamente falsos", sem fornecer detalhes. Nessa correspondência, pede providências da Procuradoria Geral da República.
A Procuradoria atendeu o pedido do presidente. O procurador Luiz Augusto Santos Lima afirmou, 48 horas depois de receber o pedido do Palácio do Planalto, que "são claras as evidências de que os documentos foram montados". Cita em seu despacho análises "amplamente divulgadas pela imprensa".

Fim
O juiz federal do caso, Marcus Vinícius Reis Bastos, acatou os pedidos de indiciamento. Com isso, foram encerradas as investigações, e o juiz interpretou que não seriam necessárias averiguações adicionais para comprovar veracidade ou falsidade dos papéis do dossiê Caribe.
"Cessou a atividade policial", diz o delegado Paulo de Tarso Teixeira, responsável pelo caso na PF. O policial não faz comentários sobre o desfecho do episódio.
O dossiê Caribe é um conjunto de papéis sem comprovação nem origem definida. Surgiu no segundo semestre do ano passado.
Os papéis sugerem uma suposta associação nas Bahamas entre FHC, Mário Covas (governador de São Paulo), José Serra (ministro da Saúde) e Sérgio Motta (morto em abril de 98).
Os quatro tucanos, segundo os papéis sem comprovação, seriam donos da empresa CH, J & T, com sede em Nassau, nas Bahamas, um paraíso fiscal no Caribe.
Essa empresa, que de fato existe, teria contas bancárias em outros países, inclusive nas Ilhas Cayman (Caribe), Ilhas Guernsey (no Reino Unido) e Suíça. O saldo total dessas contas seria superior a US$ 350 milhões, mas nunca houve prova disso.
Todos os tucanos negaram envolvimento com a CH, J & T. Disseram ter sido vítimas de chantagem e afirmaram que todos os documentos eram falsificados.

Conclusões
A PF chegou a apenas duas conclusões definitivas sobre o caso: 1) a CH, J & T de fato existe e foi criada em 19 de janeiro de 1994; 2) os bilhetes anônimos enviados no ano passado para Serra e Covas nada provam. Essas conclusões já haviam sido publicadas pela Folha em novembro do ano passado.
A principal informação sobre o caso ainda é um mistério: quem são os donos da CH, J & T. Por ser uma empresa constituída nas Bahamas, essa firma não é obrigada a informar a ninguém o nome de seus acionistas.
No dossiê Caribe há um papel, até agora sem comprovação, que atribuía a Sérgio Motta e a uma pessoa de nome Ray Terrence os cargos de primeiros diretores da CH, J & T. Os diretores da empresa são, na realidade, os donos da firma -conforme demonstra o estatuto da empresa, que segue a liberalidade das leis das Bahamas.

Cópia
Numa de suas viagens ao Caribe no início deste ano, o então diretor da PF, Vicente Chelotti, apresentou esse papel com os nomes de Sérgio Motta e Ray Terrence para a Trident -a empresa que é o agente oficial da CH, J & T.
O advogado da Trident, Emerick Knowles, reagiu da seguinte forma, segundo o inquérito: "Respondeu de pronto que o documento é verdadeiro, retirando imediatamente de uma pasta uma cópia do mesmo e exibindo-a".
O inquérito não esclarece, mas a leitura dos autos indica que a cópia exibida pelo advogado seria apenas um formulário-padrão, sem os nomes de possíveis diretores.
Em seguida, alegando não poder fornecer uma cópia autenticada do documento, o advogado da Trident recusou-se a fazer outros comentários.
Acabou enviando, posteriormente, uma carta na qual afirma o seguinte: "(O documento) foi preparado por nosso cliente (Trident) para ser concluído por parte de seu cliente intermediário (a CH, J & T). Esse documento não foi devolvido para o nosso cliente (Trident) e não consta como parte dos registros mantidos pelo mesmo (Trident) em relação à empresa (CH, J & T)".
Ou seja, há duas hipóteses excludentes, mas nenhuma confirmada: os nomes de Sérgio Motta e de Ray Terrence tanto podem ter sido colocados ali por alguém mal intencionado como podem ser de fato os diretores da CH, J & T.
Com essa dúvida, é impossível dizer se o dossiê Caribe é ou não um amontoado de papéis fraudados.
"O sr. Knowles (advogado da Trident) disse que tais informações poderiam ser obtidas judicialmente por meio de carta rogatória, colocando-se à disposição para prestar informações auxiliares na tramitação do dispositivo legal citado", relata o inquérito da PF.
Carta rogatória é a forma como a Justiça brasileira teria para, oficialmente, solicitar ajuda da Justiça das Bahamas.
A Trident é uma firma especializada em abrir empresas para terceiros nesse país. Guardadas as devidas proporções, é como um despachante no Brasil. Já abriu milhares de empresas, segundo informou à Folha um de seus funcionários.
Conforme o inquérito, além do advogado da Trident, o uso de carta rogatória foi sugerido também "pelas autoridades judiciárias e policiais daquele país (Bahamas), que também se mostraram muito interessadas em auxiliar na tramitação rápida das cartas rogatórias".

Prazo
Tudo isso foi escrito no inquérito em 19 de fevereiro passado, data em que o delegado Paulo de Tarso pedia mais prazo e solicitava autorização para tomar outras providências.
O juiz federal que recebeu o caso, Marcus Vinícius Reis Bastos, remeteu-o uma semana depois para a Procuradoria Geral da República, pedindo uma opinião a respeito do inquérito.
O procurador Luiz Augusto Santos Lima não deu resposta durante dois meses. Manifestou-se apenas quando o presidente da República sugeriu o indiciamento de possíveis responsáveis, no dia 5 do mês passado.
Se o juiz tivesse atendido o pedido da PF, uma carta rogatória teria sido expedida para a Justiça das Bahamas informar quem eram os proprietários, sócios ou diretores da empresa CH, J & T.
Mesmo com a atividade policial interrompida, o inquérito da PF continuou a receber respostas por escrito mesmo depois de ter sido remetido à Justiça. Parte desse novo material pode ainda não ser conhecido do juiz do caso.
A PF remete tudo para a Justiça, mas o trâmite é lento. A cópia obtida pela Folha é recente (deste mês), mas não incorpora, por exemplo, uma resposta que a PF pode já ter recebido da Interpol nos EUA sobre uma lista de pessoas supostamente ligadas ao caso.
São pessoas desconhecidas, mas que integravam uma lista de possíveis testemunhas, segundo a PF. Seriam brasileiros com negócios nos EUA.
A PF esperava que a Interpol do Estado norte-americano da Flórida informasse, por exemplo, "atividades" ou "movimentos migratórios" dessas pessoas.


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