São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Suporte técnico

BORIS CASOY

"Bom dia, José! Acabo de chegar à tua cidade! Não posso deixar de te dar um abraço, tchê!"
"Que bons ventos o trazem, professor?"
"Estou em campanha para deputado federal e tenho uma série de reuniões aqui na região. Mas não poderia deixar de ver o amigo, bom aluno que foste..."
"Ora professor, chegaste bem na hora do café. Por favor, nossa casa te espera. É uma honra recebê-lo. E desde já tem o meu voto."
E lá ia o professor e advogado para a casa do amigo que não via havia muitos anos. O anfitrião fora seu aluno na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, no interior do RS. Agora era um advogado de sucesso na região de Alegrete.
Minutos depois, lá estava o professor, diante de uma generosa e reforçada mesa do café .
Devidamente abastecido, o professor pedia agora licença para tomar banho, já que viajara a noite inteira na sua velha caminhonete. Aliás, viera com o seu motorista, fiel escudeiro, para quem a mulher do anfitrião já havia providenciado o lauto café.
Banhado e barbeado, estava pronto para sua jornada eleitoral.
"Professor, outro dia encontrei o Xisto, o melhor churrasqueiro de nossa turma em Santa Maria, aquele que hoje é delegado perto de Dom Pedrito. Lembra-se dele?"
"Claro! Até nos encontramos há alguns dias! Estive na casa dele!"
"Pois é. Ele me contou. Mas o estranho é a coincidência Na casa do Xisto chegaste também pela manhã,viajando a noite inteira. E isso já se deu duas vezes. Dá pra aguentar desse jeito ?"
Percebendo o flagrante, o professor resolveu se abrir. E contou o truque: sem nenhum dinheiro para a campanha e determinado a chegar à Câmara dos Deputados, resolveu contar com a involuntária ajuda dos amigos. Viajava com sua Parati azul. À noite, procurava chegar perto da casa de algum conhecido. Na estrada, estacionava perto de alguma árvore ou num posto gasolina e tentava dormir. Seu motorista se acomodava na cabine. Às 7h telefonava para o "voluntário". Assim, matava a fome e tomava um banho, além de arrecadar uns votinhos...
O professor chama-se Nelson Jobim. É hoje o presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi eleito deputado duas vezes, nos anos 80 e 90. Provavelmente não repetiria a façanha, embora tenha certeza que teria a mesma acolhida quando telefonasse às 7h.


Boris Casoy, 61, âncora e editor-chefe do "Jornal da Record", escreve aos domingos nesta coluna

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