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JANIO DE FREITAS
A pretexto da droga
A conclamação do governo
americano para que o Brasil se
junte logo ao "socorro militar" à
Colômbia não pode ser vista de
modo linear e direto. É preciso
considerar, neste caso e sempre,
que os Estados Unidos não têm
diplomacia, propriamente, tamanhas são sua carência de sofisticação e o ímpeto vocacional para o
uso da força física (elemento
maior na construção da nacionalidade nos Estados Unidos).
São excessivamente óbvias e repentinas, para que mereçam ser
acreditadas, as ofensivas de propaganda sobre o drama da Colômbia e pela participação do
Brasil, com outros latino-americanos, no "socorro militar" aos
"amigos colombianos" que lutam
com os "narcoguerrilheiros". O
problema colombiano é verdadeiro, mas o governo americano tem
outros e maiores motivos para
usá-lo na criação de um clima
tenso.
Wall Street não simboliza os Estados Unidos apenas pelo poder
financeiro ali instalado. Cocaína
colombiana pode ser comprada,
abertamente, nas calçadas de
Wall Street, simbolizando o que
se passa em todos os Estados Unidos. O que só acontece, é claro,
por consentimento geral. A cocaína da Colômbia, ou de qualquer
parte, só pode ser uma perturbação para a vida americana (supondo-se que alguma autoridade
local pense assim) porque as redes
de distribuição de tóxicos nos Estados Unidos não são perturbadas. O mundo sabe que o grosso
do lucro é investido pelo narcotráfico, com toda a razão, nos Estados Unidos.
O governo dos Estados Unidos e
seus estrategistas têm dois problemas para sua concepção geopolítica de hegemonia, tão bem conhecida há tantas décadas. Um
clima de conturbação na Colômbia, intensa o bastante para ser
real ou fingidamente reconhecida
no Ocidente, encaminha a solução para os dois problemas.
Por um tratado que Omar Torrijos arrancou do governo americano em 77, os Estados Unidos
têm que cessar a ocupação da zona do canal do Panamá e permitir sua reincorporação ao território panamenho de fato e de direito, até as 12h de 31 de dezembro
deste ano. Está cada vez mais claro, porém, que a concepção geopolítica, na qual a posse da zona
do canal e sua base militar tem
lugar de realce, está prevalecendo
sobre o tratado. As restrições à devolução já extravasam os gabinetes de governo, sobem as tribunas
do Congresso e até chegam a cuidadosas referências de imprensa.
Rasgar o tratado não exigiria
escrúpulos difíceis no poder americano. Mas o barulho desse gesto
não se limitaria ao som do papel.
Além das reações de opinião pública, inclusive e talvez sobretudo
nos Estados Unidos, haveria o risco de reações populares complicadas no Panamá, onde a morte de
Torrijos, em inexplicado desastre
aéreo, não aplacou a obsessão de
recuperar o território na zona do
canal.
A Colômbia está ali junto do
Panamá, logo abaixo. Localização ideal para ver-se no papel de
ameaça à função estratégica e comercial do canal, ameaça que se
engrandece com a fantasia de
guerrilheiros e traficantes assumindo o controle total da Colômbia e abrindo, aí, as portas sul e
centro-americanas para os chineses. Estes, já muito citados, nas últimas semanas, a propósito de
seus negócios no e com o Panamá.
Ao lado da mesma Colômbia
está o outro problema. Chama-se
Hugo Chávez e, com o propósito
de transformar o seu país em República Bolivariana da Venezuela, é visto pelo governo e por grande parte da imprensa americana
como uma possível sugestão de
políticas latino-americanas refratárias às influências de Washington.
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