São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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ELIO GASPARI

Ciro quer Scheinkman a bordo

O professor José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton e ex-chefe do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, teve uma conversa de nove horas com Ciro Gomes na quarta-feira da semana passada. Veio de Nova York para isso e embarcou de volta na quinta-feira, comprometido com a remessa de um trabalho no qual fará suas observações ao programa do candidato. Ciro não convidou Scheinkman nem Scheinkman esperava ser convidado, mas ficou um clima no ar. Dele poderá resultar que o professor venha a cuidar da assessoria econômica do candidato. Scheinkman está com a agenda comprometida até dezembro, pois leciona na Universidade de Paris.
Os dois estiveram juntos das onze da manhã às oito e meia da noite de quarta-feira, a maior parte do tempo numa sala de flat em São Paulo. Não se conheciam. Haviam falado ao telefone apenas uma vez, há duas semanas. A duração da conversa deveu-se mais à torrencial capacidade de Scheinkman de expor suas idéias a respeito da economia brasileira do que a um eventual detalhamento de temas. Por exemplo: Ciro diz em seu programa que a reforma tributária deve ter como objetivo desonerar a produção. Scheinkman sustenta que a prioridade de qualquer reforma tributária brasileira deve ser a redução da informalidade. Só depois que esse pedaço da economia real estiver de volta ao mundo dos tributos é que cabem outras considerações. Uma declaração de Ciro a respeito do assunto, no dia seguinte, pareceu ecoar a conversa.
À certa altura o encontro teve a companhia do ex-governador Tasso Jereissati e do empresário Beto Sicupira. À tarde, Tasso fez uma visita de surpresa a um empresário que, ao ver Ciro acompanhado por Scheinkman, supôs estar delirando.
Scheinkman não forma uma dupla com Roberto Mangabeira Unger, mas juntos são os brasileiros mais bem titulados na academia internacional. À diferença de Mangabeira, Scheinkman fala português sem sotaque. Carioca, o professor tem 54 anos e modos suaves.
O fio que ligou Scheinkman a Ciro nada tem a ver com o mercado. Ciro lhe foi apresentado pelo pai de uma estudante a quem o professor, em Princeton, aconselhou na sua busca por uma vaga numa outra universidade americana.
Em termos de rigor fiscal, horror à inflação e à interferência do Estado na vida alheia, Scheinkman faz de Pedro Malan um petista light. Há gente convencida de que o Departamento de Economia da Universidade de Chicago é a praia onde Asmodeu passa as férias em companhia de Milton Friedman.
Scheinkman tem um sítio na internet. Nele nunca pôs seu retrato. Até junho, mostrava uma paisagem de Princeton. Recentemente trocou-a pela imagem de Cafu com a taça. Vingou-se assim dos amigos franceses que se consideravam vencedores de uma Copa na qual o Brasil estava condenado às oitavas de final.
O professor mantém 35 textos no seu sítio. Trinta estão em anglo-economês. Dois dos textos em português dão uma idéia do seu pensamento.O endereço de Scheinkman: http://www.princeton.edu/~joses/

O candidato esqueceu (ou não leu) o programa

No último dia 7, Ciro Gomes esteve na Universidade de Brasília e lá lhe perguntaram o que achava do sistema de cotas como forma de ampliar o acesso dos negros às universidades públicas. Ele disse que era contra e deu uma confusão danada.
No dia 13, tratando do assunto na sabatina da Folha de S. Paulo, explicou o incidente. Primeira explicação:
"O moderador me fez uma pergunta sobre cotas para negros. Eu disse para ele que eu não tinha opinião formada sobre o assunto, achava isso um tema polêmico, eu estava consultando os movimentos negros do Brasil -havia entre eles uma divisão profunda- [sobre" se a melhor solução era o regime de cotas ou não era e que eu, portanto, não tinha como responder afirmativamente àquela pergunta".
Segunda explicação, complementar:
"Eu tenho dúvidas, quero confessar com a maior franqueza para aprender. Estou procurando conversar com quem entende mais do assunto do que eu. Tenho dúvidas se a solução para a grave discriminação seria estabelecer, como no modelo norte-americano, um regime de cotas. Eu quero ouvir quem entende do assunto".
Falso.
No ponto em que menciona a questão negra, o texto básico do programa do candidato Ciro Gomes é claro, direto e expresso. Informa o seguinte:
"Tratar a opressão dos negros no Brasil como problema que, embora indissociável da pobreza, não se reduz à pobreza. Rejeitar as soluções do tipo "cotas", que, na prática (como nos Estados Unidos), permitem a uma elite dentro do grupo protegido capturar a maior parte das vantagens concedidas".
Endereço do programa de Ciro:
http://www.ciro23.com.br/23/noticias/vernoticia.asp?id=282#BaixarProgramaAlckmin

Alckmin e sua teoria do carro oficial

Divertido personagem o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Depois que diversos prefeitos do PSDB foram flagrados chegando a um evento do partido em automóveis oficiais de seus municípios, deu a seguinte resposta:
"Eu não sei se eles vieram a São Paulo para cumprir compromissos de trabalho e depois vieram a este encontro à noite. Eu não posso responder pelas prefeituras".
Se não pode responder, não responde. Se responde, obriga-se a fazer nexo.
Mesmo que os prefeitos tivessem ido a São Paulo para tratar de outros assuntos, deveriam ter chegado ao evento do PSDB a pé, de ônibus, táxi ou carona. Aliás, são esses os meios de transporte disponíveis para a choldra que paga os impostos de onde sai o dinheiro do carro dos prefeitos e de Alckmin.
Prefeito usando carro oficial onde não deve é café pequeno. Governador de São Paulo dizendo coisas sem nexo é outra coisa.

Coisas da vida

Na primeira metade de 1996, o professor Gustavo Franco, a caminho da presidência do Banco Central, mandou um estudo de 47 páginas a FFHH. Defendia seu câmbio de R$ 1,20 por dólar e recomendava que se evitassem debates em torno de futilidades, "e menos ainda as "alternativas'" apresentadas por Ciro Gomes e Roberto Mangabeira Unger.
Na segunda metade de 2002 o professor Gustavo Franco apresenta de bom grado as propostas com suas alternativas a Ciro Gomes e Mangabeira. Com o dólar a R$ 3,20.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota. Mora num fundo de pensão e pensa em mudar-se para outro, de renda fixa. Ele vai ao Leblon procurar o doutor Armínio Fraga, porque soube que o Banco Central decidiu dispensar os bancos da obrigação de marcar as cotas de seus fundos ao valor de mercado. Por idiota, ele nunca teve com o tucanato as mesma relações que a banca, mas vai pedir ao doutor Armínio a extensão do mecanismo ao dinheiro que tem no bolso.
O idiota entendeu: se um banco tem um papel com valor de face de R$ 100, pelo qual o mercado só paga R$ 95, fica agora com o direito de dizer à freguesia que ele vale R$ 100.
O que Eremildo quer é que o doutor Armínio vá com ele a qualquer banco. Tentará depositar R$ 95 e pedirá um recibo de R$ 100.
Contaram a Eremildo que a medida do BC destina-se a atrair investidores. O idiota suspeita que há alguém disposto a lhe fazer concorrência. Se um Banco Central diz que vale R$ 100 um papel pelo qual o mercado só paga R$ 95, quem é que vai botar seu dinheiro nessa praça?

Caso de coragem

O editor Gilberto Huber, orquidófilo conhecido, decidiu peitar a remontagem e reedição do "Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Conhecidas", de Pio Correa e Leonam de Azeredo Penna.
Trata-se de um dos monumentos da ciência e da consciência ambientalista brasileira. O dicionário tem seis volumes e começou a ser publicado em 1926, por Pio. Ele trabalhava no terceiro quando morreu, em 1934, em Paris. Sua viúva trouxe de volta os 30 caixotes de seu material de campo, e Leonam de Azeredo Penna trabalhou nos três outros volumes.
Desde 1974 essa obra não é reeditada -e nunca foi publicada com os modernos recursos que merece.
Huber entregou o projeto ao jornalista Walter Fontoura e começou a mobilizar 200 profissionais da botânica. Acredita que é trabalho para dez anos.

Horror

Papéis de bancos brasileiros estão sendo negociados pela metade do preço na banca internacional. Isso, pagando juros de 10% ao ano.

ENTREVISTA

Almyr Gajardoni

(67 anos, jornalista, autor de "Idiotas & Demagogos - Pequeno Manual de Instruções da Democracia")

-O que se deve fazer para identificar idiotas e demagogos na atual campanha eleitoral?
-Começando pelo demagogo: ele dá ao eleitor a impressão de que seu voto cria super-homens. Promete o que não vai entregar, porque não pode entregar, mas dirige-se ao eleitorado como se o voto de cada um fosse uma pedra milagrosa, capaz de transformá-lo em algo que nunca será. O idiota é o eleitor capaz de achar que seu voto cria super-homens. Dando nome aos bois, o Ciro Gomes está se oferecendo para o papel de super-homem. Lula e o PT estão surpreendendo precisamente porque não estão se apresentando como forças sobre-humanas. O Jânio era um super-homem, o Collor, outro. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek eram homens comuns. A gente achava que os eleitores nunca escolheriam um novo Jânio. Aí elegeram o Collor. Hoje a gente acha que não se elege um novo Collor. Será?
-Onde o senhor vê comportamentos que caracterizam demagogos e idiotas?
-Eu não gosto da proposta do Ciro Gomes de convocar um plebiscito para dar ao presidente o poder de convocar eleições parlamentares fora do prazo. Acho que essa modalidade de reforma política traz embutida uma ameaça às instituições democráticas cujo alcance talvez o próprio candidato ainda não tenha medido. O idiota é o sujeito que não gosta do governo nem do Lula e por isso quer votar no Ciro. Ou que não gosta do governo nem do Ciro e por isso vai votar no Lula. No fundo, não está fazendo escolha, está apenas teimando. A gente não deve achar que é só o eleitor quem comete esse tipo de erro. Políticos muito experimentados fazem pior, não por teimosia, mas por oportunismo. Lembre-se do caso dos gênios da UDN que foram atrás do Jânio. Eles sabiam de quem se tratava. Os gênios do PFL foram atrás do Collor sabendo de quem se tratava.
-Seu livro é docemente otimista no julgamento dos políticos. Com quase 50 anos de janela, o senhor acha que o Congresso melhorou?
-Melhorou e muito. Em primeiro lugar porque surgiu o PT. Essa é a maior novidade da política brasileira. Lula mostrou que o movimento sindical podia produzir um partido, e esse partido mostrou que pode governar. Hoje ninguém discute que o PT é uma alternativa de poder. Você pode não gostar, mas reconhece. Afora isso, o Congresso se tornou mais representativo. A gente fala, com enorme saudade, daquele plenário onde havia homens como Adauto Lucio Cardoso, Daniel Krieger, Thales Ramalho e Ulysses Guimarães. Grandes figuras, encantadores personagens, de uma época em que se acertava a opinião de dez ou 20 grandes chefes e o Congresso vinha atrás, na rédea. Hoje não tem mais isso. O Congresso tornou-se mais representativo e, por isso, melhor.

Assim melhora

Diante das reações de Ciro Gomes às perguntas que lhe são feitas, pode-se pensar numa nova chapa:
Patrícia Pillar para presidente. Ciro na Vice.


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