|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Lula e o xaveco
do coronel Chávez
Numa entrevista ao jornal argentino "La Nación", Luiz Inácio
Lula da Silva disse que considera
"fantástico" o que o coronel Hugo
Chávez está fazendo na Venezuela. A notícia da conversão de Lula
ao chavismo, uma modalidade
do xaveco golpista latino-americano, é curta. Falta-lhe a elaboração necessária para se compreender direito o que ele viu de fantástico na Venezuela.
Com as informações disponíveis, seria injusto dizer que Lula
aderiu ao golpismo de Chávez,
mas já há dados suficientes para
suspeitar de que um pedaço da esquerda brasileira está namorando o golpismo eleitoral.
Levado à Presidência da República por maioria de votos, o coronel Chávez conseguiu fazer pela
via legal o que não conseguira em
1992, pelo caminho do golpe militar. Empossado, convocou eleições gerais para a formação de
uma Constituinte. Venceu-as e
hoje dispõe dos poderes que o Senado romano dava aos ditadores.
Esmagou o Congresso, encurralou o Judiciário e desestruturou o
Executivo. Governa a Venezuela
como quer e já disse que pretende
governá-la por seis anos e mais
seis.
Pelo lado da solucionática, o coronel Chávez mobilizou as Forças
Armadas, levou ex-guerrilheiros
para o governo e entregou o Ministério das Relações Exteriores à
veneranda figura de José Vicente
Rangel, o candidato da esquerda
em três eleições presidenciais.
Lançou brigadas de atendimento
às populações carentes, defenestrou corruptos e começou a administrar o país com um grau inédito de decisão e audácia.
Pelo lado da problemática, o coronel Chávez deu um golpe. Usou
a vitória eleitoral para destruir as
instituições. O que caracteriza um
golpe não é apenas a maneira como se obtém o poder, mas o que se
faz com as instituições depois que
se chega ao palácio. Dois exemplos, opostos:
1) em 1974, os militares portugueses deram um golpe, acabaram com quase 50 anos de ditadura salazarista e, depois de uma
confusão danada, restabeleceram
as instituições democráticas;
2) o presidente peruano Alberto
Fujimori, eleito pelo povo, golpeou as instituições e obteve na
reeleição, pelo voto, a legitimação
do golpismo.
O golpe do coronel Chávez ainda está fresco e, como os bebês, é
bonitinho. Encana larápios, desmoraliza senadores, socorre os
pobres e ergue altares patrióticos.
Ainda é um baby-golpe, mas já
lhe permitiu eleger a mulher para
a Constituinte e colocar um irmão num governo estadual. Antes de proclamar a nova ordem, o
coronel já se dissociara, nos foros
internacionais, das moções que
condenavam as violações de direitos humanos em Cuba, na China e no Irã.
O coronel Chávez vai ficar por
aí por bastante tempo. É o caso de
economizar a paciência alheia,
voltando ao problema do namoro
da esquerda brasileira com o xaveco. Esse é atroz.
O golpismo não é prerrogativa
da direita nacional. A esquerda
tem, a qualquer hora, um naco
golpista. Se acaba golpeada, o
problema está na sua inépcia como golpista, não numa eventual
ingenuidade democrática. A revolta de 1935 foi uma tentativa de
golpe militar. Em 1945, o Partido
Comunista flertava com o golpe
continuísta de Getúlio Vargas.
Em 1964, toda a esquerda (e não
só os comunistas) apoiava um
eventual golpe de João Goulart.
Finalmente, o pessoal que estava naquilo que se denomina "luta
armada" contra a ditadura militar não assaltava bancos e sequestrava diplomatas apenas para acabar com a ditadura, mas
também para implantar um regime comunista, sem qualquer concessão eleitoral à choldra de
quem supunha ser a vanguarda.
Foi de tanto apanhar que essa
esquerda converteu-se à democracia. (A direita converteu-se depois de ter quebrado o país, se é
que se converteu.) O xaveco venezuelano cai como uma luva para
os golpistas do novo milênio. Ao
contrário do peruano Fujimori,
Chávez teve os seus poderes ampliados por delegação popular. Isso não faz diferença alguma.
Fernando Collor de Mello, nos
30 dias de euforia de seu plano
econômico, poderia ter ido buscar
num plebiscito os poderes que desejasse. No seu primeiro ano de
mandato, FFH poderia ter tentado um golpe semelhante. Jamais
aceitou proposições destinadas a
encurralar o Congresso. Pode-se
ter dos dois a opinião que se queira, mas ninguém lhes pode negar
o respeito às instituições democráticas.
A sedução que Chávez começa a
exercer sobre a esquerda é até
atraente. Forma-se uma coligação, elege-se um candidato e, como o coronel, ele usa a vitória
eleitoral como alavanca para um
golpe desestruturador das instituições. Que instituições? Uma
Câmara na qual se deu assento a
um coronel que cortava seus inimigos em pedaços (com motosserra). Um Judiciário que não conseguiu rever as contas do juiz Laulau. Um Executivo que vendeu o
patrimônio da Viúva à privataria
e gastou o dinheiro pagando juros
aos gatos gordos da banca internacional.
Basta imaginar quantos votos
terá um candidato capaz de
anunciar que convocará uma
reunião com todos os comandantes das privatizações e os ex-diretores do Banco Central que hoje
trabalham para a banca. Reunida a turma, jogará querosene,
acenderá um fósforo e irá distribuir remédios na periferia.
O caminho golpista não serve à
esquerda por duas razões. Primeiro, porque os golpes não funcionam. Acabam em embustes, ladroagens e irracionalismos. Às
vezes podem até ser populares.
Ninguém se incomodou quando o marechal Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5 e afogou o país na ditadura. Teve até
uma certa popularidade. Junto
com a suspensão do habeas corpus, mandou para a cadeia meia
dúzia de banqueiros (de bicho).
Obrigou todos os restaurantes do
país a colocarem em seus cardápios um prato feito que se chamava Sunabão e custava algo como
R$ 3. Como ninguém comia habeas corpus, pensou-se que comeria Sunabão, mas ele durou menos de seis meses, enquanto o AI-5 duraria dez anos.
Em 1977, o general Ernesto Geisel baixou o Pacote de Abril. Destinava-se a preservar o controle
dos governos estaduais e a maioria do governo no Congresso, bem
como a lhe dar margem de manobra para revogar, mais tarde, o
AI-5. Dourou a pílula estendendo
as férias dos trabalhadores brasileiros para 30 dias. Depois do pacote sua popularidade subiu.
Lula acha "fantástico" o xaveco
venezuelano. Tudo bem. Há um
provérbio da malandragem napolitana que diz o seguinte:
- Seja honesto, nem que seja
por esperteza.
Seria o caso de dizer aos enamorados de Chávez:
- Sejam democratas, nem que
seja por esperteza, porque isso que
o coronel está fazendo na Venezuela é tudo o que a direita brasileira gostaria de fingir que vai fazer no Brasil.
Texto Anterior: Janio de Freitas: A pretexto da droga Próximo Texto: Questão agrária: Defesa diz que pode pedir anulação Índice
|