São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2007

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ELIO GASPARI

De JJSilvaXavier@org para AécioNeves@gov

A Assembléia Legislativa de Minas Gerais votou uma lei vil e néscia; querem voltar aos modos de 1792, vete-a

ESTIMADO GOVERNADOR ,
Por favor não me chame de Tiradentes. Tenho horror a esse apelido. Sou um alferes da tropa dos Dragões, não um boticário. Converso muito com seu avô. O doutor Tancredo sabe coisas da nossa Revolução de 1789 que eu nunca suspeitei. Convivo mais com ele do que com o Cláudio Manuel da Costa e o Tomás Antonio Gonzaga. Os dois têm ciúme da minha glória terrena, entronizada naquela figura de penitente barbudo que nada tem a ver com a aparência desse seu criado. Veja como é a alma humana. Fui enforcado e esquartejado, tive a cabeça espetada numa estaca, minha casa foi derrubada e seu terreno salgado, meus descendentes tornaram-se infames e, mesmo aqui, os dois vivem na vaidade daí.
Doutor Tancredo pediu-me que lhe escrevesse porque assombrou-se com o que fizeram os deputados da Assembléia Legislativa das nossas Minas Gerais. Pela segunda vez, votaram uma lei vil e néscia que mutila a ação dos promotores e dá foro privilegiado a 1.981 fidalgos da capitania. Vosmecê já vetou essa regalia, mas eles insistem. Vete-a de novo.
Seu avô acha que, pelo que me aconteceu, sou a pessoa adequada para suplicar a providência. Eu não tinha figura, valimento nem riqueza, mas meti-me numa conspiração de graúdos, com um desembargador (o Tomás), dois contratadores de impostos, um comandante dos Dragões (filho e sobrinho de governador), alguns padres e um notável ex-secretário do governo (o Cláudio). Coitado, foi assassinado dois dias depois de sua prisão. Não foi suicídio, sei quem o esganou.
Faríamos a Revolução antes dos franceses. Queríamos separar o Brasil de Portugal, proclamar a República, desvalorizar o câmbio e liberar a manufatura. Acho que libertaríamos os escravos (isso só ocorreu em 1888). Criaríamos uma universidade. Reconheço que muita gente estava mais interessada numa anistia das dívidas para com a Coroa. (O Kubitschek diz que isso nunca saiu da agenda nacional.)
Não nos enfastiemos. Deu tudo errado, mas os graúdos safaram-se. Alguns foram banidos para terras d'África. Os condenados à morte foram 12, mas só eu fui para a corda. O nosso processo acabou num foro privilegiado, com desprezo pelo trabalho do ministério público. Tudo teatro, montado para aquela louca, a rainha Maria. Essa tatarana anda por aqui, sempre fugindo do Coisa Ruim. Eu soube que ela via um diabão enorme atrás do Pão de Açúcar.
O que a Assembléia quer de Vosmecê é a institucionalização de um arranjo como o de 1792. Os graúdos ficam protegidos, e o miúdo paga a conta. No final do ano deve passar por Vila Rica o professor Kenneth Maxwell. Conheço-o porque li seu livro, acho que se chama "Devassa da Devassa". Ele foi muito gentil quando disse que minha tranqüila dignidade foi um dos poucos momentos heróicos do fracasso sombrio. Doutor Tancredo avisa que o Maxwell levará uns documentos para lhe mostrar, coisa dos revoltosos da América Inglesa. Talvez mostrem a nossa gente que não se deve apupar atletas americanos. A sedição deles deu no que deu porque entenderam que "todos os homens são criados iguais". O que a sua Assembléia Legislativa quer é criar 1.981 homens mais iguais que os outros.
Governador, vete esse confisco dos direitos do povo das Minas. É o que lhe pede este alferes que foi traído e não traiu jamais,

Joaquim José da Silva Xavier


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