São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERSONAGEM

Família sofre abuso, deixa SP, mas retorna

FERNANDA BASSETTE
FREE-LANCE PARA A FOLHA CAMPINAS

Promessa de um salário fixo, cesta básica e uma vida melhor. Foi com essa expectativa que Celestino Alvelino da Silva, 55, vendeu sua única casa em Arapiraca (AL) e reuniu os oito filhos, dois netos, dois genros, uma nora e um sobrinho para tentar uma vida melhor no interior de São Paulo.
Todos iriam trabalhar na colheita de tomates numa fazenda de Monte Mor, na região de Campinas, com salário de R$ 240, cesta básica, aluguel pago e dois botijões de gás mensais. Em Arapiraca, só a esposa de Silva, Carmelita Nunes dos Santos Silva, 48, trabalhava e ganhava um salário mínimo. "Não pensamos duas vezes. Era uma boa proposta para todo mundo, e apostamos tudo para começar uma nova vida", disse Carmelita.
A viagem de 2.458 km, feita de ônibus, durou três dias. "Estávamos empolgados porque iríamos trabalhar e, enfim, construir uma vida decente", afirmou Maria Claudivânia Nunes da Silva, 26, filha do casal e mãe de dois filhos, hoje grávida de cinco meses.
Após o primeiro mês na fazenda que foi arrendada pelo empresário Cláudio Donizete Ross Matheus, a família percebeu que as promessas não estavam sendo cumpridas. "Nenhum de nós foi registrado, não recebemos as cestas básicas e tínhamos de pagar R$ 120 de aluguel em residências coletivas, que tínhamos de dividir com outros empregados", lembrou José Rodrigo dos Santos Silva, 19, também filho do casal.
O pagamento do mês foi de R$ 660, para ser dividido entre as 16 pessoas -R$ 41 para cada um. Na lavoura, o banheiro dos trabalhadores era um buraco de 60 cm de diâmetro, cavado no meio da plantação. O empresário os mantinha sem água potável, vestuários adequados e equipamentos de segurança e num alojamento inadequado.
Segundo o procurador do trabalho de Campinas, Claude Henri Appy, Matheus manteve, por mais de um ano, a família trabalhando em condições subumanas, sem registro em carteira de trabalho e em jornada de trabalho exaustiva.
Por conta das irregularidades, o Ministério Público Federal entrou com ação criminal na Justiça Federal contra Matheus, por manter trabalhadores em condição análoga à escravidão.
O empresário responde ainda a processo trabalhista -o primeiro na história da 15ª Região da Procuradoria do Trabalho, responsável por 600 cidades de SP-, por não ter cumprido o acordo para pagar os direitos à família, que voltou para Arapiraca em 2003.
Matheus teve a prisão decretada em março último, mas está foragido.
Mesmo com a decepção em São Paulo, seis meses depois da volta para Arapiraca, a família Silva decidiu retornar para a região de Campinas. Com exceção de José Rodrigo, que colhe mandioca e recebe R$ 10 por dia, todos os outros continuam desempregados.


Texto Anterior: Sem rumo
Próximo Texto: Lavoura arcaica: OIT vê mais ações antiescravidão, mas critica setor da cana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.