São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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SUPERFATURAMENTO

Negócio envolve BNDES e Fundo da Marinha Mercante

Fraude em construção de navios chega a US$ 100 mi

MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM

Uma fraude milionária envolvendo o Fundo da Marinha Mercante, funcionários do BNDES e estaleiros no Norte do país está sendo investigada há dez meses pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Projeções iniciais dão conta de um rombo nos cofres públicos de US$ 100 milhões.
De acordo com a investigação, fraudadores arregimentam empresários e fazem propostas superfaturadas, no caso para projetos de construção de navios.
As propostas são então analisadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), responsável por gerir os recursos do fundo, e então era liberada uma verba muito acima da necessária para a construção da embarcação.
A "sobra" era dividida entre os empresários e o estaleiro responsável pela construção.
A Agência Folha ouviu cinco empresários e dois engenheiros navais de Belém (PA) que confirmaram o esquema de desvio de verbas. O depoimento de cinco deles consta no processo.
As investigações, que correm em segredo de Justiça, mostram que os US$ 100 milhões foram desviados nos últimos dez anos em que foram concedidos os financiamentos pelo BNDES com os recursos do FMM (Fundo da Marinha Mercante).
O BNDES confirmou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que tem conhecimento de que existe uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Públicos sobre o caso e que está colaborando.

Suspeita
Marcos Cozzolino, coordenador-geral do Departamento da Marinha Mercante, órgão do Ministério dos Transportes que controla o FMM, disse que, por causa das suspeitas, os recursos para a região amazônica foram suspensos no primeiro semestre.
"Estamos colaborando com a investigação e vejo com maus olhos toda essa suspeita, mas vamos aguardar o fim das apurações. Apesar de termos a responsabilidade pelo controle do Fundo, o risco do financiamento é do BNDES", disse.
Entre os investigados está o ex-chefe do Denap (Departamento de Navegação Portos e Hidrovias), da sede do BNDES no Rio de Janeiro, Miguel Pedro da Cunha. Ele pediu aposentadoria em abril deste ano após trabalhar 28 anos no banco.
Cunha nega as acusações e acusa empresários do setor na Amazônia de terem "montado" as denúncias contra ele.
"As acusações são mentirosas. Eu não tinha como aprovar projetos sozinho. Acima do meu cargo tinha um superintendente, que encaminhava os projetos para a diretoria do banco", afirmou.
O Fundo da Marinha Mercante, que só no ano passado arrecadou R$ 800 milhões, deveria ser usado justamente na renovação da marinha mercante brasileira.
O BNDES é um dos agentes financeiros da verba arrecadada pelo Fundo. Cabe ao banco analisar o risco do negócio e aprovar ou não a liberação do financiamento aos empresários.

A fraude
Segundo as investigações, a fraude começaria no estaleiro ETN (Empresa Técnica Nacional S.A.), com sede em Belém, que teria "facilidades" muito acima das normais na aprovação de financiamentos de embarcações apresentados ao BNDES.
O estaleiro ETN, de propriedade do empresário Carlos Alberto Câmara de Souza, supostamente funcionaria como uma espécie de escritório lobista para captar contratos de construção de embarcações para empresários de navegação que não tem capacidade econômica para conseguir o financiamento no banco.
Depoimentos dados à PF indicam que a ETN "foi responsável pelo custeio de viagens" do ex-chefe do Denap para o exterior, além do "oferecimento de presentes diversos". A Justiça Federal já autorizou a quebra de sigilos bancários dos envolvidos.
A ETN era a responsável por montar o projeto e conseguia a aprovação no prazo de quatro a cinco meses. O processo de outros estaleiros demorava em média de um ano a um ano e meio.
Os valores das embarcações apresentadas seriam superfaturados em até 200%.
O empresário da navegação construía a embarcação sem gastar nada e ainda ficava com uma parte do lucro, mas para isso tinha que assumir toda a dívida, em dólares, com o BNDES.
O lucro da transação era repassado para as contas bancárias da ETN ou de empresários ligados à empresa, segundo as investigações do Ministério Público.
Donos de barcos pequenos da Amazônia eram o alvo principal do esquema. A Waldemar Navegação, por exemplo, conseguiu aprovar, por meio da ETN, um projeto de US$ 985 mil do BNDES para construir dois barcos no estaleiro, mesmo tendo um capital social de R$ 450 mil.
"A ETN fez todo o projeto para a gente. Todo o dinheiro que recebemos do BNDES foram repassados para a ETN construir os barcos", disse o sócio-proprietário da empresa, Altair da Silva.
Outro empresário teve financiamento de US$ 2 milhões para fazer um barco de passageiros na ETN, mas segundo especialistas de outros três estaleiros, de Belém, o barco poderia ser construído pela metade do preço.
Projetado para transportar 350 passageiros, a embarcação fez apenas quatro viagens, apresentou problemas mecânicos e está parado até hoje.


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