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ELIO GASPARI
De JJSilvaXavier@org para AécioNeves@gov
A Assembléia Legislativa de Minas Gerais votou uma lei vil e néscia; querem voltar aos modos de 1792, vete-a
ESTIMADO GOVERNADOR ,
Por favor não me chame de
Tiradentes. Tenho horror a
esse apelido. Sou um alferes da tropa
dos Dragões, não um boticário. Converso muito com seu avô. O doutor
Tancredo sabe coisas da nossa Revolução de 1789 que eu nunca suspeitei. Convivo mais com ele do que
com o Cláudio Manuel da Costa e o
Tomás Antonio Gonzaga. Os dois
têm ciúme da minha glória terrena,
entronizada naquela figura de penitente barbudo que nada tem a ver
com a aparência desse seu criado.
Veja como é a alma humana. Fui enforcado e esquartejado, tive a cabeça
espetada numa estaca, minha casa
foi derrubada e seu terreno salgado,
meus descendentes tornaram-se infames e, mesmo aqui, os dois vivem
na vaidade daí.
Doutor Tancredo pediu-me que
lhe escrevesse porque assombrou-se com o que fizeram os deputados
da Assembléia Legislativa das nossas Minas Gerais. Pela segunda vez,
votaram uma lei vil e néscia que mutila a ação dos promotores e dá foro
privilegiado a 1.981 fidalgos da capitania. Vosmecê já vetou essa regalia,
mas eles insistem. Vete-a de novo.
Seu avô acha que, pelo que me
aconteceu, sou a pessoa adequada
para suplicar a providência. Eu não
tinha figura, valimento nem riqueza,
mas meti-me numa conspiração de
graúdos, com um desembargador (o
Tomás), dois contratadores de impostos, um comandante dos Dragões (filho e sobrinho de governador), alguns padres e um notável ex-secretário do governo (o Cláudio).
Coitado, foi assassinado dois dias
depois de sua prisão. Não foi suicídio, sei quem o esganou.
Faríamos a Revolução antes dos
franceses. Queríamos separar o Brasil de Portugal, proclamar a República, desvalorizar o câmbio e liberar a
manufatura. Acho que libertaríamos os escravos (isso só ocorreu em
1888). Criaríamos uma universidade. Reconheço que muita gente estava mais interessada numa anistia
das dívidas para com a Coroa. (O
Kubitschek diz que isso nunca saiu
da agenda nacional.)
Não nos enfastiemos. Deu tudo
errado, mas os graúdos safaram-se.
Alguns foram banidos para terras
d'África. Os condenados à morte foram 12, mas só eu fui para a corda. O
nosso processo acabou num foro
privilegiado, com desprezo pelo trabalho do ministério público. Tudo
teatro, montado para aquela louca, a
rainha Maria. Essa tatarana anda
por aqui, sempre fugindo do Coisa
Ruim. Eu soube que ela via um diabão enorme atrás do Pão de Açúcar.
O que a Assembléia quer de Vosmecê é a institucionalização de um
arranjo como o de 1792. Os graúdos
ficam protegidos, e o miúdo paga a
conta. No final do ano deve passar
por Vila Rica o professor Kenneth
Maxwell. Conheço-o porque li seu
livro, acho que se chama "Devassa
da Devassa". Ele foi muito gentil
quando disse que minha tranqüila
dignidade foi um dos poucos momentos heróicos do fracasso sombrio. Doutor Tancredo avisa que o
Maxwell levará uns documentos para lhe mostrar, coisa dos revoltosos
da América Inglesa. Talvez mostrem a nossa gente que não se deve
apupar atletas americanos. A sedição deles deu no que deu porque entenderam que "todos os homens são
criados iguais". O que a sua Assembléia Legislativa quer é criar 1.981
homens mais iguais que os outros.
Governador, vete esse confisco
dos direitos do povo das Minas. É o
que lhe pede este alferes que foi traído e não traiu jamais,
Joaquim José da Silva Xavier
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