São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2003 |
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ESQUERDA NO DIVÃ Para Immanuel Wallerstein, EUA não farão concessões necessárias para a Área de Livre Comércio das Américas Conflitos deverão barrar Alca, diz cientista
MÁRCIO SENNE DE MORAES DA REDAÇÃO Só é possível julgar um governo com base em seus atos e em suas políticas. No que se refere ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma coisa é certa: ainda é muito cedo para julgá-lo. Talvez isso seja factível dentro de um ano. A análise é do cientista social americano Immanuel Wallerstein, nascido em 1930, que é um dos maiores ícones da esquerda mundial, professor da Universidade Yale (EUA) e autor de, entre dezenas de publicações, "The Decline of American Power: The U.S. in a Chaotic World" (o declínio do poder americano: os EUA num mundo caótico) e de "Geopolitics and Geoculture" (geopolítica e geocultura). Para Wallerstein, o sucesso ou o fracasso de Lula é diretamente atrelado a suas ações na esfera internacional, não na interna. Assim, ainda de acordo com o cientista social, o aspecto mais importante da atual administração brasileira é a evolução do Mercosul. O cientista não acredita que um Mercosul fortalecido e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) possam coexistir sem problemas. Ele não crê que a Alca se torne realidade, já que o Congresso dos EUA não deverá aceitar as concessões necessárias para a aprovação pelos outros países. "Já foi muito complexo obter a aprovação do Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte], e as concessões só envolviam o México, visto que as economias canadense e americana já eram bastante integradas", diz. Wallerstein estará no Brasil nesta semana, participando do seminário internacional "Hegemonia e Contra-Hegemonia: os Impasses da Globalização e os Processos de Regionalização", patrocinado pela Reggen (cátedra e rede Unesco/Universidade das Nações Unidas sobre economia global e desenvolvimento sustentável), que ocorrerá no Rio de Janeiro. Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha. Folha - O governo Lula vem sendo acusado de executar políticas que não condizem com seu passado de esquerda. O sr. acredita que a estrutura econômico-financeira da cena internacional atual não permita a adoção de verdadeiras políticas de esquerda? Immanuel Wallerstein - Inicialmente, gostaria de dizer que não me sinto totalmente à vontade para analisar o governo Lula, já que não conheço muito bem suas políticas. Vou ao Brasil também para ter um melhor conhecimento do governo brasileiro atual. Mas creio que a situação do PT, no Brasil, seja comparável à do Congresso Nacional Africano [de Nelson Mandela], na África do Sul. Quando chegaram ao poder, ambos os partidos eram uma expressão de movimentos populares e tinham a incumbência de transformar a situação político-social nacional. Uma vez no poder, ambos descobriram que eram obrigados a fazer uma série de acordos para poder governar. Ambos foram bastante criticados por intelectuais de esquerda por ter feito esses acordos e por não ter transformado a situação de seus países rapidamente. Ambos os partidos contam com o apoio de movimentos populares não-governamentais. Na África do Sul, esse apoio vem sobretudo dos movimentos sindicais. No Brasil, apesar de alguns problemas no campo, o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] me parece bem menos impaciente do que sua questão deixa transparecer. O MST sabe que ainda resta muita coisa a fazer, porém parece estar disposto a dar mais tempo ao governo. Por outro lado, é verdade que há inúmeras limitações relacionadas ao que qualquer governo pode fazer, em qualquer país do mundo. Isso é um fato irrefutável, contudo não tem muito a ver com os mercados, mas com a essência do poder e com as limitações inerentes ao exercício do poder. Todavia isso não significa que os governos não possam fazer nada. Temos de julgar qualquer governo por seus atos e por suas políticas. Alguns são bem-sucedidos, outros fazem uma péssima gestão. No que concerne ao governo Lula, uma coisa é certa: ainda é muito cedo para julgá-lo. Talvez possamos fazê-lo daqui a um ano, mas ainda não seria justo julgá-lo agora. Para determinar o sucesso ou o fracasso de Lula no que se refere ao sistema-mundo, deveremos olhar para suas ações na área externa, não na interna. Creio que a evolução do Mercosul seja o principal ponto que deveremos analisar. Se conseguir fortalecer o Mercosul e transformá-lo numa entidade econômica bem-sucedida, ele terá um imenso impacto no sistema-mundo e na economia-mundo. Trata-se do aspecto mais importante da atual administração brasileira. Certamente, o novo governo argentino o apoiará. Assim, tudo dependerá da disposição de Lula para colocar-se contra uma oposição americana razoavelmente forte. Folha - Sim, mas, se observarmos
o exemplo da União Européia [UE],
veremos que os países mais abastados acabaram pagando a conta
da integração, que foi responsável
pela diminuição da distância entre
os mais ricos e os mais pobres. Ora,
no caso do Mercosul, caberia ao
Brasil bancar essa integração, porém o país não tem dinheiro para
fazê-lo corretamente. Como é possível ultrapassar esse obstáculo? Folha - Como a Alca se insere nesse contexto? Folha - Em seus livros, o sr. diz
que os EUA estão em declínio. Como o sr. detectou esse fenômeno? |
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